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Delito de Opinião

Em queda livre

Pedro Correia, 02.03.23

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Nem durante a tróica se cortou tanto na alimentação em Portugal

Famílias fazem cortes cada vez maiores mas a factura com a comida continua a subir. Aumento médio dos preços dos alimentos já ultrapassou os 20% num ano. A quebra real (descontando a inflação) foi de 2,3%, a maior cifra registada desde 1995. É o equivalente a menos 573 milhões de euros em comida face a 2021.

 

Linha de Sintra: passageiros retirados de comboio

Passageiros estão a ser removidos das carruagens, paradas perto da estação de Benfica. Comboio parou depois de passageiros accionarem travão de emergência devido à sobrelotação. Em cenário de greve nos comboios, com circulação reduzida, o que conduz às situações de sobrelotação.

 

Desemprego a subir, com inactivos e inflação

Portugueses sem trabalho aumentaram 22% num ano, em parte por via dos ex-inactivos que agora procuram emprego e não encontram. A espiral inflacionista contribui para agravar a situação. Taxa  de desemprego está nos 7,1% e a tendência é de subida.

 

Onze chefes do serviço de urgência do hospital de Loures demitem-se

Equipa que superintende a Urgência Geral do Hospital Beatriz Ângelo, que recentemente reverteu dos privados para o Estado, anunciou ter pedido a demissão. Em causa está a "missão e a qualidade assistencial", bem como a "segurança de todos os doentes e profissionais".

 

Greve nos tribunais adiou mais de quatro mil julgamentos em 12 dias

Paralisação dos funcionários judiciais, iniciada a 15 de Fevereiro, forçou o adiamento de mais de quatro mil julgamentos e outras diligências nos tribunais e no Ministério Público, com maior incidência em Lisboa e Braga. Este protesto, que dura até 15 de Março, adiou também 677 actos contabilísticos e do registo criminal.

 

Notícias como estas são o reflexo do quotidiano de largos milhares de portugueses. Gente que confiou nas promessas que António Costa lhes fez há oito anos de melhorar tudo - dos médicos de família que nunca apareceram até ao estímulo do arrendamento para habitação que jamais saiu das folhas da propaganda.

Com a marca desta governação: poucochinha. Por isso a maioria absoluta adquirida há um ano já está em queda livre.

Tem tudo para acabar mal. Mais cedo do que muitos previam.

Os melhores livros do meu ano (3)

Pedro Correia, 05.02.23

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Já vos confessei noutros momentos: sou cada vez mais adepto de releituras. Tenho-o feito com proveito e gosto. Quando o livro é mesmo bom, abre-nos novas perspectivas quando mergulhamos nele. À segunda ou à terceira, já nos interessa menos a trama e estamos mais atentos a certos aspectos da construção frásica, da linguagem ou da crítica social ali contidos. Aconteceu-me, noutros anos, com vários romances de Eça - como Os Maias ou A Cidade e as Serras. Enquanto me resta um só dos seus livros por desvendar: A Ilustre Casa de Ramires. Ainda não aconteceu em 2022.

Reservo às releituras o terceiro e último bloco de dez títulos que funciona como súmula dos 88 que pude ler no ano passado. Em boa verdade, nenhum me decepcionou: gostei muito dos livros que já me haviam atraído, achei insólitos ou desinteressantes os que já me haviam suscitado reservas. Mas nunca senti que estava a perder o tempo. Isso é o que mais importa.

Partilho esta lista convosco: são seis romances ou novelas de autores portugueses, dois romances estrangeiros, um volume de crónicas e outro de contos. Por ordem alfabética, mantendo o critério assumido aqui e aqui.

 

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A PAZ DOMÉSTICA, de Teresa Veiga (1999). Este curto romance é um dos meus preferidos entre os que se foram publicando em Portugal no último quarto de século. Primeira - e bem-sucedida - incursão no género de uma das nossas mais enigmáticas escritoras, que nunca dá entrevistas e raras vezes é vista em eventos sociais. Contista por vocação, nota-se esta característica na economia de meios do romance, valorizando-o. Retrato de uma mulher ao longo de algumas décadas - que é também, de algum modo, o retrato do País.

 

ALEXANDRA ALPHA, de José Cardoso Pires (1987). Não é bem uma releitura. Explico já: este é um livro que nos dá luta. Só em 2022, à terceira tentativa, consegui lê-lo até ao fim. Da primeira, há vários anos, pareceu-me pastoso e aborrecido; da segunda, mais recente, perdi-me a meio daquela intriga e troquei-o por outro, mais estimulante. Agora está concluído. Romance com fragmentos de sátira à intelectualidade alfacinha dos anos 80, aliás com figuras facilmente identificáveis, mas longe de ser o melhor de Cardoso Pires.

 

ALVES & C.ª, de Eça de Queiroz (1925). Uma das obras que permaneceram um quarto de século guardadas em estado virginal na arca do escritor, quase tão célebre como a de Fernando Pessoa. Novela de atmosfera lisboeta, esboçando nesta prosa ainda de juventude a demolidora crítica à burguesia da capital, que a geração de Eça considerava a classe social mais decadente do País. O escritor guardou o texto sem o rever, mas o essencial do seu estilo mantém-se neste retrato irónico de um marido enganado mas complacente.

