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Delito de Opinião

Em todo o lado

João Campos, 13.03.23

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Fotografia de J. Brown/AFP/Getty Images, na Axios.

Que me lembre, a edição de 2023 dos Óscares foi a terceira em que vi um filme de que gostei mesmo muito a ganhar o principal galardão.*

Julgo que em Abril, quando Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo estreou nas salas portuguesas ninguém esperava que, onze meses volvidos, um filme tão peculiar, tão distante na forma e no tom das clássicas películas "isco de Óscar" que estreiam em Novembro e Dezembro (nos Estados Unidos; mais tarde em Portugal, por norma), viesse a ganhar sete em onze estatuetas douradas, nas categorias de Melhor Filme, Melhor Realizador (realizadores, neste caso), Melhor Actriz Principal, Melhor Actriz Secundária, Melhor Actor Secundário, Melhor Montagem e Melhor Argumento Original. E no entanto cá estamos: um filme que cruza uma aventura de ficção científica com um drama familiar em tons de comédia surrealista conquistou o público e, devagarinho, acabou por convencer a Academia, tradicionalmente conservadora nestas escolhas.

Uma conquista merecida, pois se quisermos ser honestos, o conceito básico de Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo tinha tudo para correr mal. Vejamos a premissa: durante uma inspecção do IRS às finanças da sua pequena lavandaria familiar, Evelyn (Michelle Yeoh), imigrante asiática de primeira geração, vê-se arrastada para uma aventura que atravessa vários universos paralelos e múltiplas versões de si mesma, isto enquanto no seu próprio universo tenta perservar o seu negócio, salvar o seu casamento com Waymond (Ke Huy Quan) e evitar alienar a sua filha adolescente, Joy (Stephanie Hsu). Como é bom de ver, há aqui material que daria para fazer vários filmes. Daniel Kwan e Daniel Scheinert podiam ter optado por fazer um drama familiar mais convencional - mais ao jeito dos Óscares - sobre as vagas de imigração, as diferenças geracionais entre quem fica no país de origem, quem parte, e quem já nasce no país de destino, e os traumas que daí resultam. Também podiam puxar pelo lado mais queer da narrativa, explorando essa faceta da personagem de Stephanie Hsu. Ou podiam ter avançado mais directamente pela ficção científica - tanto em formato aventura, saltando pelos universos paralelos (conceito tão na moda nos blockbusters destes tempos), como num registo mais meditativo pelas inúmeras possibilidades que as múltiplas versões de cada um de nós encerram. Qualquer uma destas ideias, se bem executada, poderia dar um bom filme. Qualquer combinação de dois destes conceitos, idem. Todos ao mesmo tempo era no mínimo improvável.

E, no entanto, resulta maravilhosamente. Há uma elegância frenética na forma como Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo mistura e remistura géneros e convenções narrativas, com um argumento espantoso, uma realização segura, uma montagem arrojadíssima - a premissa assim o exige. E, claro, há um elenco incrível - Michelle Yeoh, sempre deslumbrante, a equilibrar de forma superlativa sequências de acção mais alucinantes com os momentos mais dramáticos (e os mais absurdos). Ke Huy Quan - lembram-se do Short Round do segundo Indiana Jones? - faz-lhe um magnífico contraponto, e Stephanie Hsu teve aqui uma estreia em grande - estava também nomeada, mas viu Jamie Lee Curtis vencer pelo seu maravilhoso desempenho como Deirdre, a auditora do IRS a investigar as contas de Evelyn.

