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Delito de Opinião

20 anos

João Campos, 11.09.21

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A memória é uma coisa tramada.

Diz-se que todos nos lembramos de onde estávamos a 11 de Setembro de 2001. Não serei excepção, claro, apesar de não ter a certeza de toda a memória que tenho daquela tarde ter acontecido exactamente como me lembro, e de haver alguns detalhes que não parecem bater certo (um dia talvez traga aqui a memória incompleta e incerta que tenho da primeira vez que vi The Matrix, sem dúvida o filme da minha vida). Tinha 16 anos. Lembro-me de ter chegado à aldeia, decerto vindo de Odemira apesar de as aulas ainda não terem começado (julgo que começavam sempre um pouco mais tarde em Setembro; não tenho memória do que terei ido fazer à vila, talvez qualquer coisa relacionada com as matrículas, talvez confirmar os horários). Não sei se regressei de autocarro; é provável que não, pois o autocarro não me permitiria chegar pouco antes das 14:00. Decerto terei tido boleia, mas de quem, não faço a mais pequena ideia.

Enfim, como dizia, lembro-me de chegar à aldeia, de a caminhar pela rua principal, e de ter visto várias pessoas de pé no interior do café a olhar fixamente para a televisão. Entrei e no pequeno ecrã vi duas torres, uma delas a arder. Alguém, não me lembro quem, explicou pouco depois que um avião tinha colidido contra a torre, mas não se sabia bem o que tinha acontecido, se teria sido acidente ou não. Mas em poucos minutos todas as dúvidas se dissiparam quando assistimos em directo à colisão de outro avião contra a segunda torre.

Fui para casa almoçar, liguei a televisão do meu quarto e continuei a acompanhar o directo a partir de Nova Iorque com a minha mãe. Lembro-me de vermos aquelas imagens juntos, das torres em chamas, dos relatos de outra colisão contra o Pentágono e de um quarto avião despenhado algures no campo. A minha mãe a dada altura comentou que com um estrago daqueles as torres deviam desabar; disse-lhe que talvez não, que o embate tinha sido bastante alto. Um palpite pouco informado que se desfez em poucos minutos, quando assistimos com horror ao desabamento da primeira torre. A segunda cairia pouco depois.

Até àquele dia nunca tinha prestado grande atenção às Torres Gémeas. Eram dois arranha-céus numa cidade distante e cheia de arranha-céus, e nada mais. Mas a partir dali nunca mais as esqueci. Hoje, ao ver filmes e séries anteriores a 2001, é impossível não reparar naquele par de edifícios, no vazio que a sua destruição deixou. E no simbolismo dessa destruição, que fez despertar imensa gente para a política, como eu despertei naquele dia. As minhas memórias do 11 de Setembro de 2001 podem ser imperfeitas e difusas, mas lembro-me perfeitamente da noção de que alguma coisa tinha acabado de mudar no mundo - e tenho a certeza de que tudo foi diferente a partir daquele momento.

A descida de Dante

Maria Dulce Fernandes, 11.09.21

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O terror.

O terror é palpável nas vozes que se apagam.

Não, não é um filme ou uma qualquer obra de ficção.

Se lá voltar, não volto lá.

Nós, os que entrámos, abandonamos toda a esperança de um dia brilhante, após aquela descida aos infernos. O desespero cola-se-nos na pele como um indelével parasita e a leveza do ser torna-se plúmbea e esmaga-se de encontro aquela amálgama de metal retorcido.

Mas são as vozes, as vozes dos que viveram o calvário que, como mãos geladas, nos espremem o alento. Tanto medo, tanto desespero, tanta aflição, tanta angústia. Nós, os conhecedores da peroração, acabamos por sucumbir perante a inevitabilidade que todos eles desconhecem.

E fugimos.

Não queremos ouvir mais, não queremos sentir mais, não queremos sofrer mais aquele sofrimento alheio que se entranha na alma pela osmose do terror.

Se lá voltar, não volto lá.

O dia mais longo

Pedro Correia, 11.09.21

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Lembro-me perfeitamente. Estava em casa, com a televisão ligada, quando surgiu no ecrã a surpreendente imagem de uma torre do World Trade Center em chamas. Já não consegui desviar os olhos da CNN, lembrando a primeira vez que estive em Nova Iorque, ainda miúdo, em 1974: as Twin Towers, recém-inauguradas, eram então o mais recente cartaz turístico da cidade por terem roubado ao Empire State Building um título de quatro décadas - o edifício mais alto dos EUA e do mundo. Na sua aparente simplicidade arquitectónica, funcionavam como uma proclamação à escala global, numa espécie de alegoria da superioridade do sistema capitalista em plena Guerra Fria. Tornaram-se, deste modo, um símbolo odiado por todos os inimigos dos Estados Unidos.