 

CONTOS COMPLETOS, de Fernando Pessoa (2012). O poeta de Mensagem era um escritor compulsivo: chegava a escrever em bilhetes de eléctrico. Quase autor póstumo, com apenas um livro publicado em vida. Tantos anos depois, o espólio pessoano ainda produz novidades. Como este livrinho, que recolheu a sua esparsa prosa de ficção, inédita ou dispersa por publicações há muito falecidas. Desperta curiosidade, mas nada tem de empolgante. Só um dos contos, "O Banqueiro Anarquista",  justifica leitura mais atenta.

 

ECLIPSE DO SOL, de Arthur Koestler (1941). Este romance foi muito divulgado em Portugal com outro título: O Zero e o Infinito. Corajosa denúncia do estalinismo por parte deste autor, que conheceu por dentro o pesadelo totalitário e teve forte influência nas obras similares de George Orwell. Esta versão portuguesa decorre do original alemão, que durante muito tempo se imaginou perdido, e não do exemplar inglês, base da tradução anterior. O novo título faz sentido. A denúncia mantém-se vigorosa. E actual como nunca.

 

O ANJHO ANCORADO, de José Cardoso Pires (1958). Trinta anos antes de Alexandra Alpha, Cardoso Pires escreveu esta novela numa toada quase musical, em sagaz olhar sobre a atmosfera social de um país enclausurado à luz do sol. João, empresário a caminho da meia idade, e Guida, jovem professora recém-saída da universidade, encontram-se e desencontram-se numa tarde de fim-de-semana à beira-mar entre gente ignota e rude que os observa à distância. Inacreditável, este livro nunca ter gerado um filme.

 

O HOMEM QUE ERA QUINTA-FEIRA, de G. K. Chesterton (1908). Espécie de antepassado das novelas de espionagem, ou de paródia antecipada às ditas, quando o anarquismo estava em voga naqueles anos que precederam a I Guerra Mundial. Chesterton aborda com humor o mesmo tema a que Joseph Conrad deu tratamento sério no romance O Agente Secreto, publicado em 1907: impossível não ver relação entre as duas obras. No confronto entre ambas, há quem prefira esta sátira ligeira e muito divertida: é o meu caso.

 

REVOLUCIONÁRIOS QUE EU CONHECI, de Vera Lagoa (1977). No PREC, em 1975, produziu-se muita literatura panfletária, para consumo imediato, alimentando o confronto ideológico travado neste país que alguns queriam "em marcha acelerada para o socialismo". Na facção oposta avultava Vera Lagoa, recentemente recordada em Três Mulheres. A série da RTP levou-me a reler este livro, que reúne demolidoras crónicas jornalísticas. Com trechos divertidos, outros injustos. Era um sinal daqueles tempos.

 

SIGNO SINAL, de Vergílio Ferreira (1979). Um dos romances menos conhecidos do autor de Aparição, que aqui faz uma espécie de autópsia do processo revolucionário português, centrado numa aldeia devastada por um terramoto. A cáustica sátira política surge aqui a traço grosso, envolta numa linguagem desbragada raras vezes usada por Vergílio Ferreira - mas que faz algum sentido por caracterizar aquela época de todas as ilusões, povoada por uma vasta galeria de vira-casacas e oportunistas de todos os matizes.

 

UMA ABELHA NA CHUVA, de Carlos de Oliveira (1953). Talvez o melhor romance daquela escola literária que entre nós se convencionou chamar "neo-realista". Numa linguagem depurada e límpida, raras vezes usada por outros autores da mesma corrente estilística, e sem os chavões da praxe que transformavam personagens em caricaturas. Neste drama aldeão há gente concreta e paixões atávicas que se sobrepõem a qualquer cartilha ideológica. Inspirou o filme homónimo de Fernando Lopes, que merece ser revisto.

Os melhores livros do meu ano (2)

Pedro Correia, 04.02.23

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Foi uma das poucas boas heranças dos longos meses da pandemia, pontuados por estados de emergência, recolher obrigatório e teletrabalho em larga escala: sobraram-me horas para a leitura. Daí ter lido cem livros em 2020, outros cem em 2021 e 88 no ano que há pouco terminou.

Ontem destaquei aqui dez dessas obras que me acompanharam em 2022, escritas apenas por autores portugueses: seis romances, uma ensaio memorialístico, uma biografia, um livro de crónicas e outro de apontamentos literários. De escritores já antigos, como Vergílio Ferreira ou Urbano Tavares Rodrigues, e outros contemporâneos, ainda jovens, como Djaimilia Pereira de Almeida ou Afonso Reis Cabral.

Hoje destaco outras dez, mas só de autores estrangeiros. São oito romances, um ensaio literário e um extenso volume com prosa diarística. De três galardoados com o Prémio Nobel (Thomas Mann, John Galsworthy e Mario Vargas Llosa) e de épocas muito diversas - de meados do século XIX até quase à década em que hoje vivemos. Gostei de todos, em graus diversos. Alguns foram excelentes surpresas.

Alinhados também por ordem alfabética, para maior facilidade de consulta.