(Abro aqui um parêntese a propósito de Jamie Lee Curtis, pois a sua vitória gerou online dois comentários de sinal distinto, ainda que relacionados, que merecem ser dissecados. O primeiro, que esta distinção terá sido mais um prémio de carreira, como a Academia gosta de dar por vezes; e o segundo, recuperando a polémica recente sobre nepo babies - filhos de gente de Hollywood que singra em Hollywood não tanto pelo talento, que podem ter ou não, como pelas portas que os papás e as mamãs abrem, de forma directa ou indirecta. Ora, se este foi um prémio de carreira, então a Academia decidiu premiar uma carreira muito invulgar, daquelas que ficam na memória de um público especializado, mas não da crítica - afinal, Jamie Lee Curtis optou sempre por papéis menos convencionais, em filmes de género que decerto lhe terão dado imenso gozo (ninguém faz aqueles Halloween todos sem amor ao cinema de horror), mas que não seriam as primeiras opções de outras actrizes com o seu talento e com as suas ligações. E se deverá ser inegável que ser filha de Tony Curtis e de Janet Leigh lhe terá aberto imensas portas, parece-me também certo que com essas ligações, e com o talento e o carisma que possui, podia ter andado confortável pela alta roda de Hollywood. Ao invés disso, fez aquilo de que gosta, e fê-lo muito bem. Stephanie Hsu teria sido uma excelente vencedora, tal como a magnífica Angela Basset - e decerto Hong Chao e Kerry Condon, mas não vi os seus filmes; nem por isso, porém, deixou a estatueta dourada de ficar muito bem entregue.)

Ver Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo é como assistir a um acto de malabarismo que vai acrescentado mais e mais bolas, mas que continua a mantê-las todas no ar, como que por magia. Comovemo-nos com o drama de Evelyn, divertimo-nos com a sua aventura tão improvável, ficamos abismados com alguns momentos - eles estão mesmo a mostrar aquilo?. E percebemos que tudo funciona - a aventura é entusiasmante, a comédia faz-nos rir como poucas na memória recente, e a história familiar comove do início ao fim, com um final que não precisa de ser delicodoce ou melodramático para nos deixar satisfeitos. E demonstra que contar uma história dramática não requer a solenidade e a seriedade, quando não o cinismo, de outros filmes contemporâneos. Ver um filme desta natureza, produzido por um estúdio independente que se tem notabilizado por projectos mais arrojados e alternativos, com um elenco de actores e actrizes que muitos já consideravam "fora de prazo", a conquistar tantos prémios é algo extraordinário, se não for mesmo irrepetível. Aproveitemos, então.

Duas últimas notas sobre os Óscares: a primeira, saudando Guillermo Del Toro pela merecidíssima vitória na categoria de Melhor Filme de Animação com o seu "Pinóquio", contando uma história que tão bem conhecemos de forma brilhante e com uma animação stop-motion excepcional. A segunda, lamentando que Ice Merchants, a curta de animação do português João Gonzalez, não tenha ganho o prémio na sua categoria, que me pareceu ter uma competição fortíssima. Julgo que a curta ainda está nas salas, e recomendo muito: com Óscar ou sem Óscar, são quinze minutos de pura magia no cinema.

*Os outros, já agora, foram O Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei em 2004 e A Forma da Água em 2018

"Ice Merchants" em exibição

João Campos, 19.02.23

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"Ice Merchants", a curta-metragem de animação de João Gonzalez que tem encantado o público em festivais de cinema por todo o mundo e que se tornou na primeira obra de produção portuguesa a ser nomeada para um Óscar - na categoria de Melhor Curta de Animação -, pode por estes dias ser vista em salas de cinema de Norte a Sul, em sessões de curta duração. E se merece ser vista em sala, esta animação lindíssima e emocionante, exemplo perfeito da vitalidade e da qualidade de dois formatos cinematográficos frequentemente menosprezados pelo nosso público - a curta, e a animação (quem conhece sabe que temos trabalhos de altíssima qualidade nestes campos). Vão ver, pois vale a pena - a qualidade da animação e do enredo não deixarão ninguém indiferente.

O apogeu do ofendido

Pedro Correia, 29.03.22

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Sinal dos tempos: um comediante que ganha a vida a fazer humor perde a cabeça e agride um colega de profissão, em pleno palco, com mais de 15 milhões de pessoas a assistirem à cerimónia, só nos Estados Unidos. Não contente com isso, desata a injuriá-lo aos gritos. Qual o crime cometido pelo colega? Uma piada inócua sobre o visual da mulher do agressor, que se sentiu ofendido.

