Linhas trocadas
Sempre me fez alguma confusão haver quem chame ditadura a uma democracia e democracia a uma ditadura.
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Sempre me fez alguma confusão haver quem chame ditadura a uma democracia e democracia a uma ditadura.
Quando já pensávamos ter visto quase tudo em matéria de imbecilidades, eis mais uma, parida no país que acaba de sagrar-se campeão europeu de futebol: a partir da temporada 2022/2023 os equipamentos verdes serão proibidos nos estádios italianos para satisfazer as queixas dos operadores televisivos que alegam dificuldade em distinguir entre a cor das camisolas e o relvado.
Proibir o verde: eis o sonho totalitário de muita gente também por cá. Em matéria de direitos e liberdades, vamos de restrição em restrição enquanto meio mundo bate palminhas.
Desde Março de 2020, estivemos cerca de seis meses submetidos a "estado de emergência" - algo inédito em Portugal fora de situações de guerra, impondo drásticas restrições aos direitos, liberdades e garantias consagrados no texto constitucional de 1976.
Sempre em nome do combate à pandemia. Desde o tempo em que ninguém podia comparecer "mascarado" à sala de sessões do Parlamento por ordem expressa de Ferro Rodrigues, em que havia municípios a regar as ruas com desinfectante para afugentar o vírus e em que a directora-geral de Saúde, com manifesto receio, abria garrafas de água munida de lenços de papel nas conferência de imprensa em que comparecia a um metro da ministra, estando ambas sem máscara.
Houve decisões acertadas, outras erradas e muitas absurdas. Ou simplesmente ridículas.
Para mim, nenhuma tão disparatada como aquela que proibia alguém de sentar-se num mero banco de jardim. O mesmo Governo e as mesmas autarquias que nos impunham o dever coercivo de permanência entre quatro paredes domésticas, indiferentes aos brutais custos em saúde mental de tais medidas, interditavam-nos algo tão inócuo como permanecer uns minutos num banco, isoladamente, em repouso ou contemplação da paisagem.
Entre as boas notícias que o tímido "desconfinamento" de ontem nos trouxe, destaco esta: Suas Excelências devolveram o exercício da cidadania aos bancos de jardim, deixando de considerá-los infectos, potenciais transmissores de vírus. Aquelas fitinhas que pretendiam selá-los, como se fossem cenários de crime, podem ser rasgadas.
Falta saber se permanecem noutros locais, públicos ou privados, como este que a imagem de baixo documenta. Esperemos por novas mensagens de Suas Excelências para ficarmos esclarecidos.
Depois das golas inflamáveis para protecção em caso de incêndio distribuídas pela Protecção Civil, aqui fica uma ideia para as campanhas de segurança balnear: basta o Instituto de Socorros a Náufragos trocar as bóias de salvação tradicionais das praias por uma destas, no mais moderno estilo vintage (o tom de ferrugem é a opção mais barata; pode-se arranjar material em cores mais interessantes).
Aceita-se ajuste directo. Dr. Cabrita, não tem de quê.
Segundo o Público, António Costa tenciona manter "todos os membros do Governo", isto a propósito da novela Tancos e do maluquinho de aldeia que passeia pelas imediações do Ministério da Defesa. No que diz respeito a Azeredo Lopes, as declarações de Costa são manifestamente generosas - dado o absurdo da actuação do ministro desde o Verão do ano passado, o homem estará muito longe de ser um membro do Governo, ou de qualquer Governo. Na melhor das hipóteses será um apêndice: é um vestígio sabe-se lá de quê, não tem utilidade prática, volta e meia dá uma valente dor de barriga e removê-lo é uma maçada.