 

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A FAMÍLIA FORSYTE, de John Galsworthy (1922). Um monumento literário sobre meio século de vida de um clã de prósperos negociantes londrinos que simbolizavam o apogeu e decadência da Inglaterra vitoriana. Com personagens inesquecíveis: o pérfido Soames e o seu primo direito Jolyon, mais dado às artes dos que aos negócios, além de Irene, a mulher que ambos disputaram. Originou filmes e séries, sempre com sucesso.

 

A FESTA DO CHIBO, de Mario Vargas Llosa (2000). Um dos melhores romances do popular escritor peruano, aqui num ousado exercício de estilo que cruza a ficção com segmentos de reportagem em torno de um dos mais execráveis ditadores da América hispânica: o dominicano Rafael Trujillo, assassinado em 1961. Autópsia de uma tirania com bisturi literário de mestre exibindo uma escrita inigualável.

 

DIÁRIOS 1950-1962, de Sylvia Plath (2000). Viver era escrever para a poetisa norte-americana, que sofria de depressão desde a adolescência e foi capaz de elevar esta doença à categoria de obra de arte enquanto matéria literária. Eis a versão mais completa dos seus diários, só há meses publicada em português. Permite-nos perceber como a tragédia do suicídio, aos 30 anos, se prenunciava nos belos textos que redigia.

 

E TUDO O VENTO LEVOU, de Margaret Mitchell (1936). Epopeia em torno da Guerra Civil norte-americana (1861-1865) que dilacerou os EUA com reflexos que chegaram aos nossos dias. Scarlett O'Hara, que resiste às adversidades do destino na vasta propriedade rural de Tara, na Geórgia, simboliza a tenacidade sulista, deslocada num mundo em mudança vertiginosa. Uma das grandes personagens femininas da literatura.

 

MORTE EM HAVANA, de Leonardo Padura (1997). Inesquecível, o Quarteto de Havana integrado por quatro policiais, cada qual ambientado numa das estações do ano - que na Cuba comunista são pequenas variações do mesmo sistema concentracionário, emoldurado por um oceano que em vez de libertar oprime. Mario Conde, polícia que sonhava ser escritor, protagoniza os quatro romances, de que este é o meu eleito.

 

NOSTROMO, de Joseph Conrad (1904). O escritor anglo-polaco era capaz de conciliar a novela de aventuras com a fabulosa criação de atmosferas densas e perturbantes. Aqui numa fictícia república da América do Sul, inaugurando um subgénero que fez furor com títulos como Tirano Banderas (Valle Inclán, 1927), O Senhor Presidente  (Miguel Angel Asturias, 1947) ou O Outono do Patriarca (Gabriel García Márquez, 1975).

 

O BARULHO DAS COISAS AO CAIR, de Juan Gabriel Vásquez (2011). Um dos melhores romances da nova geração sul-americana. O autor, colombiano, presta homenagem ao realismo mágico mais pelas palavras do que pelas ideias numa obra sem concessões ao imaginário pícaro. O livro disseca com desassombro a tragédia do terrorismo ligado ao narcotráfico, que paralisou o Estado e estilhaçou a sociedade.

 

O  INFINITO NUM JUNCO, de Irene Vallejo (2019). Deslumbrante ensaio que se aproxima de um romance sobre o apego à leitura, iniciado antes da invenção do papel. Leva-nos aos grandes pensadores da Grécia antiga, faz-nos conhecer as penas mais talentosas da velha Roma. Caso extraordinário de paixão desmedida pela palavra escrita que a historiadora espanhola transmite com inegável fascínio aos seus leitores.

 

O MONTE DOS VENDAVAIS, de Emily Brontë (1847). Exemplo clássico da ficção gótica, centrada numa mansão onde o rasto dos mortos assombra os vivos. O inferno transposto para o bucólico cenário rural inglês em forma de romantismo exacerbado, tendo no centro a figura do demoníaco Heathcliff na sua demencial obsessão por Catherine, uma das primeiras e mais emblemáticas heroínas da literatura. 

 

OS BUDDENBROOK, de Thomas Mann (1901). A fortuna da família Buddenbrook, argamassada há três gerações no norte da Alemanha, ameaça ruir quando os filhos tomam o lugar dos pais naquele final do século XIX, já com a velha burguesia luterana a dissolver-se enquanto âncora moral da sociedade. Genial romance de juventude que valeu o Nobel ao prosador germânico: nunca voltaria a escrever tão bem.

Os melhores livros do meu ano (1)

Pedro Correia, 03.02.23

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Já vem algo tarde, mas ainda a tempo. O balanço das minhas leituras ao longo de 2022. Após dois anos consecutivos em que consegui ler cem, com a crise pandémica a dar forte contributo por nos ter amputado grande parte da vida social, baixei um pouco neste mais recente, entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro: desta vez foram 88. De várias épocas, de vários estilos, de vários géneros, de autores de diversas nacionalidades.

Como em anos anteriores, dou-vos nota das minhas leituras em 2022. Dividindo-as em três listas de dez títulos, precisamente aqueles de que mais gostei. Não gostei de outros - e houve até uns tantos que detestei. Mas desses falarei noutra ocasião, não nesta.

Hoje menciono apenas obras de autores portugueses. Amanhã, de autores estrangeiros. No terceiro dia, ficará aqui um apontamento sobre as melhores releituras. Sempre dez em cada bloco. Por ordem alfabética, critério que gosto de seguir.