Tudo isto na chamada «noite dos Óscares», em que a indústria do entertenimento norte-americana se homenageia a si própria numa gala anual que congrega vedetas milionárias do sector -  várias das quais construíram as respectivas carreiras com piadas muito menos inócuas do que esta que motivou a agressão. Se cada visado nessas graçolas respondesse da mesma forma, haveria um cenário de violência generalizada e compulsiva: toda a indústria andava à tareia.

 

Aqui o mais preocupante é o retrocesso que representa na liberdade de expressão. O lote de temas interditos vai aumentando, com o aplauso dos basbaques. Fazer uma simples piada, seja sobre que assunto for, logo provoca ondas de indignação das facções tribais que se sentem atingidas - pelo sexo, pelo género, pela orientação sexual, pela pigmentação da pele, pela etnia, pela religião, pelo sotaque, pela filiação clubística ou pelas características físicas ou psicológicas. 

«A liberdade de odiar jamais esteve tão descontrolada nas redes sociais, mas a liberdade de falar e de pensar nunca esteve tão vigiada na vida real», sublinha a escritora francesa Caroline Fourest, colaboradora do Charlie Hebdo, num estimulante ensaio intitulado Geração Ofendida - Da polícia cultural à polícia do pensamento (tradução minha, pois a obra ainda não existe em português).

Agora qualquer ofendido é levado em ombros, justificando o silenciamento dos supostos ofensores. «Nos Estados Unidos, basta a palavra "ofender" para que uma conversa seja apagada», observa Caroline Fourest, sublinhando: «As sociedades contemporâneas puseram o estatuto de vítima no posto mais elevado do pódio.» 

 

Que o amor à liberdade está em retrocesso acelerado é algo que se comprova nas redes sociais pelas reacções de generalizado aplauso ao agressor, Will Smith, nas últimas 24 horas. Aplausos até daqueles que desatariam aos gritos, denunciando o suposto carácter «racista» do incidente, se o humorista negro Chris Rock tivesse sido esbofeteado por um colega de pele mais clara em idênticas circunstâncias. 

Pouco antes, numa das mais apolíticas cerimónias de distribuição de estatuetas da última década, a vasta plateia tinha mantido meio minuto de silêncio em homenagem às vítimas da brutal agressão russa à Ucrânia.

Triste simbolismo o daquela noite no Teatro Dolby, em Los Angeles: minutos depois, fazia-se ali a demonstração prática de que a violência física é o método mais recomendável para a resolução de conflitos. E triste recado ao mundo vindo da chamada América «liberal» - tão rendida afinal aos expedientes das autocracias, tão transparente nesta crescente aversão à liberdade.

A raça do cão

Maria Dulce Fernandes, 24.03.22

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Não deixei de ser uma pessoa interessada em boa literatura e bons filmes, mas muito se tem passado que obrigou à reestruturação do quotidiano. 

Ainda sou do tempo em que via, apreciava, analisava e discutia todos os filmes candidatos aos Óscares. Depois fui-lhes perdendo o gosto à medida em que as cerimónias se degradavam ao culto do políticamente correcto e do socialmente perfeito.

Ninguém estava ali para ser justo. Apenas vingativo e rancoroso.

Os prémios do ano passado foram uma anedota. Não eram intragáveis, apenas não premiaram a excelência, apenas a raça, a cor e o género.

Este ano calhou ver  "The Power of the Dog".

Excelentes desempenhos. Prodigiosa realização.

Não sei se irei ver a cerimónia e aturar o secante bla bla bla, mas espero que ganhem o Benedict Cumberbatch e a Jane Campion.

Menção honrosa para CODA.

Menção honrosa para Guillermo del Toro, cujo Nightmare Alley está de algum modo nomeado para melhor filme (Don't Look Up também está), mas ele não obteve qualquer nomeação. 

Agora é apostar, porque no nosso íntimo sabemos que quem vai ganhar, nem é quem pode ganhar, muito menos quem deveria mesmo ganhar.

Perde a 7.ª Arte e perdemos todos um pouco também. 

Os Óscares já não são o que eram

Pedro Correia, 21.05.21

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Os Óscares já não são o que eram. De ano para ano, cresce o desinteresse em torno das estatuetas. Não apenas nos EUA, mas um pouco por todo o mundo.

