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Delito de Opinião

Os 25 de Abril

José Meireles Graça, 23.04.24

No Congresso do CDS ficou a saber-se que o Governo iria criar uma comissão para comemorar os 50 anos do 25 de Novembro.

As comemorações são, já se sabe, uma chatice, excepto se os respectivos feriados calharem junto ao fim-de-semana.

Fazem todavia falta, a gente felicita-se pelo que as datas celebram, mesmo que vá à praia, e não levaria a bem que o viver em comunidade não tivesse as suas liturgias.

A esquerda no seu conjunto torce o nariz à decisão. Isso é compreensível da parte do PCP porque foi o principal derrotado naquela data e pôs em banho-maria a partir daí o seu sonho de uma sociedade comunista; e do Bloco, que veio a recolher o rebotalho ultraesquerdista daquela época, que queria um comunismo mais comunista do que o da URSS, e que hoje recicla em causas sortidas tendentes a melhorar o capitalismo até que este deixe de o ser.

Já não é da parte do PS, que foi na ordem civil o principal vencedor do confronto. E que Mário Soares tenha liderado o combate por ter o fantasma de Kerensky a assombrá-lo, e jogar portanto a sua sobrevivência, não lhe tira o lugar histórico que justamente por isto merece.

Que a maior parte dos viventes não existisse, ou não se lembre, naqueles tempos atros, explica talvez que possa engolir as falsificações em curso, que omitem as prisões sem culpa formada, o cerco da AR, as ocupações selvagens, os saneamentos e todo o restante breviário das revoluções comunistas, que viria aliás mais tarde a ter um filho póstumo sob a forma da organização terrorista PRP-25 de Abril, sob a jovial liderança do criminoso Otelo.

Mas o PS é uma instituição, tem de ter memória. Fingir não a ter é preservar a amizade das demências à sua esquerda – já foi e pode voltar a ser útil, mas é uma desonestidade cínica.

Vivi as duas datas, recordo quase tudo, e sofro de irreprimível tendência para interpretar os factos, as pessoas e as coisas, à minha maneira. No caso, é esta:

Não há um 25 de Abril, mas quatro: o inicial (o dia inteiro e limpo, na formulação de Sofia, uma poetisa sobrevalorizadíssima, como o futuro dirá), que foi na realidade uma quartelada – os oficiais milicianos poderiam ombrear com os de carreira, numa complicada história de tempo de serviço que anda por aí contada em livros que podem ser escarafunchados por quem for curioso, e isso não podia ser. O pano de fundo era uma arrastada guerra, cujo fim não se via e que, não sendo particularmente mortífera, cobrava o seu preço sob a forma de uma punção gigantesca no Orçamento de Estado (à volta de um terço, em média nos 13 anos que durou) e subtração de alguns anos à vida de homens no início da idade adulta.

Este pano de fundo era sentido pela população no seu conjunto, e portanto também pelos militares. E é um artigo de fé sem nenhuma sustentação (salvo o palpite) que houvesse um generalizado apoio à guerra colonial.

Havia militares com consciência política, e inclusive alguns comunistas, mas a maioria, como a dos civis, tinha umas generalizadas ignorância e resignação em tal matéria.

A quartelada ganhou com facilidade porque o regime, exaurido, não teve quem o defendesse. Um golpe militar, porém, precisa de uma legitimação ideológica que o justifique. E aparece aqui o segundo 25 de Abril, primeiro sob a forma de convite aos generais tidos como desafectos do regime e depois com o nascimento de clivagens políticas no seu seio, a começar logo na Junta de Salvação Nacional, que incorporava água e azeite como Spínola e Rosa Coutinho. Em 28 de Setembro Spínola e outros caíram e a Junta esquerdizou-se, deriva que culminou com o golpe mal explicado ainda, ao menos para mim, de 11 de Março de 1975 e a criação do Conselho da Revolução, três dias depois.