Uma amiga espanhola está de momento a fazer várias entrevistas de trabalho em Portugal. Desenvolve soluções digitais de gestão para grandes empresas. Embora já tenha trabalhado no nosso país, fê-lo sempre pontualmente, através de empresas sedeadas em Espanha, e para empresas portuguesas na dependência de empresas espanholas. Assim, apesar de Portugal não lhe ser estranho, é a primeira vez que se lança no mercado laboral local. Perguntei-lhe quem a vai entrevistar hoje – director de recursos humanos, responsável pela área de gestão à qual se candidata, ou se outra pessoa. Responde-me, a rir, “vou ser entrevistada por um doutor”. Já aqui escrevi sobre a parolice esclerosada da pátria com os títulos académicos, que se torna ainda mais imbecil quando vista de fora. O grave é que, além de provinciana, no sentido maligno do termo, a mania é fonte de sectarismo.
Isto vem a propósito da reacção negativa de académicos e, mais recentemente, de alunos à ida de Pedro Passos Coelho para o ISCSP na qualidade de professor. Como bem escreve João Gomes de Almeida no i “o argumento de que Passos Coelho é apenas licenciado não só é parolo, como é revelador do estado empoeirado, bafiento e de irrelevância social que abunda na esmagadora maioria das instituições de ensino superior portuguesas”. Detalha, com razoabilidade, que “achar que alguém deve ser professor por ter um Doutoramento e não pelo seu percurso e conquistas profissionais, apenas contribui para termos universidades cada vez mais desatualizadas, teóricas, desligadas do mercado trabalho e que só existem para alimentar uma clientela de professores de carreira”.
Não abdicava da minha formação académica, que me é essencial tanto no plano profissional como no pessoal. Devo-lhe muito. E ainda não lhe pus um ponto final. Mas o seu valor seria limitado se não a tivesse submetido a escrutínio fora dos meandros universitários. Dito de outra forma, a ciência política e os estudos de segurança e defesa não teriam para mim o valor que têm se não os tivesse levado para sítios como o Norte de África, a Turquia, a Etiópia, ou a Tanzânia. Não é preciso ir para tão longe, é certo. Mas é preciso experiência. Devo muito aos livros e aos anfiteatros, que continuo a frequentar com gosto e empenho, mas sem o terreno não teria aprendido convenientemente aquilo que estudei.
A experiência que advém da chefia de um Executivo é única e rara, sobretudo quando exercida no contexto de uma grave crise. Considerar que alguém com este conhecimento e tarimba não tem nada para ensinar a alunos de ciências sociais é fruto de sectarismo, de ignorância e de soberba.
Treze dias depois, o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas quebrou um pesadíssimo silêncio sobre a pilhagem do paiol de Tancos.
Para dizer afinal uma frase que bem poderia constar de um dos inesquecíveis monólogos do Raul Solnado: «Os lança-granadas foguete roubados, provavelmente, não poderão ser utilizados com eficácia porque estavam seleccionados para serem abatidos.»
Apetece recordar o Solnado genuíno: «Então o capitão perguntou-me se eu trazia espingarda e eu disse que não trazia e que até pensava qu'a ferramenta davam lá eles. E também disse: "Eu trago é uma bala que um vizinho meu guardou de recordação da Guerra dos Cem Anos." E diz-me o capitão: "Como é que tu vais matar só com uma bala?" E eu disse então: "Disparo a espingarda e vou lá buscar a bala."»
Como esta notícia bem demonstra, foi praticado um crime grave em Portugal. Há um indíviduo que escreve para o El Mundo, intitulando-se Sebastião Pereira, e que, com inaudita má fé, informou o povo espanhol de que a carreira política do nosso querido Primeiro-Ministro pode estar em risco com os incêndios. Que ignomínia! Nunca o nosso amado Primeiro-Ministro ou sequer o mais obscuro Secretário de Estado deste governo pode ter a carreira política em causa com um incêndio que matou apenas 64 pessoas.
