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Delito de Opinião

Em Portugal, ao primeiro dia do mês de Maio

Zélia Parreira, 01.05.21

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Portugal descobriu, esta semana, os trabalhadores ilegais. Camaratas com dezenas de pessoas, sem condições mínimas de higiene, sem distanciamento social, alimentação inenarrável, horários de trabalho esticados até ao limite da resistência física. Indigno, desumano, cruel.

É irónico que este assunto seja discutido quando se assinala mais um Dia do Trabalhador, essa “festa” da “esquerdalha”, que os críticos do sofá afirmam servir apenas para passeios, piqueniques e compras, com a desculpa das manifestações. Esse dia anacrónico, fossilizado, de uma luta que, dizem, já não se justifica e que é só uma desculpa para não trabalhar.

Mas não é, pois não? Se dúvidas havia, os trabalhadores ilegais do sudoeste alentejano aí estão, evidentes, impossíveis de ignorar, a demonstrar que há ainda tanto por fazer, tanto por que lutar.

A crueldade maior – e a hipocrisia de tudo isto – é que se não fosse a Covid, permaneceriam “arrumados” nas suas camaratas, invisíveis de segunda a sábado, fugazes na carrinha que os leva a fazer as compras ao domingo e os traz de volta ao alojamento. Em Odemira, no cultivo dos frutos vermelhos, mas também nas estufas entre Pegões e o Montijo, ou no Alentejo interior, no tempo da azeitona. Fazem o que os portugueses não querem fazer. Ou melhor, corrijo: fazem o que os portugueses fariam, se recebessem salários compatíveis com a dureza do trabalho, em horários decentes e com condições de alojamento minimamente dignas.

A Covid, que não distingue ricos e pobres, trouxe-os para a ribalta, exibiu-os aos olhos de todos. Eis a podridão do sistema. Eis o que todos sabiam, mas sobre o qual nunca falavam. Eis o que se permitiu que acontecesse, com a conivência do silêncio, dos suspiros ligeiros para o lado, enquanto se murmura “coitados!”.

Este “coitados” não são mais do que os portugueses que nas décadas de 60, 70 e 80 limparam prédios e escritórios, trabalharam na construção civil e nas fábricas de França, Suíça ou Alemanha. Mas a esses, aos nossos, não os víamos, estavam longe dos olhos. Só lhes conhecemos os carros, os modos estrangeirados e o português transfigurado, com os quais rapidamente fizemos piadas de mau gosto.

A estes, aos que nos produzem os frutos que saboreamos, não os podemos ignorar. Estão aqui e são um problema que se alimentou de um silêncio insuportável. Do nosso silêncio insuportável.

 

(imagem retirada daqui.)

"La Pasionaria" da Alameda

Pedro Correia, 07.07.20

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A nova secretária-geral da CGTP diz-se "representante dos trabalhadores" sem fazer a menor ideia, por experiência própria, do que é o trabalho em Portugal.

Chegou aos 60 anos sem nunca ter conhecido a amarga experiência do desemprego, sem jamais lhe faltar o salário ao fim do mês, ignorando o que é trabalhar sem auferir dois subsídios - o de férias e o de Natal - ano após ano, sem falhar um.

Isabel Camarinha exerce há quatro décadas como funcionária da própria central sindical. Apregoa o exercício permanente do direito à greve sem ela própria jamais ter feito greve: a sua entidade patronal não lhe perdoaria tal atrevimento.

Eis o exemplo supremo da endogamia reinante na CGTP, estrutura cada vez mais encerrada na própria bolha e divorciada do país real.

 

Não admira que os seus dirigentes cometam grosseiros erros de perspectiva e análise da sociedade, que está muito longe de ser como imaginam. Daí as críticas duríssimas e generalizadas que receberam, de quase todos os sectores, por terem levado "avante" aquela grotesca coreografia do 1.º de Maio na Alameda que até incluiu gente arrebanhada em autocarros, como no tempo da velha senhora, chocante excepção à regra em pleno estado de emergência.