E vão dois. O terceiro é o PREC. Este assentou na inicial explosão de alegria popular logo no próprio dia 25 de Abril, sabiamente explorada pelo savoir-faire do aparelho comunista e, sobretudo a partir do referido 11 de Março, consistiu na liderança ideológica do PCP (com alguns resquícios de folclore revolucionário protagonizados por uma nuvem de grupúsculos hiper-esquerdistas, como a UDP, ou União de Delatores e Pides, como dizia o MRPP, outra seita, esta da variedade maoísta, o MDP, a LCI, o MES e outras 789 formações).

Do que se tratava era da cubanização de Portugal, sob a direcção bicéfala de Álvaro Cunhal como ideólogo e grande líder das massas (para utilizar o jargão querido a leninistas) e Vasco Gonçalves, o coronel de serviço à revolução.

O 25 de Novembro veio garantir que Portugal seria uma democracia liberal, com o seu corolário de liberdade de opinião, eleições legítimas, etc., e abrindo a porta à adesão à CEE. Ou seja, é o quarto 25 de Abril, que regressa ao segundo e o consagra definitivamente. É confuso? Um pouco. Acontece muito com períodos conturbados.

Vejamos portanto as coisas com clareza: O segundo 25 de Abril pode ser celebrado (por quem não seja saudosista do Estado Novo) por causa da lembrança do vento de alívio e esperança que varreu o país no próprio dia e nos seguintes, antes de a esquerda revolucionária empestar os ares; quem desfila na Avenida da Liberdade são os saudosistas do PREC e os socialistas, mas estes apenas por causa da amálgama interesseira que fazem do que se passou, envolvendo o mau e o bom na mesma aura romântica de tempos imaginariamente felizes; quem desfila naquela Avenida, se for de direita, está equivocado no que celebra e nas companhias. E não me venham falar de tolerância e convivência, estas servem para regular o convívio entre pessoas, não para abastardar memórias e falsificar passados; e, finalmente,

O 25 de Abril bom nunca poderia ser celebrado se o 25 de Novembro não o tivesse salvo. Donde, mon coeur balance: qual é a data mais importante? A mim me parece a primeira, pela mesma razão que D. João II talvez tenha sido o mais importante dos nossos reis, mas não poderia ter existido sem D. Afonso Henriques. O melhor, na dúvida, é celebrar as duas datas em pé de igualdade.

Este assunto, que não contende com a qualidade ou falta dela da nossa vida, tem um valor simbólico, e haverá decerto muita gente a desvalorizá-lo por isso. Mas trata-se do fio da História que faz com que sejamos Portugueses de um certo assim, e não assado. Isso conta, mesmo que usemos a próxima quinta-feira apenas para ir passear a pé se o tempo estiver de feição, ou de carro se não estiver. Que eu, na verdade, vou mas é almoçar à Gafanha da Encarnação.

25 de Novembro, sempre

Pedro Correia, 25.11.23

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Faz hoje 48 anos, uma guerra civil foi evitada in extremis em Portugal. A grave expressão, em jeito de aviso à Europa inteira, foi usada a 22 de Novembro de 1975 pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Ernesto Melo Antunes, em entrevista à revista francesa Le Nouvel Observateur.  

Não exagerava: os militares, armados até aos dentes, apontavam os fuzis uns contra os outros.

 

Na manhã de 25 de Novembro ocorreu a confrontação armada, com três mortos (dois comandos, um polícia militar) na Calçada da Ajuda. Mas poderia ter sido muito pior. Podia ter ocorrido um banho de sangue, culminando oito meses de intenso "processo revolucionário", como se denominava o assalto da esquerda mais radical - incluindo comunistas de obediência soviética e maoístas - a empresas, fábricas, terrenos agrícolas, rádios e jornais. Com petardos no Terreiro do Paço enquanto discursava o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo, um cerco de 36 horas à Assembleia Constituinte por cerca de cem mil manifestantes agitando bandeiras vermelhas, propaganda extremista debitada nas estações de rádio estatizadas e editoriais incendiários em quase toda a imprensa (com destaque para o Diário de Notícias).