Mas felizmente que já está a decorrer uma investigação jornalística séria que descobriu que o nome Sebastião Pereira não está registado como jornalista e se trata de alguém que se esconde sob um pseudónimo, violando todas as regras da deontologia. Não sabem que o uso do pseudónimo é expressamente proibido para qualquer jornalista? Não sabem que Mário Castrim se chamava mesmo assim? E têm alguma dúvida de que o Primo Basílio, o Agapito Pinto e o Agapito Pinto Filho, que em tempos escreveram no Correio da Manhã, eram pessoas reais e que nada têm a ver com um senhor que por acaso hoje até ocupa o palácio de Belém?
Há que esclarecer rapidamente o mistério do torpe jornalista que se esconde sob o pseudónimo de Sebastião Pereira. Deve ser seguramente alguém ao serviço de interesses ocultos, que não querem que o país continue a viver como habitualmente, feliz sob a gestão do excelso governo da geringonça. Este, demonstrando a sua enorme queda para a literatura, reage aos incêndios perguntando, como António Lobo Antunes, "que farei quando tudo arde"? E, quando o referido jornalista for apanhado, impõe-se rapidamente que ele seja imolado pelas suas horrorosas blasfémias em auto-de-fé no terreiro de Belém. Isto se entretanto não tiver surgido qualquer outro incêndio que se possa aproveitar para o efeito.
Em Lisboa, ficar em casa é um acto de rebeldia. Exposições modernaças, bares trendy, restaurantes étnicos, arquitectura (ou arquitetura?) desempoeirada, lançamentos de livros de dietas detox, lançamentos de lojas, lançamentos de “conceitos”, enfim, uma canseira de solicitações. Só ao Tejo é que ninguém se lança – já não se fazem portugueses como o Marcelo, o que, pensando bem, não é mau de todo.
Lisboa está na moda, Lisboa é sexy, Lisboa é cosmopolita. Desde que não seja para viver e trabalhar. Sobre as digressões cosmopolitas da capital muito há a dizer, começando pelos “happenings” e pelos “conceitos”, na sua maioria cópias baças daquilo que se faz noutras paragens. No entanto, o drama está no penoso quotidiano.
Regressado de Madrid, onde desta vez vivi cerca de um ano, as diferenças no dia-a-dia são esmagadoras. Na capital espanhola consigo tratar da minha vida usando os transportes públicos, em particular o Metro. Profissionalmente, mesmo que num só dia tivesse de estar em três ou quatro sítios diferentes, o Metro dá abasto. Para as coisas mundanas, como ir ao supermercado, ia a pé. Ao contrário do que sucede em Lisboa, Madrid mantém o comércio local vivo. Em todos os bairros da cidade há supermercados, farmácias, pastelarias, lojas de informática, livrarias, ginásios, cabeleireiros, lojas de roupa, restaurantes, enfim, tudo o que faz falta. Em matéria de acesso à cultura, voltamos aos transportes públicos. Cinema, teatro, livrarias grandes ou especializadas, todos têm uma estação de Metro por perto. Não conheço na cidade de Madrid um único trajecto que se percorra com maior rapidez e conforto de carro do que em transportes públicos. Já em Lisboa conheço vários.
É verdade, as estações de Metro em Madrid são feias, algumas causam mesmo repulsa. Pelo contrário, as de Lisboa são verdadeiras obras de arte. Reconhecida a diferença, importa salientar um aspecto relevante quando falamos de transportes públicos: o Metro de Madrid funciona. O metropolitano da capital espanhola apostou na dimensão e na funcionalidade da rede, a segunda mais extensa na Europa. O de Lisboa apostou na imagem. Em hora de ponta, o intervalo de tempo entre metropolitanos em Madrid ronda os 3 minutos. Em Lisboa, também em hora de ponta, o intervalo de tempo oscila entre os 5 e os 15 minutos, isto quando não temos as célebres “perturbações de linha” – eufemismo para o muito português “desemerdem-se”.