A 8 de Maio, por macabra coincidência, Portugal registou o pior dia em estatísticas relativas ao Covid-19 desde o início da crise pandémica: 533 infectados, além de nove vítimas mortais. E desde então não pararam de aumentar os preocupantes focos de infecção na região de Lisboa e Vale do Tejo.

 

São factos e números com custos reputacionais incalculáveis para a central sindical, que ficará irremediavelmente ligada, na perspectiva do cidadão comum, à progressão da pandemia na Grande Lisboa.

Se Camarinha tivesse noção do que é o mundo do trabalho, fora da bolha onde sempre viveu, jamais teria cometido esse erro lapidar de se estrear num "banho de massas" durante o estado de emergência. Imaginando-se porventura como La Pasionaria da Alameda, quando afinal é apenas o que sempre foi: uma obediente e diligente funcionária comunista há quatro décadas em "comissão de serviço" na CGTP.

Falar menos e proceder melhor

Pedro Correia, 02.06.20

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O Presidente da República, na linha do que fizera dias antes a directora-geral da Saúde, lembrou-se este domingo, à entrada para a missa na Sé de Lisboa, de dar um ralhete aos jovens.

«Não faz sentido que os jovens estejam a organizar festas com centenas de pessoas e muito próximas, e sem a preocupação de distanciamento. As normas sanitárias devem valer para todos», declarou Marcelo, num esporádico regresso à sua anterior condição de professor. 

 

Creio que este ralhete presidencial chega um pouco tarde.

Devia ter-se ouvido um mês antes, e com outros destinatários, que funcionaram como péssimo exemplo para os jovens. Refiro-me aos dirigentes da CGTP, que - num claro incumprimento das normas sanitárias e do próprio estado de emergência então em vigor, que interditava a circulação interconcelhia - juntaram cerca de mil pessoas na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, num verdadeiro comício. Mobilizando para o efeito sindicalistas de concelhos limítrofes - incluindo Loures, Amadora e Seixal, que se encontram entre as áreas agora mais fustigadas pela progressão do Covid-19.

As fotografias na altura publicadas, também aqui, não deixaram lugar a dúvidas: foi um acto de inadmissível irresponsabilidade da central sindical. À qual o Presidente e a directora-geral da Saúde assistiram num respeitoso e resignado silêncio.

Esse mesmo mês de Maio chegou ao fim com números preocupantes: centenas de novas infecções diárias; a maioria dos novos casos ocorre na densa periferia de Lisboa, entre pessoas cujas idades oscilam entre os 20 e os 29 anos; e registamos pela primeira vez mais óbitos do que Espanha.

 

Agora, enquanto sustenta (e bem) que não faz sentido algum os jovens andarem por aí a organizar festas em tempo de pandemia, o Chefe do Estado mantém uma posição dúbia e timorata sobre a Festa do Avante!, que continua marcada para um dos epicentros do contágio - o concelho do Seixal.

Concedendo assim ao PCP o mesmo estatuto de inaceitável privilégio que já havia concedido à CGTP no decreto presidencial. Isto quando o PSD e o Bloco de Esquerda, responsavelmente, já cancelaram eventos similares. Isto quando o próprio partido do Governo tomou a iniciativa de adiar o congresso nacional e o processo de eleição do secretário-geral.

 

Marcelo, que muito antes de ser Presidente já era um académico de mérito reconhecido, é o primeiro a saber que a melhor pedagogia não se faz pela palavra, mas pelo exemplo. 

Menos falatório e melhores exemplos: só assim os jovens levarão a sério as gerações dos seus pais e seus avós.