Tudo culminou na rebelião de pára-quedistas, que na noite de 24 para 25 de Novembro ocuparam bases aéreas (Monsanto, Tancos, Ota, Monte Real), as principais vias de acesso à capital e os estúdios da RTP no Lumiar. Registando-se o envolvimento de outras unidades, como a Polícia Militar, o Regimento de Artilharia Ligeira de Lisboa e a Escola Prática de Administração Militar.

Se os sublevados não tivessem sido dominados ao fim daquele dia tão intenso que parecia interminável, já com o estado de sítio proclamado na região de Lisboa, a confrontação bélica seria inevitável. Vitimando não apenas militares, mas também civis.

 

É isso que hoje se assinala, é isso que hoje se comemora. A vitória da democracia, completando o ciclo iniciado a 25 de Abril de 1974, que permitiu devolver a liberdade aos portugueses. As duas datas são inseparáveis: ambas merecem celebração. Até porque muitos dos militares de Novembro foram também militares de Abril - incluindo António Ramalho Eanes e Fernando Salgueiro Maia.

Que o PS, protagonista desses tempos de alto risco em que se lançaram os alicerces do Estado de Direito em Portugal, se demarque hoje do 25 de Novembro em parceria com o PCP, seu principal adversário à época, é uma traição à memória dos seus fundadores, como Mário Soares, Maria Barroso e Francisco Salgado Zenha. E a vários dos seus antigos dirigentes que permanecem entre nós, como Manuel Alegre e Jaime Gama - também corajosos resistentes à insurreição da esquerda militar. 

Sinal inequívoco da desorientação estratégica deste Partido Socialista pós-geringonça. Renegando a sua própria história. Será o grande ausente das celebrações de hoje, em Lisboa e no Porto. Organizadas, naturalmente, sem pedir vénia aos herdeiros ideológicos dos derrotados de 1975. 

25 de Novembro, sempre!

A comemoração do 25 de Abril em Novembro e o ideário da "Frente Popular"

jpt, 21.11.23

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(Comício na Fonte Luminosa, Lisboa, Julho de 1975)

Muito acertadamente o presidente da Câmara de Lisboa anunciou a comemoração do 25 de Novembro de 1975, data crucial para a instauração do vigente regime de democracia liberal. Detendo uma presidência minoritária da assembleia municipal, Carlos Moedas viu a sua oposição autárquica votar a condenação dessa iniciativa. Agora, nas vésperas da sua realização, vê a imprensa institucional resumir essa celebração a um acto da "direita" (ver Expresso, em artigo de hoje assinado por João Diogo Correia). 

Esta é uma situação interessante. De facto, é uma caso paradigmático de como a história serve para (re)construir o presente, e a este manuseá-lo, quantas vezes manipulá-lo. Pois para quem tenha um mínimo de noção do que foi o processo subsequente ao 25 de Abril (então dito PREC) será cristalina a memória de que houve dois grandes conflitos, então dirimidos e depois simbolizados por iniciativas militares ocorridas. Cronologicamente primeiro foi o que opôs as forças mais atreitas a uma relativização da democratização institucional e social e à negação de uma urgência da descolonização - ditas de "direita" e algumas das quais mais atreitas à recuperação do "anterior regime" -, a uma amálgama muito abrangente de correntes ideológicas à sua "esquerda", "centro" incluído: algo simbolizável pela evocação do 28 de Setembro de 1974 e 11 de Março de 1975. É evidente que o teor deste conflito, e o conteúdo das oposições eclodidas nessas iniciativas militares, é homólogo ao da revolução de 25 de Abril de 1974 e assim por este simbolizado, neste comemorado.

O segundo grande conflito, cuja veemência eclodiu cronologicamente depois, foi o que opôs feixes de correntes políticas que subscreviam a instauração do actual regime de democracia liberal - que abarcavam, grosso modo, da "democracia-cristã" à "social-democracia" dita "socialismo democrático" - a uma miríade de forças políticas de extracção marxista revolucionária, incluindo desde perspectivas então ditas "terceiro-mundistas" (o que hoje se chamaria "alterglobalistas") até à dita "extrema-esquerda", polvilhada de uma pluralidade de versões do ideário comunista. 