Dir-me-ão que as coisas por Madrid também não são fáceis, ao ponto de ter sido necessária a contratação de empurradores. Certo, mas isso só demonstra o quão eficazes são por lá: Lisboa não tem empurradores, mas devia. O grau de intimidade entre estranhos proporcionado pelo Metro de Lisboa em hora de ponta está à beira de desafiar as noções mais lassas de libertinagem. Mas até nem é mau dar por mim nessa situação. Não porque seja um tipo devasso, mas porque é sinal de que consegui entrar na carruagem. Depois de uns bons 15 minutos de indagações anatómicas mútuas e forçadas, que inevitavelmente levam a comparações, quase sempre desfavoráveis à minha pessoa, lá chegarei ao meu local de trabalho sem grande atraso. Amaçado, com a paciência na reserva, com odores no corpo que não são os meus (por princípio, não me oponho a ter no corpo odores de terceiros, mas ao menos que me paguem um copo primeiro), exausto, mas a horas.
Nada disto parece interessar. O que importa é que a cidade é famosa. E o Metro de Lisboa “é nosso”, novamente público, livre do jugo capitalista previamente autorizado por uma infame concessão a um nefando privado. Se o regresso ao perímetro público traz dificuldades, paciência, é o preço a pagar. Além do valor do passe, claro. Bom, o valor do passe é claro, mas a correspondente factura tem uma tonalidade tão escura que nauseia.
Aqueles que pugnaram por um Metro público, ignorando por completo a sua funcionalidade, eficácia e o serviço prestado aos passageiros, deveriam meter as suas ideias no mesmo sítio onde eu meteria a minha pasta se eles viajassem ao meu lado. Ainda que por definição seja um sítio aconchegado, é mesmo o único local com espaço num Metro lisboeta em hora de ponta.
Imagine que vai a um restaurante jantar com amigos. Senta-se à mesa, escolhe do menu a refeição, engana a fome com pão e manteiga, delicia-se com o prato escolhido e o vinho que o acompanha, e atreve-se ainda a uma sobremesa. No final, quando o empregado de mesa lhe traz a conta, paga e pede uma factura. "Dá jeito para o IRS", comenta de passagem. Ao que o empregado lhe responde que tem todo o direito à factura mas que não lha pode dar ali, no acto do pagamento. Pode, sim, dar-lhe um formulário postal que deverá preencher e enviar pelo correio, solicitando a dita factura. Ou, em alternativa, poderá, "a partir do conforto de sua casa" (diz isto como se estivesse a sugerir o prato do dia), aceder à página Web do restaurante e, após facultar alguns dados e seguir um formulário de sete etapas, e enfim obter a factura. Mas atenção: só poderá fazê-lo uma vez volvidas 48 horas sobre o pagamento, e apenas durante os cinco dias que se seguirem a essas 48 horas.
"Mas não é obrigatório emitir uma factura se o cliente o solicitar?", pergunta, incrédulo. "É", responde o empregado, sempre a sorrir. "E emitimos. Basta enviar este formulário, ou aceder ao site."
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Imagine que se dirige a uma loja de equipamentos electrónicos para comprar um telemóvel. Compara a oferta dos vários fabricantes dentro dos preços que estão ao seu alcance, pondera nas vantagens e desvantagens de uma mão-cheia de modelos, conversa um pouco com a técnica de serviço para esclarecer alguma dúvida, e por fim decide-se pelo aparelho que vai comprar. Dirige-se à caixa para pagar, e ao efectuar o pagamento solicita a factura. Enquanto lhe entrega o talão de pagamento e o recibo da garantia, a empregada diz-lhe que não é possível dar-lhe a factura ali, mas que poderá preencher o formulário que pode encontrar ali ao balcão para solicitar a factura pelo correio ou, em alternativa, poderá aceder à Internet, preencher o formulário de sete etapas que se encontra no site da loja, e descarregar a factura. "Até pode fazê-lo a partir deste telemóvel", graceja, sem no entanto deixar de o alertar que só poderá obter a factura por esta via 48 horas após o pagamento (nunca antes), e apenas durante os cinco dias que se seguem a essas 48 horas.