Desta vez registou-se a maior queda de audiências de que há memória. Uma tendência em que os galardões da Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood acompanham o que sucedera na cobertura dos prémios Emmy, em Setembro: 5,1 milhões de espectadores (menos 14%) e dos Grammy, em Março: 9,2 milhões (menos 51% em comparação com os 18,7 milhões que seguiram a cerimónia em 2020).

Em termos sentimentais, para muitos cinéfilos, um Óscar será sempre um Óscar. Mas grande parte do fascínio que envolvia a distribuição dos mais cobiçados prémios da Sétima Arte parece ter-se perdido para sempre. Os números confirmam: a mobilização dos espectadores caiu a pique. A 93.ª edição, recentemente realizada, atraiu 9,8 milhões de espectadores – 58% menos do que os 23,6 milhões que tinham assistido à transmissão no ano passado. E muito abaixo dos 41,6 milhões que em Março de 2010 acompanharam o intenso duelo entre dois filmes: Avatar, de James Cameron, e Estado de Guerra, de Kathryn Bigelow.

Passaram apenas onze anos, mas parece ter sido há uma eternidade. De então para cá, Hollywood tornou-se capital da correcção política, substituindo a consagração artística pelo catecismo ideológico. E as sessões de distribuição de prémios, em vez de enaltecerem a magia do cinema, tornaram-se maçadoras maratonas de evangelização em via única, sem qualquer sopro contraditório. Receita segura para afugentar o público. Ninguém tem paciência para ouvir quatro horas de pregações e ladainhas a pretexto da celebração de filmes.

 

Parafraseando o juiz Ivo Rosa, é pouco recomendável mercadejar política a pretexto da indústria do entretenimento. Esta entrou em decadência no momento em que se deixou contaminar por quotas étnicas e sexuais tornadas já obrigatórias para cada elenco. À luz deste critério, filmes como O Padrinho, Casablanca ou Citizen Kane nunca teriam visto a luz do dia.

Em 2018, Javier Marías – o melhor romancista espanhol contemporâneo – confessou o seu imenso tédio ao ver na TV uma versão actualizada do western Os Sete Magníficos, surgido em 1960. Na versão homónima de 2016, os sete integravam um mosaico multirracial – havia um negro, um índio, um hispânico, um asiático. Como se a assembleia-geral da ONU tivesse sido transposta para o velho Oeste selvagem. «Desinteressei-me, por ser tão inverosímil»,  observou o escritor numa crónica.

Somos muitos a pensar como ele. Péssima notícia para a RTP, que em 2021 – vinte anos depois – voltou a garantir o exclusivo da emissão dos Óscares para Portugal. Com manifesto insucesso: atraiu pouco mais de 150 mil espectadores, enquanto a SIC captava mais de 440 mil e a TVI ultrapassava os 340 mil. Sermão por sermão, antes a missa dominical.

 

Texto publicado no semanário Novo

A noite dos Óscares.

Luís Menezes Leitão, 25.02.19

A atribuição dos Óscares começa a parecer-se com a atribuição dos prémios Nobel. Premeiam-se filmes medíocres e desempenhos médios, esquecendo-se dos verdadeiros filmes de qualidade que surgiram neste ano. Para mim, quem deveria ter recebido o óscar de melhor filme era Correio de Droga, de Clint Eastwood, um verdadeiro testamento cinematográfico. O Guia para a Vida é um filme razoável, mas nada mais do que isso. Quanto ao melhor actor, se Rami Malek tem de facto uma boa interpretação em Bohemian Rapsody, fica a milhas do desempenho de Christian Bale em Vice. Quanto à melhor actriz, acho que o prémio deveria ter ido para Lady Gaga, uma verdadeira revelação em Assim nasce uma estrela, em que praticamente carrega sozinha o filme às costas. Mas são insondáveis os desígnios da Academia. Siga, que para o ano há mais.