Este conflito, que permitiu a instauração do nosso regime actual, teve momentos civis relevantes - como a luta contra a unicidade sindical reclamada pelo PCP, ou o enorme e histórico comício da Fonte Luminosa convocado pelo PS (que invoco na fotografia acima). E, grosso modo, terminou na movimentação militar de 25 de Novembro de 1975, com a derrota das forças militares radicais adeptas do comunismo, então dito de "extrema-esquerda", e com o anúncio do PCP da sua cedência à instauração de uma democracia liberal parlamentar - algo  que poucos meses havia negado. Ou seja, o "25 de Novembro" é um marco fundamental na instauração da nossa democracia mas remete para um conflito que não era presente, e como tal não é hoje simbolizável, no "25 de Abril". Grosso modo, representou a vitória daqueles que reclamavam "A Europa Connosco", como logo depois bem clamou o PS de Mário Soares.

Acontece que a liturgia - oficial e a dos opinadores predominantes no regime - tem escondido estas diferenças. O constante repúdio  pela celebração do "25 de Novembro" quer instaurar, através da manuseamento do ritual da república, uma versão ligeiramente diferente da História nacional. Mas muito  mais do que isso, através dessa ritualização da república, procura manipular o Presente nacional. E vem conseguindo tal feito... Ou seja, quer obliterar o dado crucial da instauração democrática, esse de que oposição fundamental foi a existente entre a esmagadora maioria da população e dos partidos que nas suas diferenças se filia(ra)m na tal "Europa Connosco", e aquelas forças muito  minoritárias que subscreviam os ideários ditatoriais e totalitários do fascismo e/ou do corporativismo e o das plurais formas de comunismo.

Neste âmbito a refutação da relevância simbólica do "25 de Novembro" quer fazer esquecer que a linha de fractura fundamental daquela época, e nos tempos subsequentes, foi a entre forças democráticas (do PS para a sua direita) e o radicalismo ditatorial dos marxismos revolucionários. Querendo instaurar uma mitografia, mais adequada ao mero jogo político parlamentar actual, essa que  propaga a ideia de que a fractura ideológica e social estruturante é a que apartou e aparta o PS e a sua esquerda do PSD e a sua direita. Mitografia reproduzida ritualmente todos os anos na festividade "25 de Abril" que decorre sob o velho ideário "Frente Popular", convocado para o ritual desfile na "Avenida da Liberdade". Congregando os efectivos e militantes adversários da "democracia" com efectivos e militantes adeptos da "democracia". Apenas para, com o sagrado da "festa", assinalar que os "outros" - os quais foram e são, neste continuado processo, os efectivos democratizadores - é que são antidemocratas. 

50 anos depois do 25 de Abril não vem "grande mal ao mundo" (ao  país) com este aldrabismo ritual. Mas serve para as campanhas eleitorais - e para uma ou outra ocasional geringonça, nacional ou autárquica. Mas é evidente que é preciso ser muito atrevido para contestar a relevância democratizadora do "25 de Novembro"... E como tal sempre urge reafirmar 25 de Novembro Sempre!

Há uns meses fui convidado para uma conversa sobre o "25 de Abril". Elaborei um pouco sobre o que aqui afirmo, muito superficialmente, até porque no estava no estrangeiro - diante de gente que conhecerá bem menos do nosso país. E também porque num contexto daqueles - celebração no estrangeiro - não é curial polemizar. Fiz um guião para a minha comunicação, à qual chamei "Portugal e o 25 de Abril: a revolução dos cravos, 49 anos depois". Aqui fica a ligação, para quem tiver curiosidade e paciência.

Dia de não-feriado

José Meireles Graça, 26.11.21

Ontem foi dia de não-feriado. Compreende-se: os feriados cívicos celebram datas marcantes e comemorar duas datas de dois anos seguidos, 1974 e 1975, seria demasia: naquela madrugada inteira e limpa, no dizer inspirado da poetisa Sophia, grande para os que assim a acham, ou estava uma grande e pouco épica nevoeirada ou brilhou o sol do unanimismo.

