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Sou, sempre fui, favorável à despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Porém, discordâncias à parte, tenho de aplaudir o João Pedro Pimenta pela forma como responde aos talibãs do komentariado nacional que, nesta e noutras matérias, procuram fazer da ética um argumento de disciplina (e de imposição) em detrimento de um debate são, sério e democrático.
De tempos a tempos, mal renasce das trevas a estafada discussão sobre a lei do aborto e os direitos das mulheres e blá, blá, blá, fico sempre a pensar que nunca vi ninguém a discutir os direitos dos homens, neste caso concreto, dos pais dos fetos.
E eis como em duas penadas se reduz as mulheres à categoria de parideiras. Além de tolo, pois quando uma mulher quer abortar, aborta mesmo, este argumento não podia ser mais insultuoso.
Leio no jornal que o número de mulheres que repetem abortos tem aumentado desde que entrou em vigor a lei que discriminalizou a IVG e fico curiosa. Pergunto-me como foi possível estabelecer esta relação de causa-efeito e interesso-me pela suposta notícia. Mas uns parágrafos adiante percebo que se trata afinal da divulgação de um estudo da Federação Portuguesa para a Vida, que na sua luta contra a lei que discriminaliza a Interrupção Voluntária da Gravidez não desiste de a apontar como principal causa do aumento do número de abortos.
Baseada em estatísticas da D.G. Saúde e do INE o que a F.P.V. pôde apurar foi que nos últimos cinco anos (como se sabe não há dados relativos a anos anteriores, pois só depois que a lei entrou em vigor foi possível fazer estes registos) houve um aumento de mulheres reincidentes. Pois. Havendo reincidentes é natural que à medida que o tempo passe essa contabilidade aumente.
O que ficará sempre por saber é se antes da vigência da lei havia menos reincidências em igual período. Isso é que era! Mas na impossibilidade de demonstrar o que deseja, a F.P.V. não se detém e insiste em vincular as estatísticas que lhe convém à lei (curiosamente os únicos dados que é possível cruzar relativamente a períodos antes e depois da vigência da lei, os que referem o número de mulheres que recorrem ao hospital na sequência de complicações provocadas por abortos clandestinos, não são citados, merecendo apenas o comentário de que "baixaram consideravelmente").
Como se sabe, propaganda é assim mesmo, nunca joga limpo, porque serve um propósito, uma agenda, o que me chateia é vê-la mal disfarçada de notícia de jornal. Ainda por cima num jornal dito de referência.
O tema do dia é sem dúvida a sugestão de Pedro Passos Coelho (PPC) em relação a um novo referendo à lei da interrupção voluntária da gravidez. Pessoalmente, talvez por andar farto deste tipo de questiúnculas, considero as reacções exageradas. As críticas a PPC têm apontado em duas direcções. Os partidos mais à esquerda ficaram melindrados por se poder sequer pensar num novo referendo. Trata-se da crítica habitual destes partidos, a mesma que já se ouviu anteriormente, e centra-se na questão do Aborto em si. No que diz respeito à sugestão, tecnicamente, um novo referendo faz tanto sentido quanto fez o último. Com efeito, se bem me lembro, o último referendo não teve, à semelhança do de 1998, carácter vinculativo. Já o PS e a generalidade da crítica publicada têm incidido sobre a mudança de opinião de PPC. Não duvido que este comentário tenha sido um “piscar de olhos” ao eleitorado mais conservador. Importa, todavia, atentar a dois pormenores. Por um lado, os comentários surgiram em resposta a uma pergunta do entrevistador, não foi PPC de motu proprio a levantar o tema. Ou seja, não me parece que se trate de uma prioridade. Por outro, lendo as declarações originais, percebe-se que o líder do PSD não se colou exactamente à posição da ala conservadora, o que não deveria ser ignorado: “Eu estive, há muitos anos, do lado daqueles que achavam que era preciso legalizar o aborto – não era liberalizar o aborto, era legalizar a interrupção voluntária da gravidez. Porque há condições excepcionais que devem ser tidas em conta e não devemos empurrar as pessoas que são vítimas dessas circunstâncias para o aborto clandestino." Este tipo de táctica eleitoral é perfeitamente normal em democracia: é uma das falhas do sistema. Não digo que deva ser estimulada, mas, sendo na prática inevitável, é importante que se identifiquem as diferenças de grau. Não me parece, por conseguinte, que se deva pôr no mesmo saco esta e outras manobras, bem mais acrobáticas. Considero, pois, esta questão espúria. Bem mais escandalosos me parecem os comentários de José Sócrates, que se afirma "chocado" e acusa PPC de "voltar ao tempo do aborto clandestino".