A frase:
“Seria uma aventura referendária (...) e por isso inadmissível para o Presidente da República, seja um referendo sobre a pertença à Europa ou um referendo sobre a vinculação a tratados ou pactos celebrados no quadro europeu”.
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República
21 de Julho de 2016
O post
Reflexão sobre Donald Trump e a sua imagem nos meios de comunicação, por José Mendonça da Cruz, em Corta Fitas
O livro:
Amor de Salvação, de Camilo Castelo Branco
Este romance de 1864 foi escrito após alguns dos melhores livros de Camilo, como Amor de Perdição ou O Bem e o Mal. O narrador (o próprio Camilo, claro) ouve o relato de uma paixão antiga de um fidalgo que reencontra por acaso, anos depois dos factos. É a história de um adultério, de um amor proibido, com os habituais mal-entendidos e desencontros dos amantes. Camilo parece recear o tema e, após algumas divagações moralistas, o amor pecaminoso transforma-se num labirinto de ódios e termina no tal amor de salvação que redime a alma perturbada do protagonista. A personagem de Teodora é um dos modelos de mulher camiliana: nunca percebemos bem a sua motivação, a infidelidade é demasiado conveniente, não percebemos por que razão ela desiste do amante, é demasiado bela, exerce demasiado poder, é a perdedora, torna-se perversa e perigosa. Talvez esta seja apenas a versão do homem que desistiu do amor e Camilo não se interessa pelo que aconteceu à mulher da história. Naturalmente, está lá tudo o resto: a prosa esfuziante, as frases esculpidas, o ritmo que leva tudo à frente, o génio das novelas de Camilo.
A semana
Domingo, 17 de Julho de 2016
Excelente artigo no jornal El Pais sobre o crescente movimento de partidos insurgentes na Europa. Não concordo com todas as escolhas (a inclusão do Fidesz húngaro, como se vê na tabela; e, no caso português, falta o PCP), mas é mesmo assim o trabalho mais completo que já vi sobre este tema. A análise tem aspectos interessantes, por exemplo a constante do anti-americanismo ou o número surpreendentemente elevado de formações que contestam a participação dos respectivos países na Aliança Atlântica. Em relação a Portugal, segundo sugere o gráfico, os partidos que cabem neste conceito de rebelião anti-sistema não estão abaixo de 10% da votação, mas na realidade eles rondam 20%, que é provavelmente a média europeia (temos de somar os comunistas e os bloquistas). A média está talvez a subir, não apenas em Portugal, mas nos outros países analisados. Não parece tão acertada a contabilização no caso dos países de leste, onde a insurreição terá a dimensão típica, em redor de um quinto do eleitorado. Independentemente dos exageros ou erros, tudo indica que as próximas eleições europeias vão criar um Parlamento Europeu pouco interessado na fórmula actual. Já este ano veremos cenas dos próximos capítulos na Áustria e no referendo constitucional italiano. Em 2017, teremos novos episódios, com a Frente Nacional, Geert Wilders e a Alternativa para a Alemanha. Serão os grandes testes desta insurreição e já veremos até onde ela irá.
Segunda, 18 de Julho de 2016
A propósito do tema anterior, o Observador publicou esta notável entrevista ao historiador e autor britânico Timothy Garton Ash, onde se encontram reflexões sobre o Brexit, Donald Trump e o enorme movimento que poderemos definir como vaga iliberal. A entrevista inclui uma aparente contradição de Garton Ash: por um lado, o autor está convicto da superioridade do sistema liberal; por outro lado, reconhece que o período de globalização que se seguiu à queda do Muro de Berlim provocou grandes descontentamentos. Ash fala também do que viu durante a campanha do referendo britânico, na sua região de Oxford, ao encontrar pessoas zangadas com o sistema, temendo perder empregos para imigrantes de leste e que criticavam os vizinhos: banqueiros, oligarcas russos e milionários chineses. Na mesma cidade, viviam vencedores e perdedores da globalização. A entrevista sugere que no mundo industrializado emerge uma viragem ideológica empurrada pelo descontentamento dos perdedores. Esta transformação está presente em cada uma das notícias que vemos diariamente, dos atentados do jihadismo à convenção republicana nos Estados Unidos, da emergência de insurreições partidárias à votação no referendo britânico. Também parece que alguns liberais estão a cair na mesma ilusão que no passado embalou os defensores de outras ideologias: que o seu sistema era tão perfeito e vantajoso, que seria o fim da história.
Terça-feira, 19 de Julho de 2016
A sequência de más notícias na economia começa a ser preocupante. A incerteza em relação à Caixa Geral de Depósitos não faz sentido e o sistema financeiro parece andar sobre gelo fino, a ponto de o FMI ter incluído a pequena banca portuguesa no lote dos problemas que a organização detectou. No sábado passado, o Expresso noticiava que o crédito malparado, em 2015, seria superior a 33 mil milhões de euros, ou quase 13% do total. O mesmo jornal referia que a poupança das famílias foi negativa pela primeira vez no primeiro trimestre de 2016 (a série tem 40 anos), pois os gastos cresceram dez vezes mais do que o orçamento familiar, uma loucura. Em Maio, o saldo da balança corrente foi um dos mais negativos da Europa (940 milhões de euro, na realidade o pior em percentagem de PIB) e é um susto olhar para o gráfico incluído neste post de Mário Amorim Lopes. Em resumo, tudo isto sugere que os políticos deram os sinais errados à população, que houve excesso de optimismo e falsas promessas de que a crise tinha acabado. O essencial do problema está bem explicado neste texto de Sérgio Figueiredo: o crescimento económico é insuficiente. O Governo queria estimular a economia desapertando o cinto, mas a economia abrandou, não há confiança dos investidores e credores, não há poupança, os bancos estão a perder depósitos, as pessoas desataram a consumir e a balança externa degradou-se. A Europa sabe que as contas públicas foram afectadas por erros desnecessários, a política interna exige que esses erros prossigam, isto é como aquelas bebedeiras eufóricas, que já não param até ao momento da ressaca.