"Mas se eu estou a pagar agora, por que motivo não posso ter já a factura?" pergunta, já sem conseguir disfarçar a irritação.
"Porque o nosso sistema informático não permite a emissão de facturas imediatamente após o pagamento", esclarece a empregada, no tom exacto de quem está a repetir um matra pela enésima vez nos últimos dias. "Por isso poderá fazê-lo pelo correio, ou a partir do conforto de sua casa".
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Será perfeitamente normal que o leitor ou a leitora considere qualquer uma das situações acima descritas como absurda. Nestes dias de voragem fiscal da Autoridade Tributária (o nome já é todo um programa), qualquer estabelecimento comercial privado e legal que não tenha em funcionamento um sistema de emissão de facturas e que as emita a pedido do cliente teria o Fisco, a ASAE e sabe-se lá que mais Autoridades à perna para o habitual bullying tributário. Nestes tempos em que o Estado incentiva os contribuintes a solicitarem factura por tudo e mais alguma coisa (até podem ganhar prémios, veja-se bem), qualquer estabelecimento que se recuse à emissão da facturinha será decerto falado nas redes sociais pelos piores motivos. No entanto, e como não podia deixar de ser, o mau exemplo vem de cima: se o leitor ou a leitora for utente dos Transportes de Lisboa, que tanto quanto sei ainda é uma empresa pública, não poderá obter uma factura no acto do pagamento, seja este feito nas máquinas automáticas que encontramos nas estações do Metro ou nos balcões de atendimento do Metro ou da Carris: terá de preencher um formulário para solicitar a factura pelo correio, ou aceder a uma página Web, seguir um formulário de sete etapas e descarregar enfim a dita factura (mas só poderá fazê-lo 48 horas após o pagamento, e apenas durante os cinco dias que se seguirem). O motivo, conforme me explicou hoje um funcionário do Metro, é simples: em pleno 2017, ano em que todos transportamos no bolso aparelhos com maior capacidade de processamento do que a nave espacial que levou três astronautas à Lua em 1969, o software das máquinas automáticas e dos balcões de atendimento não está preparado para algo tão básico como... a emissão de facturas.
Que o Estado continue a permitir às empresas públicas aquilo que não permite às privadas dificilmente irá surpreender alguém nos dias que correm. O que espanta é que se ache isto normal.
Um tipo chamado Cabrita preocupado com o nome do Cartão de Cidadão é um bocado como aquela anedota do Manuel Merdas que quis mudar para João Merdas.
Tenho um amigo madrileno que foi professor de espanhol (castelhano, para os puristas) em Lisboa. Após anos a leccionar em países como França, Inglaterra, Hungria e Polónia, a profissão trouxe-o à nossa capital. Dos vários países onde andou, Portugal era o preferido da sua mãe. Pela proximidade a Espanha e consequente facilidade de estar com a família, pensei. Mas não. A razão era outra. De todos os países por onde o filho passou, incluindo o país onde nasceu, este era o único onde ele, licenciado em História, era tratado por doutor. Do cartão de débito à conta da luz, o ‘dr.’ português cobria o seu querido filho de merecida glória.
Mais do que um sinal de provincianismo serôdio, que o é, o apego irrefreável a títulos académicos é talvez a face mais visível de um preconceito de classe que teima em não desaparecer. Podia aqui introduzir copiosos apontamentos profissionais. Por exemplo, reuniões onde quem presidia apresentou o Dr. X, o Eng. Y, o Arq. Z e o senhor (muita ênfase em “senhor”) Manuel Silva. Isto é, ainda antes do início das hostilidades, fica claro que há macacos de primeira e de segunda e, caso houvesse dúvidas ou resistências, a apresentação encarregou-se de distribuir uns e outros pelos respectivos galhos. À medida que a reunião avança, os Dr., Eng. e Arq. exibem uma resistência digna de vigas estruturais, enquanto o Sr. e o respectivo apelido são atirados às malvas, sobrando apenas um Manel abandonado. Já na universidade, porque o uso de títulos académicos aí se justifica, a altivez é por vezes levada a níveis de pedantismo raras vezes vistos noutras paragens. Na política, segundo a opinião publicada, abdicar conscientemente da potestade doutoral indicia um tipo de parolice que só pode vir de um estrangeirado.