Tapetes e cascas de banana

Pedro Correia, 05.05.20

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1

O reitor do Santuário de Fátima acaba de dar uma lição de exemplar civismo à CGTP, que - com o suave beneplácito do Governo e do Presidente da República - juntou no primeiro dia do mês centenas de pessoas na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, transportando muitas delas em autocarros a partir de outros concelhos. Num momento em que eram proibidos os ajuntamentos públicos, a circulação interconcelhia era expressamente interditada e o País permanecia sob estado de emergência pela primeira vez na sua história constitucional. Uma escandalosa e vergonhosa excepção ao dever geral de recolhimento domiciliário imposto pelas supremas autoridades do Estado. Como se houvesse regras que se aplicassem apenas à central sindical de maioria comunista e outras destinadas aos restantes cidadãos.

Fez bem a Igreja Católica, pela voz do reitor Carlos Cabecinhas, em reiterar a decisão assumida anteriormente de organizar as celebrações do 13 de Maio este ano sem a presença de peregrinos. As instituições têm de adaptar-se aos contextos - e não são estes que devem moldar-se a elas, nestes dias de pandemia. Se até os Jogos Olímpicos - expressão máxima de convivência e fraternidade a nível mundial - foram anulados este ano, algo que só tinha acontecido durante as guerras mundiais, a "nova normalidade" de que tanto se fala (eufemismo para evitar a palavra anormalidade) deve seguir este padrão. Só a CGTP, na sua cega e obstinada intransigência, parece não ter percebido.

 

2

Mas a confirmação de que não haverá peregrinos católicos neste 13 de Maio é também uma resposta firme à titubeante ministra da Saúde, que contradizendo o que o Governo dissera antes - e o que a Igreja Católica já deixara claro - meteu os pés pelas mãos na mais recente entrevista à SIC, ao ser confrontada com o precedente estabelecido para a CGTP.

«Se essa for a opção de quem organiza as celebrações, de organizar uma celebração do 13 de Maio onde possam estar várias pessoas, desde que sejam respeitadas as regras sanitárias, isso é uma possibilidade», declarou Marta Temido. Estabelecendo tal confusão que, certamente por imposição do primeiro-ministro, se viu forçada a fazer no dia seguinte a hermenêutica das suas próprias declarações, estabelecendo «uma diferença entre peregrinos e celebrantes». Como se estivesse a falar para meninos muito pequeninos ou para gente com manifestas dificuldades cognitivas.

 

3

Se era uma casca de banana, para a pôr no mesmo patamar de irresponsabilidade da central sindical, a Igreja teve sabedoria suficiente para não escorregar nela. O que só pode justificar elogio nestes dias em que a calamidade sucede à emergência. Numa altura em que até o Presidente da República faz questão em demarcar-se da forma como a central pró-comunista assinalou o 1.º de Maio.

«A minha ideia era mais simbólica e restritiva», declarou ontem Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas. Como se não soubesse que aquele chocante ajuntamento da Alameda foi propiciado pelo artigo 5.º, alínea t, do decreto de execução do estado de emergência, que ele próprio assinou. «Participação em actividades relativas às celebrações oficiais do Dia do Trabalhador, mediante a observação das recomendações das autoridades de saúde, designadamente em matéria de distanciamento social», era uma das excepções previstas ao dever geral de recolhimento.

Que a CGTP tenha transformado o genérico e vago substantivo "actividades" num comício, parece ter sido novidade absoluta para o nosso supremo magistrado, que se mantém fiel ao seu estilo muito peculiar de comunicar. Neste teatro de sombras da política, enquanto uns estendem cascas de banana, outros vão tirando o tapete. O coronavírus lá vai servindo de desculpa para tudo.

 

Leitura complementar:

O que o Presidente não deve fazer: sacudir a água do capote. De Vital Moreira, na Causa Nossa.