"The Shape of Water", ou o ponto de vista da imaginação

João Campos, 06.03.18

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Sim, Guillermo, ganhaste mesmo - desta vez não houve engano no envelope 

 

Apesar de dar alguma atenção aos prémios norte-americanos do cinema, não costumo esforçar-me para ver todos, ou sequer a maioria, dos filmes nomeados ao Óscar para Melhor Filme. Boa parte dos filmes nomeados, sendo (regra geral) pelo menos bons filmes, ou não me despertam interesse ou não me despertam interesse suficiente para pagar o bilhete de cinema (ou não estrearam ainda por cá, como aconteceu neste ano com Lady Bird, que só chegará às salas portuguesas nos próximos dias). Por norma, acabo por ver um ou dois - os nomeados de ficção científica ou fantasia, quando os há, e um ou outro filme que me chame a atenção. Inevitavelmente, é bastante raro ganhar um filme que eu tenha visto e pelo qual estivesse a torcer. Aconteceu nos prémios de 2004, que finalmente distinguiram a extraordinária adaptação cinematográfica de Peter Jackson a The Lord of the Rings com 11 Óscares para The Return of the King. Aconteceu em 2015, com o  Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance) de Alejandro Iñárritu, que não sendo exactamente um filme de género aproxima-se um pouco daqueles territórios temáticos e tem um carácter referencial intrigante (para além de um Michael Keaton inspiradíssimo). E aconteceu em 2018, com o único filme nomeado que vi a conquistar a estatueda dourada: o belíssimo The Shape of Water de Guillermo Del Toro. 

 

É uma combinação curiosa: uma fábula fantástica enquadrada numa trama de espionagem do tempo da Guerra Fria, onde Del Toro actualiza inúmeras referências do cinema que o maravilhou noutros tempos (Creature of the Black Lagoon) e de contos intemporais (A Bela e o Monstro, e as suas múltiplas variações) numa história sobre uma mulher muda e para todos os efeitos invisível e o monstro proverbial, profundamente alienígena e ainda assim mais humano do que os homens que o mantém cativo e o torturam. Mais do que uma história de amor improvável, The Shape of Water é um filme sobre o carácter decisivo dos pequenos gestos, sobre a irrelevância das diferenças, sobre a coragem, sobre a empatia - algo tão em falta nos dias que correm. Juntamos a isto uma grande banda sonora, interpretações notáveis de um grande elenco (o prémio para Melhor Actriz Principal também teria sido bem entregue a Sally Hawkins, e chegará o dia em que se dará o devido valor às interpretações de actores como Doug Jones, eterno colaborador de Del Toro), e o virtuosismo técnico a que os filmes do realizador mexicano já nos habituaram, e temos um digno vencedor do Óscar. 

 

Não será, é certo, o melhor filme da sua carreira - essa distinção caberá sem dúvida ao extraordinário El Laberinto Del Fauno, que nunca chegou à categoria principal dos Óscares por ser falado... em espanhol. Mas nem por isso The Shape of Water deixa de ser um excelente representante tanto de géneros habitualmente desprezados pela crítica como da filmografia e da iconografia inconfundíveis de Del Toro, onde o banal se encontra em constante diálogo com a estranheza. Será sem dúvida um dos realizadores contemporâneos que mais aprecio. Dele recordo HellboyHellboy 2: The Golden Army, duas transposições notáveis e visionárias da banda desenhada de Mike Mignola numa época onde alguns fracassos ruidosos nas adaptações de banda desenhada não deixavam antever o frenesim que se instalaria no género alguns anos mais tarde. E recordo o som e a fúria de Pacific Rim, talvez o mais divertido blockbuster dos últimos anos, que me fez sentir como um miúdo na sala de cinema. É pena que Del Toro nunca chegue a concretizar o derradeiro capítulo da trilogia Hellboy que planeou, e que Ron Perlman tanto queria fazer. Como é pena que tenha acabado por não realizar a adaptação de The Hobbit, como esteve previsto; é provável que tivesse dado uma interpretação muito própria à história clássica de Tolkien, algo que Peter Jackson, amarrado aos espartilhos dos estúdios e ao seu próprio legado na Terra Média, já não conseguiu fazer.

 

Mas ainda ouviremos falar muito dele; oportunidades decerto não faltarão para que Guillermo Del Toro nos encante de novo com as suas fábulas e os seus monstros. E para que volte a demonstrar, como demonstrou em The Shape of Water e como fez questão de sublinhar no seu discurso de Domingo à noite, que a grande ficção de género não tem de se resumir ao escapismo a que muitos a condenam sem a conhecer - ela olha antes para o presente a partir do ponto de vista da imaginação. 