Assisti em directo ao embate de outro avião contra a segunda torre. E adquiri naquele instante a certeza de que se tratava de um ataque terrorista - o mais inimaginável, brutal e espectacular alguma vez registado. Pela primeira vez desde Pearl Harbor, os norte-americanos viam-se atacados no seu próprio território. Minutos volvidos, quando um terceiro avião caiu sobre o Pentágono, ganhou-se consciência de que o século XXI começava verdadeiramente naquela data inscrita em letras de sangue na História - 11 de Setembro de 2001. E começava da pior maneira, com uma autêntica declaração de guerra do terrorismo islâmico contra Washington que prometia restringir direitos, liberdades e garantias à escala global.

Ainda não sabíamos então que um quarto aparelho, despenhado na Pensilvânia, visava inicialmente o Capitólio ou a própria Casa Branca, tendo os terroristas sido impedidos de concretizar este macabro plano pela valentia de um punhado de passageiros que os enfrentaram desarmados sabendo que nada mais os esperava senão a morte. A quem ainda não viu, recomendo a propósito o filme Voo 93, de Paul Greengrass (2006), que narra este emocionante acontecimento, parcela de um drama mais vasto.

Foi o dia mais comprido de que tenho memória. Um dia que para mim viria a terminar só a meio da madrugada seguinte, após uma maratona de trabalho no Diário de Notícias, integrado numa equipa de dezenas de jornalistas que produziram uma edição especial sobre o 11 de Setembro. A História escrevia-se em directo, frente aos nossos olhos.

Vinte anos depois, as imagens dos edifícios em chamas perseguem-nos. O mundo está mais perigoso, mais crispado, mais inseguro. E menos livre.

Brechas súbitas em previsões a longo prazo

João Pedro Pimenta, 12.09.20

Só há umas semanas vi finalmente AI - Artificial Inteligence, de Spielberg. O filme data do Verão de 2001 e mostra como uma criança-robot pode adquirir emoções e capacidade de amar e sentir afeição pelos outros. É tocante e ao mesmo tempo perturbador, como é sempre que se toca nesta temática.

Mas o filme seria supostamente uma tentativa de antecipar o futuro. A certa altura, e para obter respostas, a criança artificial (Haley Joel Osment, o miúdo-actor daquele tempo) desloca-se pelo ar na companhia de Gigolo Joe (Jude Law no papel de um robot com função correspondente ao nome) até uma cidade abandonada e isolada por causa da subida dos oceanos, nos confins do mundo habitável, que não é outra senão Nova York. Um dos vestígios que restam por sobre as águas são as torres gémeas do World Trade Center. As mesmas que, ironia cruel, ruiriam em pó e chamas semanas depois do lançamento do filme, passaram hoje 19 anos.

Convenhamos que para um filme supostamente premonitório esse desaparecimento tão precoce do futuro imaginado retira alguma credibilidade, embora mais por má fortuna do que por incapacidade de previsão. Mas tornou reais outros medos que já tinham sido sublinhados noutros filmes-catástrofe. Veremos se essa antevisão da inteligência artificial também não resistirá ou se pelo contrário contém algo de premonitório.

 

Este século começou em Setembro

Pedro Correia, 12.09.19

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Estava de folga, espreitei ao fim da manhã a TV - e já não consegui desgrudar os olhos do ecrã.

Mal engoli o almoço, rumei ao jornal como voluntário - à semelhança de muitos colegas que estavam desmobilizados naquele dia.

Passei catorze horas seguidas a trabalhar.

Saí do edifício da Avenida da Liberdade ia alta a madrugada de 12 de Setembro de 2001, quatro edições depois. Sabia que venderíamos largas dezenas de milhar de exemplares do diário no conjunto das bancas do País - breve e derradeiro apogeu da imprensa escrita.

A caminho de casa, afundei-me no banco traseiro de um táxi, esgotado e transido. Com a nítida sensação de aquela ter sido a dramática e definitiva despedida do século XX.

Um novo mundo acabara de ser inaugurado. Demasiado parecido com o pior do mundo velho.

Onde é que estavas no 11 de Setembro?

jpt, 11.09.19

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(Reproduzo um postal que coloquei em Março de 2004.)