Um novo erro não apaga um erro anterior

Rui Rocha, 02.05.20

Sejamos claros. Mantendo-se as circunstâncias, foi tão vergonhosa a comemoração do 1º de Maio em Estado de Emergência como será uma celebração de 13 de Maio em Fátima em termos semelhantes (autocarros, ajuntamentos, etc.) durante a Calamidade. Permitir a uns o que não se admite a outros está sempre errado. O que a CGTP não provou (e a ICAR também não conseguiria demonstrar para o 13 de Maio do ponto de vista de fé que professa) é que uma celebração dentro do quadro do EE prejudicaria de forma irrecuperável direitos que representa. Sem essa demonstração, o 1 de Maio foi uma excepção injustificável e um exercício arrogante de falta de solidariedade. Um erro grave não se apaga com outro. Neste caso, como (quase) sempre, a lei das compensações só aprofunda a dimensão dos erros, não os repara.

Os inimputáveis

Pedro Correia, 02.05.20

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Ridicularizando o "estado de emergência" que só deixa de vigorar a partir da meia-noite de hoje, a CGTP afrontou ontem a legalidade democrática e as severas normas sanitárias em vigor ao organizar um comício na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, com a participação de cerca de um milhar de pessoas, para assinalar o 1.º de Maio.

Isto numa altura em que são expressamente proibidos os ajuntamentos com mais de cinco pessoas. Isto numa altura em que foi suspensa a liberdade de culto, estando os membros das confissões religiosas impedidos de se deslocarem aos respectivos templos. Isto numa altura em que os espectáculos de índole cultural ou desportiva permanecem interditados. Isto numa altura em que subsistem fortes restrições à participação em funerais, impedindo-se familiares e amigos de se despedirem de entes queridos entretanto falecidos. Isto quando foram canceladas as peregrinações do 13 de Maio em Fátima.

 

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A CGTP não se limitou a mobilizar militantes, em claro desafio ao Estado de Direito. Fez deslocar muitos deles em autocarros fretados para o efeito, vários dos quais oriundos de outros municípios, quando o Governo anunciara a proibição expressa de circulação interconcelhia neste fim de semana alargado salvo em casos de absoluta necessidade, e milhares de efectivos policiais patrulham estradas zelando pelo cumprimento destas normas. Numa altura em que se contam já por centenas as detenções por alegado "crime de desobediência" que determinam o pagamento de duras sanções pecuniárias.

Comportando-se como uma espécie de estado dentro do Estado, a CGTP assume-se como aquilo que diz combater: como uma força detentora de privilégios, que manda às urtigas o dever geral de confinamento imposto à generalidade dos cidadãos e menospreza o direito à igualdade que lhe serve de bandeira. Como noutros tempos e noutros locais, confirma-se que também aqui há uns mais iguais que outros. 

 

Estes membros da elite sindical agem como inimputáveis perante o silêncio cúmplice, conformista e resignado das mais elevadas patentes deste Estado que dentro de poucas horas nos fará transitar da emergência para a calamidade. Ridicularizam a ministra da Saúde, que ontem mesmo proferiu estas palavras graves: «Não se espera que os portugueses saiam à rua na segunda-feira como se não estivéssemos debaixo de uma situação epidémica que temos de continuar a manter contida.» E ignoram olimpicamente o comandante das operações da GNR, que também ontem comunicava ao País: «As regras têm, mais que nunca, que ser cumpridas por nós.»

Depois querem que levemos toda esta gente a sério. Mas como?

O passarinho de Maduro

José Meireles Graça, 01.05.20

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Há muito que o 1º de Maio é a festa da CGTP e dos comunistas: são eles que organizam, são sobretudo eles que discursam, e eles que abrilhantam, com o chapéu de sindicalistas, a efeméride, vindos de camioneta da província e dos arredores para Lisboa e Porto.

Se o dia for de sol juntam-se à festa mirones e compagnons de route de vária pinta. É como na festa do Avante!: vai lá muita gente fortalecer as forças progressistas que, se os donos do empreendimento estivessem em vias de tomar o poder, se juntava à reacção.