 

Tal como já tinha sucedido em 2020 e 2021, dediquei muito mais tempo à leitura do que ao cinema, contrariando um hábito há muito enraizado. Nos dias que correm, os filmes interessam-me bastante menos. Porque, confesso, já vi grande parte do que gostaria de ver - incluindo a esmagadora maioria dos clássicos da Sétima Arte. E também porque nada me atrai hoje na chamada "indústria cinematográfica", precisamente a que domina os circuitos de exibição e comercialização. 

Ao contrário dos livros. E se algum me decepciona, há sempre um título em alternativa na fila de espera. Para 2023, já revelei quais são as minhas prioridadesGuerra e Paz como leitura de Inverno, Em Busca do Tempo Perdido como leitura de Verão.

Não serão os únicos. Olho a pilha que se avoluma na sala. Contém pelo menos estes: Uma Casa Para Mr. Biswas (V. S. Naipaul), Herzog - Um Homem do Nosso Tempo (Saul Bellow), A Piada Infinita (David Foster Wallace), Na Minha Morte (William Faulkner), O Templo da Aurora (Yukio Mishima), Sagarana (Guimarães Rosa), Os Sonâmbulos (Hermann Broch), Auto-de-Fé (Elias Canetti).

Qual irá seguir-se?

O sortilégio da leitura passa também pela incerteza destas escolhas em rumo errante. É acaso, é destino? De viagem em viagem, todas nos transportam para mundos bem diferentes sem necessidade de darmos um passo. Apetece dizer como Jorge Luis Borges: «Que outros se gabem dos livros que lhes foi dado escrever; eu gabo-me daqueles que me foi dado ler.»

 

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A MESA ESTÁ POSTA, de Jorge Silva Melo (2019). Recolha de crónicas de Jorge Silva Melo, figura magna do teatro e do cinema que morreu há quase um ano. Na sequência do magnífico Século Passado - quase o romance que nunca escreveu. Ainda bem que nos deixou estes livros por legado: preciosos testemunhos de uma época que vai passando.

 

A VOZ DOS DEUSES, de João Aguiar (1984). Quem diria que Viriato seria personagem credível de um romance português numa prosa sem artifícios nem rodriguinhos? Há quase 40 anos, este livro distinguiu-se por uma proeza difícil: teve sucesso junto do público e da crítica. Resiste hoje à mais dura das provas - a do tempo. Falando-nos desta terra que já tinha identidade própria antes de ser Portugal.

 

CALENDÁRIO PRIVADO, de Fernanda Botelho (1958). Escritora discreta por opção própria, a autora de Xerazade e os Outros abordava neste seu segundo romance, de algum modo ainda de aprendizagem, temas quase clandestinos, como o aborto. Numa obra de forte toada psicológica, contrariando as tendências político-sociais então em voga.

 

COM OS HOLANDESES, de J. Rentes de Carvalho (1972). Há longos anos radicado nos Países Baixos, o autor de Ernestina desenrola o fio da memória desde o tempo em que ali desembocou como imprevisto emigrante, sem saber uma palavra do idioma local. No seu estilo empático e desenvolto, fala-nos com humor do país de acolhimento e dos choques culturais que lá sofreu.

 

DE QUASE NADA A QUASE REI, de Pedro Sena-Lino (2020). Minuciosa biografia do Marquês de Pombal (1699-1782) escrita por um poeta apostado em investigar a figura do ministro de D. José que ascendeu a vulto mais influente do reino. Bem documentada, sem as liberdades literárias que Camilo e Agustina dedicaram ao homem que reergueu Lisboa após o terramoto e mandou executar opositores com requintes de crueldade.

 

LIVRO DOS PREFÁCIOS À OBRA DE AGUSTINA BESSA-LUÍS, de vários autores (2022). Reúne os textos que funcionaram de pórtico a diversos livros da notável prosadora. Uma galeria notável de admiradores desfila aqui - de António Barreto a Rui Ramos, de João Bénard da Costa a José Tolentino de Mendonça. A melhor das introduções ao espólio literário de Agustina.

 

LUANDA, LISBOA, PARAÍSO, de Djaimilia Pereira de Almeida (2018). Singular romance, de uma frescura surpreendente e notável domínio da linguagem escrita polvilhada de marcas da oralidade contemporânea num amargo cruzamento de rotas entre Angola e Portugal. Em perfeito contraste com tantas outras obras actuais de onde a vida está ausente. 

 

O CAMINHO FICA LONGE, de Vergílio Ferreira (1943). Aqui o futuro autor de Para Sempre dava os primeiros passos como escritor. Já com destreza oficinal ao revelar-se como romancista. Durante décadas, esta obra sobre o meio estudantil coimbrão de final dos anos 30 permaneceu fora do mercado. Felizmente foi possível relançá-la. Texto juvenil, com virtudes e defeitos próprios de quem começa.

 

OS INSUBMISSOS, de Urbano Tavares Rodrigues (1961). Um dos raros romances portugueses centrados no mundo jornalístico, por experiência directa do autor. Hoje vale mais como documento do que como marco literário: a linguagem é demasiado carregada de adjectivos e muitos diálogos soam a falso. Mas certas cenas merecem destaque. Como a última, com os amigos na praia cantando o hino nacional - a revolta possível naqueles anos de chumbo.