Nesse 11 de Setembro tínhamos imensa gente em casa para jantar. O motivo do repasto era a visualização de um documentário sobre Nacala, feito pela Joana Pereira Leite. Lá se jantou, os convivas nervosos, estupefactos. No fim mais ou menos votou-se o vídeo em detrimento da CNN e lá se seguimos para as memórias da Joana. Claro que num dia desses tudo terminou em grande discussão, sobre méritos e deméritos do vídeo, seu sub-texto e etc. Serviu de catarse.

Já noite longa e terminados os contra-argumentos levei alguns dos convidados, os portugueses, ao hotel. Fiquei-me só, bastante acelerado, de tudo o que se tinha visto quase em directo, do jantar meio louco, da discussão que se seguiu, e do cocktail de cervejas, gin, vodka, tinto e whisky que tinha acompanhado o dia.

Não me imaginei na cama e segui à Bagamoyo, meio vazia estava, dia de semana e tão especial. Porta a porta entrei no Luso, onde o balcão pode ser recatado em troca de uma ou outra Reds, ofertada à menina que servirá de biombo. Também a matar a noite por lá estava o André, um italiano meu conhecido e há muito aqui residente. Lá nos juntámos, o assunto era óbvio. O horror, o espectáculo, o futuro. Tudo dito e redito. Até que começou ele com a arenga que os americanos estavam mesmo a pedi-las, tinham que levar com situações destas, tanta a sua arrogância, o imperialismo. E tudo quanto fazem pelo mundo afora.

Tentei interrompê-lo, a puxar-lhe pela manga, até numa concordância que muita violência fazem e patrocinam os EUA. Mas caramba, aquilo tinha sido horrível - "viste aqueles tipos a saltar lá de cima?" - e ele nada, nada mesmo, que era tempo dos americanos sentirem em casa a violência, não tinha pena nenhuma. Bem, que me restava fazer? Concordei com ele. Que tinha razão. Realmente o poder americano é violentíssimo, usa a agressão constantemente e capeia-a. E fui adiantando que ao olhar para trás também saudava todos os italianos mortos durante a II Guerra Mundial. Não é que os sacanas tinham apoiado o Mussolini?

Não percebi bem porquê mas ficou irado, insultou-me. A conversa morreu ali mesmo, e desde então cada vez que me vê - e já lá vão quase três anos - limita-se a um aceno, tão breve quanto possível. Nos dias seguintes fartei-me de ouvir gente a dizer o mesmo que ele. Que tinha sido horrível, é certo. Mas que estava na altura de eles apanharem em casa. E nem todos os que falavam eram italianos. E eu sem saber o que lhes dizer.

O dia em que a nossa vida mudou

Inês Pedrosa, 11.09.17

Cumprem-se agora dez anos sobre o dia em que o mundo mudou. O massacre aéreo de Manhattan obrigou-nos a todos – a começar pelos americanos – a perceber que vivemos num mundo global e que o mal não acontece só aos outros. Não foi o primeiro nem o último massacre da História da Humanidade – mas foi o primeiro que visou uma civilização. Não nos equivoquemos: o ataque às Torres Gémeas não era dirigido contra os americanos, nem contra os judeus, nem sequer contra o capitalismo. A Arábia Saudita é um exemplo rutilante de como o islamismo radical convive santamente com o mais sofisticado capitalismo. Americanos, judeus ou não, tal como os europeus têm em comum a cultura da liberdade, da igualdade e da democracia –  foi essa cultura que a Al Quaeda pretendeu dizimar, com a matança de civis, que aliás repetiu em menor escala em Madrid, a 11 de Março de 2004.

         O 11 de Setembro tornou impossível a neutralidade; as posições ideológicas que, desde o fim do Muro de Berlim, boiavam num caldo morno de «humanismo» indiferenciado, tornaram-se quentes e vibrantemente opostas. O chamado multiculturalismo sofreu vários processos de filtragem e reflexão: serão todas as culturas de facto equivalentes? Haverá valores universais a defender? Onde ficam os limites da tolerância? Desenvolveu-se uma extensa literatura sobre estes temas, que se repartiu entre a condenação dos perpetradores e a condenação dos Estados Unidos – a literatura do «eles estavam a merecê-las», como me disse alguém com quem cortei relações. Não há forma de sustentar uma conversa quando o interlocutor sustenta que determinados «eles» merecem ser assassinados – ainda por cima, quando os «eles» são indiscriminados. Para muitos de nós, Setembro de 2001 significou uma revisão intensa e dolorosa de afinidades electivas.  