Brilhou o sol do unanimismo: cada um viu no 25 de Abril o fim de um regime que não deixava ninguém manifestar as profundidades de que era depositário, e acreditou que no seu lugar ficaria a liberdade, o leite, o mel, o regresso dos soldados, a Europa rica, a democracia, o socialismo, a saúde, a explosão da criatividade artística reprimida e o consumo de coca-cola.

Como não podiam ficar essas coisas todas em simultâneo, o unanimismo desfez-se: uns queriam o modelo do Peru, de Cuba, de Moscovo ou de Pequim, e outros o da Suécia, ou da Dinamarca, ou de Bona ou do ami Mitterrand. Ou seja, o 25 de Abril celebra a unidade poética e ilusória, assente em equívocos, dos quais o primeiro era a negação do motivo verdadeiro do golpe, a recusa da guerra colonial; e o 25 de Novembro o senso e a poupança ao inferno cheio de boas intenções.

Doutro modo: uma data refere-se à unidade; e a outra à divisão.

Divisão entre vencedores, que foi a gente imperfeita e confusa da barafunda democrática, e vencidos, que foram comunistas e primos de vária pinta – a malta cujos descendentes ideológicos, quando não são os próprios cheios de colesterol, se alojam hoje no PCP e no Bloco.

A ter que celebrar alguma (e eu não celebraria nenhuma, por razões que abaixo explico), o 25 do quatro é que é.

O quê, associamo-nos então à comunistada e à bloqueirice, no primeiro caso correndo o risco de contrair dementarite totalitária e no segundo acne mental?

Sim. Quem não tem muita confiança no seu sistema imunitário é que tem receio de contágios. E depois:

Aqui há uns anos o meu amigo Hélder Ferreira envolveu-se numa discussão em torno do interessante problema de saber se se pode ser amigo de comunistas. Ele (e eu também, embora não tivesse molhado a sopa) achava que sim, uma turba de outros reaccionários que não. Porque aquela gente, se pudesse, roubava a muitos de nós – os que não fossem trabalhadores por conta de outrem – o modo de vida, e porque em nome da nossa liberdade fazia o que podia para a substituir pela deles, na qual não cabem vozes dissonantes, e portanto não caberíamos nós. Donde, como se pode ser amigo de quem defende um estado de coisas que nos anula, e a muitos meteria na cadeia? Não são adversários, são inimigos.

Raio de problema. Que encontra solução na contradição inerente ao respeito pelas liberdades, das quais o melhor exemplo é o da de opinião: ou abrange quem diz coisas completamente opostas às nossas convicções ou não é liberdade. E também no facto de um amigo comunista o poder ser (amigo) por acreditar sinceramente que nós não correríamos qualquer risco sério no caso de vingar a sua deles distopia – já que juram por fantasias irrealizáveis não há razão para duvidar da boa-fé em acrescentar essa ao lote.

Celebramos então aquele momento em que julgávamos que não havia desfiladeiros, crateras e vulcões entre nós, e esquecemos o outro em que nos livramos do perigo de o 25 de Abril de 1974 desembocar, afinal, num 1917 moscovita?

Não é preciso esquecer nenhuma das datas. Mas como, dos três dês que não sei quem inventou retroactivamente para o 25 de Abril – democratizar, descolonizar e desenvolver – o primeiro foi conseguido apenas pelo 25 de Novembro, o segundo abriu feridas com as quais a História ainda não acertou contas e o terceiro empalidece em comparação com o Estado Novo (mesmo que a maioria das pessoas, por ignorância condicionada, assim não o entenda), talvez fosse um óptimo terreno de entendimento acabar com um feriado, e não o substituir pelo outro.

Precisamos de datas pela mesma razão que todos os países que não estão cansados de o ser as têm? Precisamos sim. Mas como estamos afogados em dívida e a trabalhar menos é que, certamente, não a vamos pagar, podíamos acabar com o feriado do 25 de Abril sem o substituir pelo 25 de Novembro.