 

O MEU IRMÃO, de Afonso Reis Cabral (2014). Obra-prima da novelística portuguesa contemporânea, justamente galardoada com o Prémio Leya, fala-nos da atribulada mas enternecedora relação entre um jovem universitário e o seu irmão mais velho, deficiente profundo. Com emoção contida, evitando chavões sentimentais e sem nunca escorregar para o melodrama.

Frase nacional de 2022

Pedro Correia, 12.01.23

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«Haver 400 casos de abusos não me parece particularmente elevado.»

Marcelo Rebelo de Sousa, comentando os abusos sexuais na Igreja, 11 de Outubro

(eleita por maioria, pelo DELITO DE OPINIÃO)

 

Também mereceram destaque estas frases:

 

«O Catar não respeita os direitos humanos. Toda a construção dos estádios e tal... mas, enfim, esqueçamos isto.»

Marcelo Rebelo de Sousa, a 17 de Novembro, celebrando a ida da selecção das quinas ao Mundial

 

«"Estás com uma pressa do cara*** para me tirar, fo***

Cristiano Ronaldo, a 2 de Dezembro, quando Fernando Santos o mandou sair de campo no jogo contra a Coreia do Sul

 

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Frase nacional de 2010: «O povo tem de sofrer as crises como o governo as sofre.»

(Almeida Santos)

Frase nacional de 2011: «Estou-me marimbando para os nossos credores.»

(Pedro Nuno Santos)

Frase nacional de 2013: «Com a apresentação do pedido de demissão, que é irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer.»

(Paulo Portas)

Frase nacional de 2014: «Sinto-me mais livre que nunca.»

(José Sócrates)

Frase nacional de 2015: «Temos os cofres cheios.»

(Maria Luís Albuquerque)

Frase nacional de 2016: «Já avisei a famíia que só volto no dia 11 [de Julho] e vou ser recebido em festa.»

(Fernando Santos)

Frase nacional de 2017: «Este ano foi um ano particularmente saboroso para Portugal.»

(António Costa)

Frase nacional de 2020: «Então nós íamos mascarados para o 25 de Abril?»

(Ferro Rodrigues)

Frase nacional de 2021: «Já posso ir ao banco»?

(António Costa)

Facto internacional de 2022

Pedro Correia, 11.01.23

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AGRESSÃO RUSSA À UCRÂNIA

Este foi, por larguíssima maioria (quinze em vinte dos participantes), eleito o Acontecimento internacional de 2022 pelos autores do DELITO DE OPINIÃO: a invasão da Ucrânia pela Rússia, obedecendo à voz de comando do ditador de Moscovo, Vladimir Putin. 

Iniciada na madrugada de 24 de Fevereiro, esta agressão bélica faz lembrar tempos que há muito não víamos no Europa, tendo provocado um número impressionante de vítimas (fala-se em cerca de cem mil, entre baixas militares e civis dos dois lados), a destruição de grande parte do território da Ucrânia e uma onda de refugiados sem precedentes no continente desde a II Guerra Mundial: calcula-se que 15 milhões de pessoas - cerca de um terço da população do país agredido - tenha sido forçada a abandonar os seus lares. Muitos procuraram refúgio noutros países, incluindo Portugal. 

A guerra - que Putin desencadeou pensando que fosse concluída a curto prazo, com a ocupação de Kiev, a deposição das instituições do país invadido e a detenção ou assassínio do Presidente Volodimir Zelenski - tem-se prolongado, tendo os ucranianos já recuperado cerca de 55% do território inicialmente invadido. Cidades como Butcha, Irpin e Mariúpol tornaram-se tristemente famosas em todo o mundo, pelos massacres que os esbirros armados do Kremlin lá cometeram. 

A agressão motivou uma unidade inquebrantável dos países ocidentais no apoio à Ucrânia - financeiro, humanitário e militar. Com Zelenski enaltecido como símbolo da resistência e países até há pouco neutrais, como a Finlândia e a Suécia, envolvidos na estratégia global de defesa face ao imperalismo russo - ao ponto de terem aderido à NATO, algo impensável há um ano.

 

Passo a citar algumas das opiniões emitidas pelos participantes nesta votação:

«A partir de 24 de Fevereiro o mundo mudou de forma abrupta.»

«A guerra na Ucrânia modificou mesmo as nossas vidas; esperemos que não modifique ainda mais.»

«A chocante invasão da Ucrânia pela Rússia, em pleno século XXI, fez soar todos os alarmes. Põe em risco a ordem mundial tal como a conhecemos, tem como alvo as sociedades democráticas liberais, e é afirmação da autocracia feita ruidosamente ao som dos tambores bélicos, a única e verdadeira força de Moscovo. Este conflito tem provocado alinhamentos e realinhamentos geostratégicos. Ironicamente, teve o condão de unir o Ocidente e de alargar a NATO até às fronteiras da Rússia. Quanto mais tempo a guerra durar mais perto estaremos de que se torne global, com consequências imprevisíveis para o planeta.»

 

Como todos os anos acontece, é possível cada um votar em mais do que um tema. Assim, eis dois acontecimentos do ano passado que também mereceram referência nesta eleição: planeta Terra ultrapassou os 8 mil milhões de habitantes (três votos) e revolta popular no Irão (dois votos).

