Últimas Ceias #7
Finalmente, a utilização simbólica da Última Ceia na divulgação de CAUSAS ou para promoção própria. É irresistível, convenhamos: a imagem de uma figura central, rodeada da elite que constitui a sua esfera de influência (real ou desejada) permite uma leitura tão directa quanto eficaz da mensagem, pessoal ou colectiva, que se quer transmitir. Eis alguns exemplos, bem significativos.
1. Na defesa dos direitos das mulheres, aqui numa interpretação dos criadores de moda Marithé e François Girbaud. A ironia é bem explícita: o único homem presente (colocado no mesmo lugar da figura no fresco de DaVinci cujo género tem gerado polémica) está de costas, numa posição de submissão e subalternidade.
2. Na luta contra o consumismo e o desperdício alimentar. Desconheço a autoria da primeira imagem, a segunda é do fotógrafo David LaChapelle e faz parte de uma série denominada "Jesus is my Homeboy". LaChapelle usou grupos multi-étnicos de jovens como modelos, oriundos das culturas rap e hip-hop e vestidos com roupas underground.
3. Na defesa e protecção dos animais, um cartaz para a Organização Internacional para a Protecção dos Animais. Repare-se no slogan (em cima, ao centro), que diz "Um de vós vai trair-nos 150.000 vezes por ano". Curiosamente, a única figura com feições humanas é a de Judas.
4. Gordon Ramsay, um dos mais famosos chefs da actualidade e estrela do programa de televisão Hell's Kitchen (Cozinha do Inferno), rodeado de outros chefs ingleses cujo denominador comum é terem todos, pelo menos, uma estrela Michelin no curriculum. Sobre as suas cabeças, uma fatia voadora de queijo Brie. A fotografia foi feita para a revista Guardian.
5. Em 1985, o pintor Nate Giorgio assinou um contrato com Michael Jackson para pintar 50 quadros do cantor, que seriam usados para fins pessoais e comerciais. Esta Última Ceia, em que o Rei da Pop está rodeado de figuras célebres, está sobre a sua cama, em Neverland. (Os "apóstolos" são Abraham Lincoln, John. F. Kennedy, Thomas Edison, Albert Einstein, Walt Disney, Charlie Chaplin, Elvis Presley and Little Richard).
Não se escandalize quem vê nestas imagens, por vezes provocatórias, uma ofensa à sua fé. Se a Última Ceia - o encontro por excelência, fulcral na história da humanidade - não tivesse tanta força e tanto poder simbólico, passaria despercebida e ninguém quereria imitá-la ou apoderar-se dela. Tanto interesse só pode significar admiração, logo, elogio. Afinal, Jesus Cristo pode ser visto como o maior de todos os super-heróis do nosso imaginário. Tem todas as características que os fazem ser seres superiores - coragem, altruísmo extremo, disponibilidade total para os mais desprotegidos, despojamento pessoal, prática exclusiva do Bem - e ainda duas a mais, que fazem toda a diferença do mundo: a sua realidade (está historicamente provado que existiu) e, ao contrário dos heróis da ficção, a sua vulnerabilidade à dor física e até à morte, o que torna ainda muito mais admirável a sua história de vida.
Boa Páscoa a todos.