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A Forma da Água

Diogo Noivo, 05.03.18

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Se o Fabuloso Destino de Amélie e O Labirinto de Fauno procriassem o resultado seria A Forma da Água. A estética do filme é lindíssima e inolvidável. A história é solvente e os personagens também. E é fiel à ideia subjacente a toda (ou quase toda) a filmografia de Guillermo del Toro: a fantasia não é escapismo, mas sim uma forma de confrontar os horrores do mundo.

Apontam-lhe descuidos e incongruências – dizem, por exemplo, que é pouco plausível que uma simples funcionária de limpeza tenha acesso a um laboratório secreto. Importa recordar que A Forma da Água gira em torno a um monstro anfíbio com poderes curativos. Portanto, e ao contrário de The Post, esta longa-metragem não está obrigada a uma adesão rigorosa à realidade. Pela parte que me toca, o Óscar de Melhor Filme e o de Melhor Realizador estão bem entregues.

É de uma boa história que eu gosto

Marta Spínola, 25.02.18

Já de há uns anos - as minhas memórias dos vinte anos já têm vinte anos, é um facto em que tenho reparado no último ano - para cá, quando os filmes nomeados começam a chegar, tento ver a maioria. Por hábito, não por ser muito entendida, mais por gostar de estar a par e desde pequena ver os Oscars, ainda que com um enstusiasmo decrescente de ano para ano. 

Ainda gosto que em cerimónias como Oscars e Globos, possamos ver actrizes e actores como nunca os vemos. Mas claro, com a idade também vem a noção de que nada é inocente ou muito espontâneo e a magia perde-se de entrega para entrega. Ainda assim, não é este ano que desisto. 

Uma coisa de que me tenho apercebido com os anos, é de que não tenho a pretensão de perceber qual é o melhor filme. A melhor realização, a maior produção é necessariamente a melhor? Cada vez tenho menos interesse em perceber o que julgo ser subjectivo tantas vezes. Todos os anos há satisfeitos e atónitos com as escolhas, todos os anos há forum sobre a credibilidade da Academia. 

A mim, que gosto de ir ao cinema nesta ou outra época, basta uma boa história. O story telling é o que me interessa mesmo no meio de tudo. Vale para cinema ou literatura, mas é saber de uma história bem contada que me leva às salas. Vi ontem "Eu, Tonya" e apesar de ser muito baseado no documentário "The price of gold" da ESPN, que aconselho vivamente, é um bom filme, uma história bem contada. Há umas semanas vi "Todo o Dinheiro do Mundo", e há um mês ou dois, vi também Borg vs McEnroe que são História Contemporânea pura. Ambos falam vidas de pessoas do nosso mundo, de acontecimentos contemporâneos. Gostei de juntar nomes e eventos perdidos na minha memória, coisas vagas da infância, que através do cinema posso reconstituir.

É decididamente do que mais gosto no cinema, um bom relato, fictício ou não. Que me entretenha e leve a outros mundos e vidas. 

Sobre comportamentos em salas de cinema podemos falar num próximo post. 

The Post

Diogo Noivo, 05.02.18

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The Post é uma boa história. E uma boa ideia. É por isso uma pena a hagiografia e o tom propagandístico – o próprio Spielberg reconheceu que o filme contém um conjunto de mensagens endereçadas ao Presidente Trump. Sei que destoo de boa parte dos meus colegas de DO, mas um filme que pretende retratar um caso verídico e com relevância histórica não pode abdicar da plausibilidade. Os personagens de The Post não têm arestas nem profundidade. Vivem num mundo de certo e errado onde a ambiguidade é tão-somente uma miragem, e são donos de uma bússola moral irrepreensível. Pura ficção, portanto. Creio que tudo isto impede The Post de entrar na galeria dos grandes filmes sobre jornalismo onde figuram All The President’s Men ou, mais recentemente, Spotlight. Até a esgrima bem cadenciada de Frost/Nixon o supera. São inegáveis as virtudes de Meryl Streep, embora, pensando nos Óscares, me pareça que Frances McDormand está mais próxima do galardão com o seu desempenho em Three Billboards Outside Ebbing, Missouri. Em resumo, uma boa história que se perde em recados e endeusamentos.