Entendi então com nitidez que há princípios básicos que unem e separam as pessoas, para lá das diferentes visões do mundo e simpatias ou filiações partidárias. A raiz desses princípios é o amor – ou esse particular traço do amor a que se chama compaixão, isto é, partilha da paixão alheia.  Emmanuel Lévinas, cuja obra ecoa cintilantemente sobre o silêncio do horror nazi, define a ética como um «acontecimento», um «desfalecimento do ser em humanidade» através do súbito encontro de um rosto. O rosto inesperadamente humano do inimigo com que esbarramos no campo de batalha, por exemplo. Mas esse encontro ético é uma intermitência, um afluxo de sangue cuja surpresa pode ser – e foi-o, no caso do holocausto dos judeus – antecipadamente extirpada. O que se passou no nazismo como no estalinismo foi a total objectivação do outro. O outro tornou-se, simplesmente, coisa. Coisa que estrebucha, ou sangra ou grita, como um autómato à experiência, nunca como ser humano.

      No século XIX, Tocqueville verificava que «cada um só vê o seu semelhante nos membros da sua casta». No século XXI, observamos que a má-consciência leva muitos a encontrar o seu semelhante apenas e só naqueles que o querem aniquilar. Negar a existência de uma guerra é prolongá-la – e, por mais que se pretenda o contrário, ser conivente com uma das partes. O 11 de Setembro mostrou a diferença entre uma cultura que reconhece a dignidade dos seres humanos e outra que não reconhece senão a sua vontade de mando –  e que não reconhece os outros como seus iguais, nem olha a meios para atingir fins. Não são visões equivalentes: uma é pela vida, outra é pela morte. Há coisas que são barbaramente simples.

 

( crónica publicada no semanário Sol a 9/9/2011)

Mais inseguros e menos livres

Pedro Correia, 11.09.17

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Dezasseis anos depois, a tragédia continua.

Pelo menos mil pessoas já morreram por efeitos secundários dos atentados, nomeadamente a inalação de poeiras e cinzas tóxicas. Outras duas mil terão provavelmente idêntico destino num prazo máximo de cinco anos. E só 1641 despojos mortais das 2753 pessoas assassinadas a 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque foram devidamente identificados: cerca de 40% dos cadáveres nunca foram resgatados.

 

Foi um dia concreto, não uma data abstracta. Por isso quantos o vivemos nos lembramos bem onde estávamos e o que sentimos quanto tudo aconteceu.

Falo por mim: nunca mais conseguirei esquecê-lo. As vidas de muitos de nós mudaram naquela terça-feira. Todos recordamos as emoções que nos assaltaram, a profunda angústia ao observar aquelas imagens terríficas, a impotência perante o terror.

Os atentados quase simultâneos nas Torres Gémeas, no Pentágono e no voo 93 que se despenhou na Pensilvânia tiveram o impacto de uma revolução. Algo de nós ficou ali para sempre, fixado nas imagens daqueles condenados sem remissão.

Cada um deles podia ser qualquer de nós.

 

Depois do 11 de Setembro nada voltou a ser como dantes. É uma data que traça uma linha fronteiriça na história universal: o terror inscrito nos mais banais gestos do nosso quotidiano. Com alguns direitos fundamentais a cederem contínuo terreno de então para cá.

Entre a liberdade e a segurança, a esmagadora maioria das pessoas prefere hoje a segurança. Compreende-se, de algum modo: é o instinto de preservação da espécie a funcionar.

Mas ficámos com o pior de dois mundos: nos últimos dezasseis anos tornámo-nos muito mais inseguros e muito menos livres.

Recordar o 9/11

Alexandre Guerra, 11.09.16

Quinze anos depois, estive a reler aquilo que escrevi ao longo dos dois dias que se seguiram aos atentados do 11 de Setembro (uma Terça-feira) e que seria publicado na edição seguinte do SEMANÁRIO, na Sexta-feira (14). Enquanto editor da secção de Internacional daquele jornal, recordo-me perfeitamente que, na altura dos atentados, estava na redacção (naquele edifício cor-de-rosa no Dafundo cheio de história ligada ao jornalismo), o que me permitiu acompanhar todos os desenvolvimentos desde o início. Depois do choque inicial, foi preciso afastar as emoções, perceber o que estava a passar e perspectivar o que iria acontecer. Foram dias de muito trabalho e confusão, mas um privilégio, porque, foram momentos como aqueles que me fizeram desenvolver a paixão que sempre tive pelo jornalismo.   