Este ano foi diferente, como se mostra nas fotografias acima. E como aqueles soldados da revolução não são, pela maior parte, daquelas cidades, importaria saber como diabo atravessaram as barreiras que impedem medievalmente as pessoas comuns de se deslocarem entre concelhos. Com credenciais da CGTP, segundo li, informação que não pude confirmar porque a comunicação social destes detalhes logísticos não tem tempo de se inteirar. Duvido que a GNR e a PSP, porém, se alguém quisesse ir rezar a Fátima pela salvação de um parente aflito, se deixasse amolecer por um papel do cura da freguesia, ou até mesmo do senhor cardeal Patriarca.

Que bonito espectáculo, ouço dizer. Peço licença para não me deixar comover e pelo contrário oferecer a minha interpretação:

Estas imagens são um símbolo do preço que o PCP cobra para apoiar o governo burguês do PS, e dizem isto: estamos cá, somos disciplinados e organizados, temos mais poder que a Igreja e qualquer outra instituição, e a interpretação autêntica da Constituição e das leis é a que fazemos e não qualquer outra.

Portanto, socialistas católicos, tenho notícias para vós: andais, como Maduro, a reboque de um passarinho que vos traz instruções de falecidos, e para a Nossa Senhora de Fátima estai-vos a borrifar. Mas eu, que nem católico sou, e que duvido que ali jamais tenha havido qualquer milagre, não estou.

Sobre as celebrações do 25 de Abril e do 1º de Maio

jpt, 19.04.20

Isto das "celebrações" mostra bem o espírito de casta, fermentado na cultura maçónica e da sua estreita abordagem ao simbólico, da gente que gere o país. Acima do povo. Não vale a pena bradar sobre o fraco que é Ferro Rodrigues, pois apenas corresponde ao que há. Ou sobre a superficialidade do PR, também correspondente ao que o povo vota(ou?). Mesmo com o que João Soares disse - ainda que também ele maçónico, note-se -, mostrando senso político, talvez herdado, continuam as patetas proclamações. Imensos clamam que estando a AR a funcionar nada obsta a uma cerimónia com pompa, como se o assunto seja o do horário de uma repartição. E vão convictos nisso, como se defendessem "Abril".

A questão é de como as pessoas recebem isto no seu íntimo. Luis Naves, nosso co-bloguista aqui no Delito de Opinião, perdeu o pai (os meus pêsames). Narra que o funeral apenas teve 11 pessoas, "uma a mais do que o permitido". Na última semana três pessoas que me são próximas vivem situações semelhantes (um funeral paterno, duas impossibilitadas de acompanhar pais nonagenários, muito doentes, sem Covid). São coisas diferentes? São, mas o relevante é o impacto na população, as formas como a acção política é lida e sentida. Quando pessoas que há décadas vivem na e da política não o compreendem isso é sinal da degenerescência do regime. E do quão obtusos são muitos dos cidadãos que, por estreita militância de sofá, sentem que apoiar é tudo aceitar.

João Gonçalves escreveu ontem um postal no FB sobre o facto da rainha de Inglaterra ter, pela primeira vez, suspendido as celebrações públicas do seu aniversário (que têm, no seu simbolismo, uma dimensão política). Veja-se o inusitado eco desse postal, muito significante. Entretanto Putin cancelou as celebrações da vitória na II Guerra Mundial, as quais têm uma dimensão extrema de exaltação nacionalista e de afirmação deste presidente. Ao invés, por cá temos o "poeta de combate" Manuel Alegre a sair à liça, em retórica falsária, a defender "Abril" - quando o que se pede, e ele aldraba na contestação, é uma frugalidade simbólica, uma densidade política.

E tudo se fará para festejar com pompa, ao invés do que mandaria a prudência sanitária (pelos efeitos no comportamento das pessoas, não pela higiene da cerimónia) e a comunhão política (idem). Também para que se possa dar realce simbólico e político a um homem tão básico como Vasco Lourenço. Esse que, exaltado com a proximidade de "Abril" onde terá o seu momento anual de consagração, acaba de apelar ao golpe militar no Brasil. E ao qual os seus correligionários maçónicos tanto abraçarão entre pompas e cerimónias, "para brasileiro ver".