Registaram-se ainda votos isolados na morte da Rainha Isabel II, na inflação como fenómeno global e no desrespeito pela vida no planeta («guerra, alterações climáticas, agravamento do fosso entre muito ricos e muito pobres»).

 

Facto nacional de 2022

Pedro Correia, 09.01.23

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O REGRESSO DA INFLAÇÃO

Duas gerações de portugueses nunca tinham experimentado isto. Todo o ano passado foi vivido sob o espectro da inflação, numa depreciação contínua do valor do dinheiro e consequente aumento dos preços dos bens essenciais. Desde 1993 que não se registavam cifras destas entre nós: o surto inflacionário chegou a atingir dois dígitos (10,1%) em Outubro. No final do ano, cifrava-se em 9,6%. Mas pode voltar a subir neste primeiro trimestre de 2023, segundo alertou o governador do Banco de Portugal. Reflectindo-se de forma bem visível na diminuição do nosso poder de compra.

A política monetária seguida pelos bancos centrais, a pandemia que abalou as tradicionais cadeias de abastecimento e a guerra na Ucrânia, com a consequente crise energética e alimentar, foram causas próximas deste regresso à inflação, que se regista um pouco por todo o mundo e causa muita preocupação entre os portugueses. Ao ponto de este regresso da inflação ter sido eleito o Acontecimento Nacional de 2021, embora por escassa margem, pelos autores do DELITO DE OPINIÃO: sete votos em 20 dos que participaram - podendo sempre ser escolhido mais de um tema, como é tradicional entre nós.

«Esta antiga campanheira da nossa já longa história voltou a dar sinal de si. Poderíamos ter aproveitado a sua hibernação, de três décadas, mas o avanço mais efectivo verificado na sua ausência foi o disparar da dívida do país», assinalou um dos "delituosos", justificando a escolha.

 

Em segundo lugar, com seis votos, ficou o que alguns intitularam desgovernação, havendo também quem lhe chamasse crise política. Em alusão aos sucessivos casos que abalaram o governo maioritário de António Costa, num constante entra-e-sai de membros do Executivo. «Não tenho memória de se ter assistido a tantas demissões num governo que ainda não fez um ano» , observou alguém.

A inesperada maioria absoluta do PS nas legislativas de Janeiro foi outro tema mencionado, recolhendo quatro votos. É outro regresso: neste caso a um cenário político inexistente desde 2009, quando chegou ao fim o primeiro Executivo de José Sócrates. 

Menção ainda (com dois votos) para o caos nos hospitais, também classificado de "derrocada do SNS" - outro assunto que foi acompanhando o quotidiano nacional em 2022.

 

Depois, cinco outros factos, cada qual com um voto. Passo a enunciá-los para ficarem lavrados em acta como sempre sucede, ano após ano, no nosso blogue:

- Escândalo de pedofilia na Igreja Católica «e o subsequente rosário de disparates dos seus representantes, e de um certo chefe de Estado de um estado supostamente laico».

- A continuação ideológica da geringonça por outros meios.

Fim da geringonça e a «oportunidade perdida de dar um novo rumo ao país».

- O crescente impacto das alterações climáticas no litoral e no interior de Portugal.

Fim do uso obrigatório da máscara (muitos de nós já nos tínhamos esquecido disto).

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro

Facto nacional de 2018: incúria do Estado

Facto nacional de 2019: novos partidos no Parlamento

Facto nacional de 2020: o vírus que nos mudou a vida

Facto nacional de 2021: vacinação em massa

Figura internacional de 2022

Pedro Correia, 08.01.23

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VOLODIMIR ZELENSKI

Unanimidade quase total este ano: 19 dos 20 autores do DELITO que participaram na votação elegeram como Figura Internacional do Ano o Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski. Do quase anonimato, tornou-se personalidade com ressonância planetária. Daí a nossa homenagem.

Sem qualquer intenção de sermos originais: já a revista Time tinha feito o mesmo

Foi apenas, no fundo, a confirmação do que havia acontecido ao longo de quase todo o ano, com o protagonista da resistência ucraniana a merecer contínuas referências aqui no blogue. Sobretudo desde que viu o seu país invadido pela força bélica russa, a 24 de Fevereiro. 

 

Na justificação do voto, algumas frases merecem ser destacadas. 

«Um verdadeiro herói, além de uma série de outros atributos, tem de ser um herói improvável. Zelenski cumpre todos esses critérios.»

«Líder improvável, mas um líder. Estóico, agitador de consciências, verdadeiro protector do seu povo. Guardião de um patriotismo ameaçado e alvo de tentativas de aniquilação. A sua liderança foi também capaz de tocar a reunir o Ocidente, congregado em torno da causa ucraniana.»

«Não sei o que é mais admirável nele: o sentido do dever? A intrepidez? A fortitude? A inteligência de se rodear das pessoas certas? A visão política? O patriotismo inspirador? A segurança sem arrogância? A capacidade de acção? A improbabilidade de todas estas virtudes misturadas numa só pessoa?»

Às vezes muito pode ser dito também numa simples frase. Como esta, a justificar igualmente a escolha em Zelenski: «Por ter restaurado o conceito de pátria.»