E então, de feriados cívicos, nicles? Estamos servidos: ele há o 1º de Maio, que os comunistas julgam que é um dia deles mas se tornou um feriado mundial que celebra o trabalho, e o 10 de Junho, dedicado a Portugal por razões oscilantes. E há o 5 de Outubro, que comemora um regime celerado fundado no assassinato de um homem bom, mas está ungido pela tradição. A qual santifica as coisas, se durar tempo suficiente, mas bem poderia neste caso ser corrigida nos discursos.

Não para celebrar o regime republicano, que nunca o mereceu, mas o Tratado de Zamora, que teve lugar no mesmo dia, e tem a vantagem de ser uma data plausível para o nascimento do nosso a tantos títulos detestável país, mas que é o único em que todos – comunistas, bloquistas, pessoas normais – não somos  estrangeiros.

25 de Novembro

Pedro Correia, 25.11.21

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Nada justifica o comportamento timorato que o PS de há uns tempos a esta parte tem vindo a revelar na abordagem deste assunto.»

Francisco Assis, 2019

 

Há 46 anos, em 25 de Novembro de 1975, o PS de Mário Soares, Maria Barroso, Salgado Zenha, Jaime Gama, Sophia de Mello Breyner Andresen e Manuel Alegre não se absteve, como a grande maioria do PS actual: estabeleceu uma linha fronteiriça entre a democracia representativa e a extrema-esquerda política e militar que queria implantar em Portugal a réplica de uma ditadura cubana, albanesa ou soviética.

Soares era então inimigo n.º 1 dessas forças extremistas, que o comparavam a um girondino da Revolução Francesa ou a Aleksandr Kerenksy, o efémero líder social-democrata russo destituído pela insurreição bolchevista de Lenine em 1917. O fundador do PS esteve à altura do seu papel histórico, assumindo-se como um resistente de primeira hora a uma ditadura de esquerda. Com a mesma fibra de lutador que revelara no salazarismo.

O 25 de Novembro complementa e completa o 25 de Abril. São duas datas indissociáveis - excepto para fascistas e sociais-fascistas. Quem no PS hoje não entende isto, traindo o seu legado histórico, não entende nada.

A liberdade mantida em cativeiro

Paulo Sousa, 21.04.21

Nas notícias tornou-se assunto o impedimento de participação da Iniciativa Liberal no desfile do 25 de Abril.

A Associação 25 de Abril, que como o nome indica advoga-se dona desta data, não permite que este novo partido seja incluído no passeio pela avenida. A desculpa é a pandemia e as limitações que esta impõe. Além disso, justifica-se a referida Associação, o pedido da IL foi apresentado em cima da hora.

Assim a participação fica limitada às seguintes entidades:

 

  • Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados (APRE!)
  • Associação Conquistas da Revolução (ACR)
  • Associação de Combate à Precariedade
  • Precários Inflexíveis (PI)
  • Associação de Exilados Políticos Portugueses (AEP 61-74)
  • Associação Iniciativa Jove
  • Associação Intervenção Democrática (ID)
  • Associação José Afonso (AJA)
  • Associação “Os Pioneiros de Portugal”
  • Associação Política de Renovação Comunista
  • Associação Portuguesa de Deficientes
  • Associação Portuguesa de Juristas Democratas
  • Associação Projecto Ruído
  • Bloco de Esquerda (BE)
  • Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores da Região de Lisboa (CIL)
  • Comissão da Juventude da UGT
  • Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP-IN)
  • Confederação Nacional de Organizações das Pessoas com Deficiência (CNOD)
  • Confederação Nacional de Reformados
  • Pensionistas e Idosos (MURPI)
  • Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD)
  • Consciência Negra,Conselho Nacional da Juventude (CNJ)
  • Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC)
  • Ecolojovem “Os Verdes”
  • Frente Anti-Racista (FAR)
  • Interjovem-CGTP
  • Jovens do Bloco
  • Juventude Comunista Portuguesa (JCP)
  • Juventude Socialista (JS)
  • LIVRE
  • Manifesto em Defesa da Cultura,Movimento Cívico Liberdade e Democracia (MICLeD)
  • Movimento Cívico “Não Apaguem A Memória!” (NAM)
  • Movimento Democrático de Mulheres (MDM)
  • Movimento dos Utentes de Serviços Públicos (MUSP)
  • Movimento Pelos Direitos do Povo Palestino e Pela Paz no Médio-Oriente (MPPM)
  • Partido Comunista Português (PCP, Partido Ecologista “Os Verdes”(PEV)
  • Partido Operário de Unidade Socialista (POUS)
  • Partido Socialista (PS)
  • União Geral dos Trabalhadores (UGT)
  • União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP)