Claro que ao dizer isto convoco que as rasteiras invectivas, os urros de "bolsonarista", "fascista". Exactamente daqueles que andam aí a defender "Abril" deste modo. Para um ou outro escasso imbecil que ainda apoie esta arrogante medida mas que ainda tenha no seu recôndito âmago uma escassa centelha de inteligência (é uma hipótese meramente académica) deixo o trailer deste fraco filme, sobre os dias subsequentes à morte da princesa Diana. O qual valerá apenas por Helen Mirren. Mas há um detalhe que me tem vindo à memória nestes dias em que se discute o simbólico das celebrações ("quer-se dizer", há imensos imbecis que nem percebem o que é "simbólico" mas que para aí andam a falar como "doutores"). Resumo-o:

Diana morreu, comoção generalizada, e crise pois o povo reclama do que considera ser falta de apreço real pela princesa. A quebra de popularidade da Coroa virá a ser enorme, e levará década a sarar. Nos dias prévios ao funeral Blair, muito popular, tenta remediar a situação.

Ora um dos factos que indigna a população, em luto pela "princesa do povo" como lhe chamou Blair, concentrada diante do palácio e das tvs, foi que a bandeira no palácio não fora colocada a meia-haste, como se deveria fazer em sinal de luto. Correu que era o sinal do menosprezo real pela princesa. E estupefacção da rainha quando Blair lhe pede para mandar colocar a meia-haste a bandeira. Pois aquela, no seu simbolismo peculiar, é o pavilhão real, apenas içado para significar a presença da rainha. Tem um significado diferente da bandeira nacional, essa sim passível de ser colocada a meia-haste. Mas as pessoas não conheciam esse detalhe, hoje em dia esquecido. E atribuíam outro significado - político -, julgando-o uma afronta.

É um filminho, não é preciso ser cinéfilo para o ver ou conhecer. João Soares viu-o. O pai dele sabia da poda. Esta gente de agora, aprisionados na sua mentalidade de casta, na jactância, nada percebem. São os coveiros de "Abril". Com a voz cava e vácua de Alegre, e a patetice grosseira de Lourenço e Rodrigues. E dos seus sequazes.

Manifestação do 1º de Maio

jpt, 18.04.20

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É uma questão de racionalidade, só. Manifestações do 1º de Maio são desrespeito por quem está confinado. É também uma indução para que todos saiamos de casa o mais depressa que nos apetecer (já hoje de manhã). E acima de tudo, "caramba", é um perigo. É um perigo naquele dia - por mais que invoquem as loas das "regras de segurança".. E é um perigo porque dá sinal para nos juntemos em massa a partir daí. Os tipos do regime perderam a cabeça - e não percebo como não encontro gente da dita "esquerda" a dizer esta coisa simples: não é o momento para manifestações. Nem sanitário, nem político. Esta ligeireza, esta cabotagem, é demencial. Vivemos a maior crise da nossa vida e esta gente dá esta pontapé no próprio regime? Urge reencontrar algum tino:

Marcelo não o tem, ocupado no "gozo fininho" de flanar, na patética homoerotização do poder. A Costa terá acontecido algo, exaustão talvez, para se meter nisto (e aquela ministra Vieira da Silva, dizendo que a proibição de presença nos funerais é "por acontecimentos que aconteceram no mundo" e que é diferente de permitir manifestações porque foi uma decisão anterior, ultrapassa tudo o que se tenha visto em governos). Rio é o que é, em volta de si mesmo - o que poderia ser bom, caso fosse pintor ou músico, mas o homem é político. A IL é muito pequena e o CDS, enfim, é uma memória, e agora uma irrelevância júnior e inculta. E o BE é óbvio que adere a um COVID Parade, para celebrar a vitória sobre o vírus com as gentes festivas.