 

Houve ainda um voto isolado no secretário-geral da ONU. António Guterres, por sinal, também mencionado na votação para Figura Nacional do Ano.

Para o Presidente russo, Vladimir Putin, nada.

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

Figura internacional de 2016: Donald Trump

Figura internacional de 2017: Donald Trump

Figura internacional de 2018: Jair Bolsonaro

Figura internacional de 2019: Boris Johnson

Figura internacional de 2020: Ursula von Der Leyen

Figura internacional de 2021: Joe Biden

Figura nacional de 2022

Pedro Correia, 07.01.23

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ANTÓNIO COSTA

É um regresso a esta galeria anual do DELITO DE OPINIÃO. O primeiro-ministro já tinha passado por cá em 2015, quando chegou ao poder mesmo sem ter vencido as legislativas. Era o início da geringonça que se manteve durante seis anos: o PS a governar com apoio parlamentar simultâneo de comunistas e bloquistas. 

Em 2022 abriu-se outro ciclo: o PS saiu vencedor incontestado da eleição antecipada, convocada pelo Presidente da República para 30 de Janeiro após a dissolução da Assembleia da República devido ao chumbo do Orçamento do Estado.

Todas as sondagens falharam: os socialistas emergiram das urnas com maioria absoluta. Cento e vinte deputados num total de 230. Foi a segunda vez que superaram a barreira dos 115, após José Sócrates em 2005.

Também com maioria absoluta, António Costa foi escolhido pelo DELITO como Figura Nacional do Ano. Recolheu 11 "boletins" de 20 eleitores - mantendo-se a regra aqui vigente desde o inicio: cada um de nós pode votar em mais de uma figura. Uns pela positiva, outros nem tanto. «O anti-reformador. Pela conquista da maioria absoluta e porque essa conquista confirma-o menos como um gestor de políticas e mais como um gestor da política como meio de conservar o poder, pondo o país refém dele», observou um dos membros da tribo "delituosa".

 

O facto é que o chefe do Governo deixou a larga distância todos os restantes. Desde logo Marcelo Rebelo de Sousa (três votos) e Cristiano Ronaldo (dois).

O mais célebre português do planeta justificou rasgados elogios, como este: «Conseguiu ser o jogador de futebol mais bem pago de sempre. Passar a receber 200 milhões por ano depois da sua péssima prestação no Mundial merece destaque absoluto.» E este: «Para uns desceu do pedestal, para outros caiu. E em torno dele adensou-se aquela nuvem roxa de ressentimento, inveja e azedume tão tipicamente portuguesa.»

 

Seguiram-se votos isolados em António Guterres («tem obtido sucessos na agenda climática»), Fernando Medina, o contribuinte português («apesar de todas as dificuldades nacionais e internacionais, está prestes a bater de novo o seu recorde»), as cientistas Rita Acúrcio, Rita Guedes e Helena Florindo («as três investigadoras portuguesas do grupo de quatro que descobriu uma molécula capaz de estimular o sistema imunitário a combater vários tipos de cancro») e ainda, como triste símbolo nacional, a bebé Jessica («morta às mãos de quem deveria tomar conta dela, em representação do enorme falhanço deste estado social, mas também da indiferença da sociedade»).

 

Figura nacional de 2010: José Mourinho

Figura nacional de 2011: Vítor Gaspar

Figura nacional de 2013: Rui Moreira

Figura nacional de 2014: Carlos Alexandre

Figura nacional de 2015: António Costa

Figura nacional de 2016: António Guterres

  Figura nacional de 2017: Marcelo Rebelo de Sousa

Figura nacional de 2018: Joana Marques Vidal

Figura nacional de 2019: D. José Tolentino Mendonça

Figura nacional de 2020: Marta Temido

Figura nacional de 2021: Henrique Gouveia e Melo

Dez meses depois

Pedro Correia, 24.12.22

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Faz hoje dez meses. Nesse dia da infâmia - parafraseando o que Roosevelt chamou ao cobarde ataque nipónico à esquadra norte-americana em Pearl Harbor - o carniceiro russo, digno herdeiro de Estaline, mandou avançar os seus peões, armados até aos queixos, para invadir, anexar e retalhar a Ucrânia. Arrogando-se um direito de pernada próprio de um senhor feudal.

Queria amputar o país vizinho, derrubar as instituições eleitas pelos ucranianos, assassinar o Presidente sufragado pelo voto, ocupar Kiev num par de semanas, transformar o país invadido num Estado-fantoche, idêntico à Bielorrússia. Falhou todos estes objectivos. E fez agigantar Volodimir Zelenski, transformando-o num herói à escala planetária, justamente destacado como figura do ano que agora acaba pela revista Time. O homem que não desertou, não se poupou ao sofrimento em solo ucraniano, não abandonou os compatriotas à sua sorte. 

Enfurecido, o carniceiro mandou matar, mutilar, massacrar. Cidades como Mariúpol e Butcha, arrasadas sem um vestígio de compaixão, ficam como símbolos desta devastadora agressão que viola todas as regras do direito internacional, começando pela Carta da ONU, que teve a Rússia como uma das signatárias originais. Balanço trágico: mais de cem mil mortos e cerca de 15 milhões de desalojados na Ucrânia, além de danos patrimoniais incalculáveis.