 

A existência de algumas destas entidades era por mim desconhecida até hoje, mas o facto de terem passado pelo filtro da Associação 25 de Abril, quando um partido com representação parlamentar não o conseguiu, é algo que não pode deixar de ter significado político.

A falta de senso, de sentido democrático e até de tolerância, que este impedimento de participação encerra, mostra bem a forma como estes senhores funcionam. Quando fomos governados por um governo que não era da cor deles, como quem nega a legitimidade da data fundadora do regime, recusaram-se eles mesmos a participar nas celebrações do 25 de Abril. Se a isso juntarmos o silêncio imposto à evocação, que fosse, do 25 de Novembro na AR, e às recorrentes declarações de Vasco Lourenço, é fácil de concluir que estes senhores são tão democratas como democrata era a RDA.

A liberdade em Portugal está refém da esquerda.

Elogio a sete deputados do PS

Pedro Correia, 26.11.19

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Sérgio Sousa Pinto, um dos sete

 

Nesta data em que se assinalam 44 anos do fim da perversão do ideal do 25 de Abril pela esquerda totalitária, inscrevo aqui os nomes dos sete deputados do PS que aprovaram um voto de saudação ao 25 de Novembro na Assembleia da República:

Ascenso Simões

Hortense Martins

João Ataíde

João Paulo Pedrosa

Marcos Perestrello

Paulo Cegonho

Sérgio Sousa Pinto

 

Cumpre salientar que estes parlamentares socialistas honraram a melhor tradição histórica do seu partido, contrariando a orientação de voto da bancada, que os mandava imitarem o gesto de Pilatos, abstendo-se.

Os restantes acobardaram-se. Faltou pouco para alinharem com o PCP, o BE e o Livre (e a deputada socialista Isabel Moreira) na condenação do 25 de Novembro. Como se nada soubessem das lições da História.

Acontece que a 25 de Novembro de 1975, data crucial para o estabelecimento da democracia em Portugal, o PS de Mário Soares, Maria Barroso, Salgado Zenha, Jaime Gama, Sophia de Mello Breyner Andresen e Manuel Alegre não se absteve: estabeleceu uma linha fronteiriça entre a democracia representativa e a extrema-esquerda política e militar que queria implantar em Portugal a réplica de uma ditadura cubana, albanesa ou soviética.

 

Há 44 anos, Soares era o inimigo n.º 1 dessas forças extremistas, que o comparavam a um girondino da Revolução Francesa ou a Aleksandr Kerenksy, o efémero líder social-democrata russo destituído pela insurreição bolchevista de Lenine em 1917. O fundador do PS esteve à altura do seu papel histórico, assumindo-se como um resistente de primeira hora a uma ditadura de esquerda. Com a mesma fibra de lutador que revelara no salazarismo.

Esta lamentável abstenção do PS, traindo o legado do partido, foi também um voto contra Soares e os restantes socialistas que travaram o passo ao comunismo em Portugal.

O 25 de Novembro nunca existiu

Pedro Correia, 22.11.17

 

O PS de 2017, que parece ter vergonha da sua história, atraiçoa o PS de 1975 ao recusar celebrar oficialmente o 25 de Novembro - marco essencial na instituição do actual regime constitucional português. O PS de Mário Soares, Salgado Zenha, Maria Barroso, Manuel Alegre, Sophia de Mello Breyner Andresen, Jaime Gama e tantos outros construtores da democracia contribuiu decisivamente para essa data, que vai sendo esquecida ano após ano.