Resta o PCP. Goste-se ou não sempre teve uma racionalidade. Dizem-no monolítico e repetitivo muito porque tem a sua racionalidade e as suas razões. E o 1º de Maio é palco da CGTP. Quer o quê, fazer uma "jornada de luta" na exacta conclusão do confinamento, a este afirmar/celebrar como feito "dos trabalhadores"? Ok (de facto até concordo com essa versão). Mas faça-o de outra forma. É o PCP que deveria ser o primeiro a dizer "não é o momento". A data é importante? Os símbolos são importantes? Sim. Mas são-no pelo que significam, não como bonecos do menino jesus ou santinhos de loiça. Proponham a troca de data. E mostrem a "nave de loucos" em que estes tipos se tornaram. Ou então vão, também, na onda. Troquem uma manifestação por esta "parade". Sejam como os outros, descabidos e irrelevantes.

Construção de Chico Buarque

Patrícia Reis, 01.05.15

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair
Deus lhe pague

Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague

https://youtu.be/P7mHf-UCZp0

1º de Maio

Rui Rocha, 01.05.13

 

A tragédia do Bangladesh não nos deveria deixar indiferentes. Desde logo, pelas mais de 400 pessoas que morreram em condições absolutamente inaceitáveis e pelas suas famílias. E isso é, evidentemente, o aspecto mais dramático da situação. Mas, também, porque esse acontecimento representa a ponta do icebergue de um desastre de repercussões mais vastas. As centenas de milhares de desempregados portugueses e de milhões de desempregados em toda a europa são, em parte, vítimas das condições de trabalho desumanas praticadas no Bangladesh e noutras paragens. A globalização selvagem a que assistimos tem um pé apoiado na exploração da miséria no mundo em desenvolvimento e outro no desemprego assustador que se vive em várias zonas do mundo dito desenvolvido. A imagem deste 1º de Maio não pode ser outra que a de um edifício que desabou sobre 400 trabalhadores a milhares de quilómetros daqui. E a resposta não pode ser a que Matt Yglesias subscreve neste post miserável. Nem a cumplicidade das multinacionais ocidentais que condenam as condições de trabalho desumanas apenas e quando estas são praticadas pela concorrência do oriente mas que as incentivam ou admitem quando estas são postas ao serviço dos seus interesses. A resposta está na afirmação de que há valores mínimos de dignidade que são válidos em qualquer parte do mundo e para todas as pessoas. Foi também essa a mensagem de hoje do Papa Francisco. Qualquer outra posição mais não é do que a admissão da escravatura.

Sortido rico do Pingo Doce

Rui Rocha, 03.05.12

Diz que foi uma Mixórdia:

 

 
Mas que, em geral, o povo ficou feliz:
  
 
Houve muitos comentadores que se indignaram, mas nem todos o fizeram com despeito:
 
 
E outros lembraram, com alguma pertinência, que na Coreia do Norte o 1º de Maio não se celebra no Pingo Doce:
 

Zombies!

João Campos, 02.05.12

Este post do Sérgio Lavos no Arrastão deixou-me muito triste. Não por aquilo que ele lá diz - se fôssemos levar a sério a todos os disparates que se dizem na blogosfera não fazíamos mais nada da vida - mas por aquilo que me traz à memória. Ora o Sérgio fala dos zombies que, segundo ele, ontem dispensaram a "luta" e correram a uma cadeia de supermercados para aproveitar uma super promoção e, enfim, animar um pouco mais um 1 de Maio particularmente cinzento. Mas o discurso dos zombies do Sérgio, a mim, fez-me pensar não em mercearias mas numa das três melhores séries televisivas dos últimos tempos*, cuja segunda temporada acabou há poucas semanas: The Walking Dead. Que é, basicamente, uma série sobre zombies. Ou melhor: sobre meia-dúzia de personagens que tenta sobreviver num mundo infestado de zombies, com relativo sucesso ainda que a dimensão do grupo seja sempre inconstante. Se ainda não viram, fica a sugestão.