Dez meses depois, mantém-se a fúria homicida da besta formada nos sinistros serviços secretos da extinta União Soviética. Com ogivas, mísseis e drones agora dirigidos sempre a alvos civis, na quebra das redes de abastecimento de água, energia e mantimentos. Para condenar o povo ucraniano à morte pela fome, pela sede, pelo frio.

O carniceiro continua a menosprezar o espírito de resistência do povo vizinho, que não se verga ao invasor. Ucranianos de todas as idades e condições sociais, mobilizados pela voz de comando de Zelenski, enfrentam os canhões com exemplar coragem física e moral. Mostrando ao mundo que até podem morrer de pé, mas jamais viverão de joelhos.

A besta não passará.

No país das maravilhas

Pedro Correia, 22.02.22

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Quase um mês depois da eleição para a Assembleia da República, que quase todos os partidos políticos consideravam urgentíssima ao ponto de terem defendido o escrutínio logo para 9 ou 16 de Janeiro, Portugal continua sem parlamento, sem governo - e sem oposição. Porque nem o Ministério da Administração Interna nem os grupos parlamentares alteraram as regras da votação dos emigrantes na legislatura agora finda, dando origem à monumental trapalhada que forçou à intervenção do Tribunal Constitucional. Isto quando a Rússia e a Ucrânia mergulham em estado de guerra, perturbando todo o equilíbrio geopolítico à escala continental, e a OCDE alerta para a mais elevada taxa de inflação global em 25 anos.

Talvez para preencher o imenso vácuo nesta doce pátria, o nosso afável Comandante Supremo mergulha nas salsas ondas e concede entrevistas em calção de banho a repórteres que vão à praia de máscara. Só faltou saber se apanhou conchinhas.

Novo ciclo

Sérgio de Almeida Correia, 31.01.22

img_900x560$2014_04_16_19_42_00_220650.jpg(créditos: Bruno Simão/Negócios)

 

As eleições legislativas de ontem, 30 de Janeiro, assinalam o regresso à estabilidade governativa, o fim do diletantismo parlamentar de alguns sujeitos e, ainda, o regresso à terra do Presidente Marcelo e dos seus sonhos de se tornar imprescindível para qualquer solução de governo.

Se, por um lado, até há duas semanas, a maioria absoluta de um só partido era um cenário tão distante quanto a hipótese de uma solução governativa estável para toda a legislatura, não será hoje menos verdade a confirmação de que em democracia os resultados só surgem mesmo depois de fechadas as urnas. E isso continua a ser bom porque é pelo voto que os cidadãos têm de continuar a manifestar-se, e é a eles que tem de estar reservada a última palavra. não às sondagens. Votem "útil" ou "inútil". Ainda bem.

Neste momento, com a certeza de uma maioria absoluta do PS, aquilo que todos os portugueses temem é uma reedição, ainda que mais benigna, de um socratismo de muito má memória e com feridas ainda abertas dada a ineficiência, e não apenas por falta de meios, do Ministério Público, dos tribunais e do aparelho judiciário para contribuírem para a realização da justiça em tempo útil.

O comedido discurso de vitória de António Costa, traduzido na frase “uma maioria absoluta não é o poder absoluto, não é governar sozinho, é uma responsabilidade acrescida” pode dar alguma esperança aos portugueses e a todos os que votaram no partido vencedor, que são muitos mais do que os militantes e simpatizantes, de que não vamos assistir a partir de agora a um novo ciclo de desvario, despesismo e desresponsabilização.

Ao Presidente da República exige-se que sem deixar de exercer a devida fiscalização sobre a acção do Governo, que também está cometida com redobrada responsabilidade a todos os partidos da oposição, reduza o seu protagonismo, seja mais contido nas suas “aparições” e contribua quer para a estabilidade política e governativa, quer, igualmente, para uma redução do clima de guerrilha de sacristia em que se especializou ao longo dos anos, motivando o necessário apaziguamento social e político. Dentro de quatro anos será aos portugueses que caberá, e não a ele Presidente da República, julgar a acção do futuro Governo, os seus êxitos e insucessos.

Para já vamos aguardar os resultados dos círculos da emigração, enquanto não chegam os nomes para o novo governo. Que se esperam ser outros, sem erros de casting e com a participação de independentes qualificados, não se cingindo à "tralha do aparelho" e a um ou outro apóstolo reciclado. Qualificações, competência, bom senso e uma ética à prova de bala é o que se precisa. Para não se estatelar na rua, nem na lama.

Retrato do país em sete títulos de jornal

Pedro Correia, 28.01.22

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               Expresso, 17 de Setembro                                             i, 16 de Dezembro

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           Público, 17 de Dezembro                                         Público, 18 de Dezembro   

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                     Expresso, 23 de Dezembro

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               Público, 24 de Dezembro

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                 Jornal de Notícias, 19 de Janeiro

Anseios pessoais para 2022

jpt, 03.01.22

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Entre os meus anseios (as falsamente ditas "resoluções) para 22 está o de reduzir a atenção à política, algo sempre produtor de fel (recorrentemente aqui demonstrado, bem como no meu Nenhures). E de ser menos assertivo nos resmungos com os governantes socialistas e seus altos quadros público-privados. Pois fazem o que podem. E quantas vezes com boas medidas. E bons discursos.