Counting out Time
Atravessar a adolescência na década de 70 foi uma corrida, um susto, um espanto, um pavor e uma das mais belas e loucas recordações da minha vida.
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Atravessar a adolescência na década de 70 foi uma corrida, um susto, um espanto, um pavor e uma das mais belas e loucas recordações da minha vida.
O Demis-Live-Puppet foi um sucesso. A Clara trazia-o com ela para o liceu tantas vezes quantas as colegas que deixava entrar no seu inner circle e cujo ritual de passagem era ver e saber guardar o segredo debaixo da túnica. Não eram assim tantas como isso, mas a presença do mono era sempre um acontecimento e um divertimento do qual até as próprias professoras, cientes dos arrebatamentos musicais e amorosos da Clara, participavam animadas mas sem consciência “do que estava por baixo", o que era emocionante e divertido para a população estudantil daquela turma.
Tínhamos quinze anos e era Primavera. Trazíamos os livros, as alegrias, as tristezas e muitas paixões na mochila. Éramos alegres e despreocupadas. Era Primavera e o nosso espírito vicejante bulia por debaixo da bata azul que nos uniformizava.
Aquele dia amanheceu nublado e rotineiro como de costume. A primeira aula era Inglês, às 8:30h, com a Dra. Rosário Ferro que não admitia atrasos. Muitas de nós chegaram ao liceu às 8:00h. Duas contínuas à porta faziam-nos entrar rapidamente e orientavam-nos para as salas de aulas, onde deveríamos permanecer sentadas até que alguém viesse falar connosco. Na sala com duas filas de carteiras duplas já havia uma meia dúzia de alunas sentadas, mas nem sombra da Rosarinho. Entretanto entra a Francisca que diz que alguém fala nas notícias que houve um golpe de estado. O que é isso? Sei lá. É coisa de terroristas. É da tropa!
Estávamos para ali fechadas e apavoradas e não havia uma alminha que fosse, capaz de nos sossegar. De vez em quando uma contínua assomava à porta da sala, chamava uma aluna pelo nome e levava-a sem dizer mais nada. Olhávamos umas para as outras em silêncio e só podíamos conjecturar coisas más.
Quando chamaram o meu nome, não soube se era para rir ou para chorar, porque não tinha como saber ao que ia. Olhei para as colegas, para a Clara, acenei com a mão e acompanhei a contínua até à grande porta da entrada. Estava lá o guitarrista Fernando Pinto, o vizinho do primeiro andar. Anda Dulcinha, anda, vamos para casa que a tua mãe está doente de aflição.
No caminho de casa vimos passar os Chaimites de Cavalaria 7. Falava-se em revolução e o medo pairava no ar. Todas as revoluções que conhecíamos, algumas das notícias mas a maior parte da história e dos livros, acabavam com mortos, feridos e sangue a rodos. O amanhã afigurava-se mesmo nada tranquilizador.
A minha mãe estava na varanda a ouvir a telefonia. Pairámos lá por casa sem qualquer informação que não o que ia passando na rádio em nome do Movimento das Forças Armadas e que exortava as pessoas a permanecer tranquilas em suas casas. O meu pai só chegou pelas 18 horas e pouco mais tarde o Fernando Balsinha e o Fialho Gouveia apresentavam uma edição especial do Telejornal sobre o golpe de estado levado a cabo pelo MFA, cuja reportagem de rua com imagens, em particular as dos momentos cruciais e de grande tensão no Largo do Carmo naquele final de tarde primaveril que aqueceu ao rubro as emoções, misturada com a ideia carmesim dos cravos cinzentos no ecrã, projectados dos canos das armas mudas, fez transbordar o tumulto do peito, soltou o nó da garganta e as lágrimas correram como rios turbulentos.
Até à data, só tinha visto o meu pai chorar quando nasceram os filhos.
Tenho saudades da Clara.
Fomos boas amigas, colegas, companheiras de carteira e até cúmplices durante o liceu.
O meu pai chamava-a de Clara Gema do Ovo e sabia que era a melhor influência que naquela altura poderia desejar para mim.
A Clara era o que agora se chamaria uma “croma". Mediana de altura, cheiinha e com uns óculos redondos e grandes, tinha sorriso fácil, uma mente brilhante e uma acuidade artística fora de série. Qualquer tarefa para a qual a Clara se propusesse tinha a garantia da excelência da execução e do primor da conclusão.