 

 

Acontece que a série é a adaptação televisiva de uma banda desenhada muito boa, também intitulada The Walking Dead, que para não fugir à regra consegue ser ainda melhor que a versão do pequeno ecrã (apesar de esta ter alguns momentos mais bem executados). Esta banda desenhada, escrita por Robert Kirkman, e ilustrada por Tony Moore e Charlie Adlard, já conta com 15 volumes em trade paperback, contendo cada volume seis issues. Comecei no Natal a coleccionar The Walking Dead, e vou já no terceiro volume, recentemente adquirido online (a metade do preço a que se vende por cá). É uma delícia. Claro que também a recomendo - e para quem não gostar de ler em inglês, até há uma tradução portuguesa.

 

Ora o post do Sérgio Lavos deixou-me triste precisamente por causa de The Walking Dead - tanto a série televisiva como a banda desenhada. A terceira e muito promissora temporada só regressa lá para o Outono, por alturas do Halloween; e, de momento, não me dá muito jeito comprar o quarto volume dos trade paperbacks para continuar a seguir esta excelente história com zombies, e a curiosidade é muita, até porque o terceiro álbum acabou com um cliffhanging brutal. Dito de outra forma: tenho muito que esperar. Logo agora que eu estava a tentar não pensar em zombies para ser um consumidor consciente e não cair na tentação de dar um salto à BD Mania, vem o Sérgio e zás! traz os zombies para a ribalta. Não se faz, Sérgio. Não se faz.

 

 

*As outras duas grandes séries do momento, já agora, são Homeland - também a aguardar nova temporada - e Game of Thrones.

As promoções do Pingo Doce

José Gomes André, 02.05.12

O timing das promoções foi oportunista e provocador (o que se esperava depois da guerra nos últimos dias entre supermercados e sindicatos). Mas tirando isto, o que justificou tanta algazarra nos media, tanta indignação (São José Almeida falou mesmo em "atentados à dignidade humana"), tantas "manifestações de pesar"? O Pingo Doce ganhou (pelas vendas e pela publicidade). As pessoas ganharam, poupando dezenas de euros. O Estado ganhou milhares de euros em impostos. Os trabalhadores ganharam um dia de salário a triplicar, o direito a gozar uma folga e desconto de 50% em compras. Caramba, até os jornalistas ganharam tema de reportagem num dia soporífero.

 

O resto é folclore. Folclore da Esquerda-católica, que gosta de apregoar a sua "preocupação pelas pessoas", mas prefere falar do "dumping" e dos atentados a não-sei-o-quê, quando na verdade milhares de pessoas (na maior parte desfavorecidas) tiveram um dia em cheio, com efectivo impacto nas suas difíceis contas. Folclore da Esquerda-caviar, que manda umas bocas ao Pingo Doce e aos coitadinhos manipulados pelo grande capital, porque lhe sobra dinheiro para comprar o que bem entende, ao preço que calhar, no Corte Inglés e nas lojas gourmet. E folclore da Esquerda-socialista, que suplica por políticas de crescimento e desenvolvimento, mas quando vê iniciativas bem-sucedidas com origem em empresas privadas, a que as pessoas aderem por sua livre escolha (e interesse), entra de imediato em pânico, face à necessidade de repensar os seus estereótipos intelectuais.

A notícia da vitória do Pingo Doce é manifestamente exagerada

Rui Rocha, 01.05.12

Não me parece que o Pingo Doce tenha conseguido uma vitória estrondosa sobre os sindicatos. É certo que as lojas da Jerónimo Martins estiveram a abarrotar. Mas, para isso, o Pingo Doce teve que dar promoções de 50% aos clientes. Os sindicatos, por seu lado, já promoveram manifestações com centenas de milhares de trabalhadores. E todos sabemos que não dão nada a ninguém.