Há quem encontre a origem desta prática em mais uma herança do Estado Novo. Percebo, mas julgo tratar-se um problema de sexo. Embora o fenómeno não tenha um exclusivo de género, a obsessão pátria com os títulos académicos é essencialmente masculina – poucas são as mulheres que conheço que se preocupam com isto. Assim sendo, só vejo uma explicação possível: um complexo de Édipo mal resolvido. Ao licenciarem-se, os homens portugueses ouvem com entusiasmo o orgulho das respectivas mães, avós e tias, normalmente expresso na frase “Ai que o meu rico menino já é dr!”. Daí em diante, e não obstante a passagem do tempo transformar os ricos meninos em pedantes velhinhos, o ego dos homens licenciados permanece ancorado à necessidade de agradar às respectivas mãezinhas. A ostentação do título académico resultará, portanto, de uma legião de intelectos masculinos parqueados na etapa fálica do desenvolvimento psicossexual.
Paulo Rangel propôs no último Congresso do PSD pôr fim ao uso de títulos académicos. Como é óbvio e bem assinala o Luís Menezes Leitão no i, fazer disto a única proposta fracturante que se apresenta a um congresso onde, por vontade própria, se esperava crítica é, no mínimo, não ter noção do ridículo. Mas continuarmos a alimentar uma forma de trato que resulta da fragilidade freudiana de egos sequestrados pelas nossas mãezinhas não é menos absurdo.
- Toma cuidado com os piropos: podem dar-te o passaporte para três anos no chilindró!
- Ficas descansada. Nunca me passaria pela mona gastar o meu dicionário de piropos numa abécula como tu.
- Olha quem fala! Já te viste ao espelho? Caganda frasco me saíste...
- E tu? És mesmum coiro...
- Quem desdenha quer comprar, ó boi-cavalo!
- É isso mesmo. Tens troco, trinca-espinhas?
- Vai-te catar, filho dumaganda égua! O que tu queres sei eu...
- Eheheh. Dá-me pica.
- Dá-te pica o quê, rafeirote?
- Seres tão... feia. Mas assim mesmo é que eu gosto de ti.
A rigorosíssima austeridade de 3 semanas decretada pelo governo PS com contornos de forte dramatismo corresponde à cláusula de rescisão de Gaitán. Ou, se quisermos utilizar outra unidade de medida, ao dobro do valor do empréstimo que o amigalhaço Carlos Santos Silva terá feito ao engenheiro Pinto de Sousa.
Nem Sócrates nem Luaty Beirão estão em greve de fome.
Pelo que se ouviu hoje em Vila Velha de Ródão, Sócrates deixou de sentir-se o Mandela lusitano e passou a considerar-se como Luaty. É um gesto de humildade, sobretudo se tivermos em conta que Sócrates sofreu muito mais. Então a partir do momento em que recusou ser libertado com pulseira electrónica, nem se fala. De resto, as coincidências entre os dois casos são surpreendentes. Para não ir mais longe, Sócrates tem, ele próprio, uma costela de beirão.
Ao ler esta notícia do Sol um tipo fica com a convicção de que os responsáveis pela investigação têm uma linha directa com o jornal. E confirma-se que as saídas do aeroporto estavam "bloqueadas" pelos jornalistas. Para evitar estas situações desconfortáveis, tanto para o convidado como para os convivas que o aguardam, o melhor seria o MP criar um cartão VIP para a malta do Sol, da SIC e do Correio da Manhã. Ou então terão de começar a mandar menos convites para estas recepções.