As miúdas populares ressentiam-se com a atenção que os professores dispensavam à Clara pelo seu admirável desempenho a todas as disciplinas, com notas a alternar entre os 16 e os 20 valores. Eu não era uma miúda popular. Também não era uma croma. Balançava agilmente entre umas e outras; nunca tomei posição, mas sentia-me bem mais confortável com os cromos do que com a superficialidade que a popularidade confere.
Como todas as adolescentes, a Clara amou com ardor. Desenvolveu uma paixão platónica pelo grego Demis Roussos, exacerbada por uma possível falta de afecto paternal, de tal modo que lhe escrevia intermináveis cartas em tom de diário, contando cada segundo da sua vivência e do seu pensamento que não o abandonava nunca. Escrevia sempre que podia, em cadernos do liceu numerados que a acompanhavam para onde quer que fosse, aos quais acabei por perder a conta.
A Clara trazia consigo recortes de notícias, posters, tudo o que a imprensa nacional e estrangeira pré-revolução era autorizada a disponibilizar ao público jovem em Portugal. O meu primo Dietmar trabalhava na altura na editora da Revista Bravo e arranjava-nos muitas revistas com vários pósteres estupendos (cheguei a forrar a parede do meu quarto com pósteres, alguns de tamanho natural, como foi o caso do Alice Cooper e também do Mark Spitz, com as suas sete medalhas de ouro), muitos deles do Demis Roussos. Pelo liceu era normal ouvir o trautear de “We Shall Dance". Aos poucos conseguiu coleccionar-lhe toda a discografia. E assim a Clara era feliz.
Um belo dia em que levei para o liceu os meus fantoches feitos com colheres de pau, lã e restos de tecidos das costuras da minha mãe, nem sei bem a que propósito, prometi que lhe faria um Demis Roussous em pano, costurando o Titã lírico em escala reduzida, com um “colosso" bem microscópico. Foi uma risota pegada, mas nunca imaginou a Clara que eu cumprisse o prometido.
Foto do Google
Regra 1 – A vida não é fácil: – habitua-te a isso.
Regra 2 – O mundo não está preocupado com a tua auto-estima. O mundo espera que faças alguma coisa útil ANTES de te sentires bem contigo mesmo.
Regra 3 - Não ganharás 10.000 euros por mês assim que saires da escola. Não serás vice-presidente de uma empresa com carro e telefone à disposição enquanto não os tiveres ganho por ti próprio.
Regra 4 - Se achas teu professor duro, espera até teres um Chefe.
Regra 5 – Virar frangos ou trabalhar durante as férias não está abaixo da tua posição social. Os teus avós têm uma palavra diferente para isso: eles chamam-lhe de oportunidade.
Regra 6 - Se fracassares, não é culpa dos teus pais. Então não lamentes os teus erros, aprende com eles.
Regra 7 - Antes de nasceres, teus pais não eram tão chatos como são agora. Eles só ficaram assim por terem de pagar as tuas contas, lavar tuas roupas e ouvir-te dizer como tu és fixe (e eles são “ridículos”). Por isso, antes de ires salvar o planeta para a próxima geração, querendo consertar os erros da geração dos teus pais, experimenta arrumar o teu próprio quarto.
Regra 8 – A tua escola pode ter eliminado a distinção entre vencedores e perdedores, mas a vida não. Em algumas escolas já não chumbas e tens tantas chances quantas precisares até acertares. Isto não tem a mais pequena semelhança com absolutamente NADA na vida real. Se não fizeres bem, estás despedido… RUA!!!!! Faz as coisas bem à primeira!
Regra 9 - A vida não é dividida em semestres. Não terás sempre os verões livres e é pouco provável que algum patrão esteja minimamente interessado em que te "encontres". Trata disso no teu tempo livre.
Regra 10 – Televisão NÃO é vida real. Na vida real, as pessoas têm de sair do bar ou da discoteca e ir trabalhar.
Regra 11 – Sê simpatico com os marrões (aqueles estudantes que os demais julgam que são uns totós). Existe uma grande probabilidade de que venhas a trabalhar PARA um deles.
"Dumbing Down our Kids" by educator Charles Sykes
Nota: Encontrado aqui, com lógica, farta e imediata adesão da geração dos "pais à rasca".