Há sempre tempo para ler
A cada fim de um ano, a mesma conclusão: alguns livros que há muito tenciono ler continuam arrumados nas prateleiras. Ou espalhados pelos quatro cantos de qualquer divisão da casa, o que sucede mais do que gostaria. Incluindo os clássicos - com Guerra e Paz e Em Busca do Tempo Perdido à cabeça.
Também no capítulo das releituras - cada vez mais frequentes - os planos costumam ser mais ambiciosos do que a possibilidade de os levar à prática. Ainda não foi em 2018 que consegui reler 1984 e O Processo, dois livros da minha vida. Nem um terceiro, o magnífico Mau Tempo no Canal, que devia ser leitura obrigatória no nosso ensino secundário - obra-prima da literatura portuguesa ignorada pelas gerações mais jovens e pelo nosso próprio mercado editorial. Procuro-a nas livrarias e não a encontro.
Mesmo assim, cheguei ao fim do ano que passou cumprindo nos mínimos o meu plano pessoal de leitura. Lidos ou relidos 60 livros, contabilizando apenas os que li na íntegra, o que perfaz uma média de cinco por mês. Sem batota, como aquele conhecido ex-comentador político que se dizia capaz de aviar dois ou três volumes numa das suas habituais noites de insónia mas talvez mais não fosse do que um bom espreitador de prefácios e badanas. Nem recurso a truques só ao alcance de milionários, como as 500 páginas diárias recomendadas por Warren Buffett, que se diz detentor da assombrosa média de 200 livros despachados por ano - bons para robustecer a mente.
Relembro a lista das minhas leituras de 2018 e destaco as que mais me agradaram. Desde logo alguns romances: Passagem Para a Índia, de E. M. Forster, O Doente Inglês, de Michael Ondaatje, A Amante do Tenente Francês, de John Fowles, Zorba, o Grego, de Nikos Kazantzaki - todos deram lugar a soberbas adaptações cinematográficas, não se tratando aqui de coincidência: havia que municiar a minha série Livros e Filmes. Eis uma das mais notórias vantagens de ter um blogue: estamos sempre a lançar desafios a nós próprios.
Outros romances de que gostei muito foram Corre, Coelho, de John Updike, e Enviado Especial, de Evelyn Waugh. Ao contrário do que sucedeu com A Cor Púrpura, de Alice Walker, Sublime Obsessão, de Lloyd Douglas, e Sangue e Arena, de Blasco Ibañez. Nos volumes de ficção curta, destaco Sonhos de Inverno, de Scott Fitzgerald, Queres Fazer o Favor de te Calares?, de Raymond Carver, e Rio Turvo, de Branquinho da Fonseca. Além da releitura dos Contos de Vergílio Ferreira, mestre da escrita no nosso idioma. E dois clássicos insuperáveis no teatro: Otelo e Hamlet. Shakespeare intemporal.
No ensaio, destaco igualmente as leituras que mais prazer e proveito me proporcionaram: Quem Disser o Contrário é Porque Tem Razão, de Mário de Carvalho, e La Llamada de la Tribu, de Mario Vargas Llosa (este, tanto quanto sei, ainda sem versão portuguesa). Na reportagem, Gomorra, de Roberto Saviano. Na crónica, Lá Fora, de Pedro Mexia, e Literatura y Fantasma, de Javier Marías. E, na história, dois títulos imprescindíveis: Portugal Medievo, de António Borges Coelho, e Dois Países, um Sistema, volume coordenado por Rui Ramos, José Murilo de Carvalho e Isabel Corrêa da Silva.
Deixo para o fim - por se tratar de um dos géneros literários de que mais gosto - os relatos autobiográficos de Elias Canetti (A Língua Resgatada (primeiro volume das suas memórias, que ficaram incompletas) e Karen Blixen (o incomparável África Minha, que também inspirou obra-prima no cinema).
Elaborei, claro, uma lista para 2019. Renovando um hábito de há muitos anos.
Uma lista que inclui, à cabeça, 4321, de Paul Auster, Gente Independente, de Halldór Laxness, Tom Jones, de Henry Fielding, O Fim da Terra, de Jonathan Franzen, Maria da Fonte, de Camilo Castelo Branco, e Índice Médio de Felicidade, de David Machado. Porquê? Porque calha: há sempre uma dimensão muito aleatória na minhas leituras.
E, a propósito, regresso à minha lista do ano passado. Concluindo que não cheguei sequer a abrir em 2018 vários dos livros que pretendia: A Planície em Chamas, A Nave dos Loucos, A Cidade e os Cães, A Ninfa Inconsistente, O Amor de uma Boa Mulher. É assim a nossa vida, é este o circuito das obras que nos vêm parar às mãos, por vezes obedecendo a misteriosas encruzilhadas do destino.
Que para este ano, já no segundo mês, nos vão sobrando horas e dias para novas leituras. Porque jamais é desperdiçado o tempo que passamos a ler.