 

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Primeira página do SEMANÁRIO de 14 de Setembro de 2001

O dia mais longo da minha vida

Pedro Correia, 11.09.16

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Faz hoje quinze anos ocorreu o dia mais longo nas vidas de muitos de nós. Uma data que poderia passar à História como o "dia da infâmia" se essa designação não tivesse sido escolhida por Franklin Roosevelt para reagir ao cobarde bombardamento de Pearl Harbor pela aviação nipónica, em 7 de Dezembro de 1941.

Parecia uma tranquila terça-feira de Verão como qualquer outra em Nova Iorque. Mas aquele 11 de Setembro de 2001 - quando o século XX terminou de vez e este século teve o seu verdadeiro início, afogado em estilhaços e cinzas - assinalava afinal uma fronteira histórica.

Daqui a centenas de anos os herdeiros dos nossos herdeiros evocarão esta data como nós hoje lembramos a queda de Constantinopla (29 de Maio de 1453, outra terça-feira) ou a tomada da Bastilha (14 de Julho de 1789, também numa terça-feira). Uma data que fez vacilar, talvez para sempre, as linhas divisórias que críamos imutáveis entre segurança e liberdade.

 

Naquela trágica manhã, as Torres Gémeas do World Trade Center - símbolos do orgulhoso poderio financeiro norte-americano que pareciam desafiar o céu com a sua aura de fortalezas inexpugnáveis - desmoronaram-se como pedras de dominó. E pressentimos logo ali que um pedaço da nossa existência mudaria para sempre. A era global tornava-se também na era do terror sem fronteiras nem barreiras, à mercê dos caprichos homicidas de uma guerra insidiosa que passou a ter por palco os mais inesperados e banais pontos do quotidiano de qualquer de nós. Uma estação ferroviária, um bar, um autocarro, um hotel, uma praia, uma avenida, um templo, um pátio de escola.

O casamento do mais impiedoso fanatismo ideológico com a tecnologia de vanguarda consumava-se ali, naquelas torres em chamas - prelúdio de muitos outros incêndios que devastariam tantos países na década e meia subsequente. Com múltiplos pontos negros em cidades mártires: Londres, Madrid, Paris, Istambul, Bombaim, Bagdade, Moscovo, Haifa, Jerusalém, Ancara, Beirute, Riade, Cabul, Grozni, Bruxelas, Tunes, Mombaça, Davao, Casablanca, Carachi, Charm el-Cheik, Amã, Mossul, Islamabade. E nas ilhas de Bali, Djerba e Mindanau. E na Península do Sinai. E no Quénia. E na Nigéria.

 

Estava em casa à hora do almoço e assisti a tudo na televisão, como aconteceu a tantos de nós. Logo acorri ao jornal, iintegrando-me numa das equipas de trabalho que se mantiveram em laboração contínua, produzindo sucessivas edições. Surgiria nas bancas um jornal diferente, praticamente sem outro tema: naquele dia, na redacção do Diário de Notícias, estávamos convictos de que não escrevíamos só para o leitor da manhã seguinte. Estávamos também a dar um contributo para o rascunho da História.

E sabíamos de algum modo que tudo seria diferente a partir daí.

 

Cerca das três da madrugada de 12 de Setembro, quando abandonei enfim as instalações do jornal e cruzei em ritmo fatigado as ruas circundantes, entretanto despovoadas, percorreu-me uma sensação de estranheza: havia calor mas senti frio. As imagens das vítimas indefesas de Nova Iorque, com os seus apelos lancinantes e as suas preces desesperadas, não me saíam da cabeça.

Ainda cá estão quinze anos depois.

O brainstorm.

Luís M. Jorge, 11.09.11

 

Hoje conhecemos bem as circunstâncias em que foi codificada a Solução Final na Conferência de Wannsee. A reconstituição do planeamento do 11 de Setembro, a cargo Khalid Sheikh Mohammed, não seria menos interessante. Impressiona o contraste entre a singeleza da ideia e a complexidade da execução.

 

A imagem é do grande James Nachtway. Comparem com o que fez por exemplo Steve McCurry a uma distância segura.  Fotógrafo de guerra é outra loiça.

11/9

Patrícia Reis, 11.09.11

 

Há dez anos o terror mudou de significado. A Egoísta fez um tributo a NY e recebeu uma série de prémios. Numa das páginas, o meu filho mais velho, então com cinco anos, substituiu o texto do MEC que nunca chegou. As perguntas eram:

Mãe, sabes que a América foi atacada?

Mãe, não é a América que ataca sempre?

Mãe, ainda há pessoas na América?

 

Dez anos se passaram. Hoje, o meu filho, já não mora aqui e continua a fazer perguntas.