Watu Wote

Diogo Noivo, 01.02.18

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A furgoneta viajava de Nairobi para Mandera, uma cidade queniana junto à fronteira com a Somália. Já próxima do destino, é atacada por um pequeno grupo da organização terrorista al-Shabab. Se dúvidas houvesse, a abordagem inicial dos jihadistas clarificou o propósito da ofensiva: após metralharem a furgoneta, entraram no veículo e exigiram aos passageiros muçulmanos que sinalizassem os cristãos a bordo. Foi em Dezembro de 2015. No ano anterior, em Novembro, a organização terrorista perpetrara um atentado em tudo semelhante na mesma região e no qual foram executados 28 não-muçulmanos.

Contudo, desta feita o desfecho foi menos trágico. Ainda antes dos jihadistas entrarem a bordo, os muçulmanos ofereceram vestes islâmicas aos cristãos e, já perante os terroristas, negaram-se a delatar os seus “irmãos e irmãs”. Temendo a chegada da polícia – estas viagens são normalmente escoltadas pelas forças de segurança locais – e surpreendidos pela resistência dos passageiros, a célula do al-Shabab abandonou o local (não sem antes, lamentavelmente, matar duas pessoas e ferir seis).

A história deste atentado tem agora adaptação cinematográfica com Watu Wote (Todos Nós), uma produção de quenianos e alemães dirigida pela realizadora Katja Benrath, um filme nomeado para Melhor Curta-Metragem na edição dos Óscares deste ano.  Mais do que uma história de solidariedade e bravura, o atentado e o filme que o retrata são um tratado sobre identidade comunitária. Em Identidade e Violência, Amartya Sen defende que a violência política hodierna é sustentada pela ideia de que as pessoas se definem mediante uma identidade única, segregadora e frequentemente beligerante. De acordo com Sen, a arrumação do mundo em civilizações tende a obscurecer a pluralidade de identidades de cada ser humano, subjugando-os a traços singulares, em regra étnicos ou religiosos. Esta é a lógica do jihadismo, que pretende impor uma só forma de Islão, totalitário, incompatível com identidades nacionais, com identidades locais, com lealdades familiares, com preferências culturais. Em tom humorístico, escreve Amartya Sen que a “mesma pessoa pode ser, sem qualquer contradição, um cidadão americano de origem caraibense, com antepassados africanos, um liberal, uma mulher, um vegetariano, um maratonista, um historiador, um professor, um romancista, um feminista, um heterossexual, um defensor dos direitos dos homossexuais, um amante de teatro, um activista ambiental, um entusiasta do ténis, um músico de jazz e alguém profundamente convicto de que existem seres inteligentes no espaço”. Todos temos um conjunto de identidades, que coexistem. Pertencemos simultaneamente a várias comunidades e compete-nos decidir a cada momento qual a mais importante. São muitos os muçulmanos que percebem isto – a maioria, na verdade. Felizmente, alguns viajavam de Nairobi para Mandera em Dezembro de 2015.

 

O trailer pode ser visto aqui.

Contra a discriminação na cerimónia dos Óscares

Rui Rocha, 27.02.17

Então e a indústria de Hollywood? Tão avançada, tão progressista, tão activista, tão pelos direitos, tão pelas minorias, tão anti-estereótipo, tão anti-Trump. E depois, vai-se a ver e é na própria cerimónia dos Óscares que se perpetua a discriminação de género. Um Óscar para o melhor actor e outro para a melhor actriz? Porquê? O que é que a Academia quer dizer com isso? Acaso as mulheres não seriam capazes de ganhar aos homens se concorressem na mesma categoria? É isso? É o contrário? E os intergénero? Onde está o Óscar para os intergénero? Pelo Óscar unificado para o melhor desempenho sem discriminação de género, já! E, se for preciso, com quotas, para evitar abusos. E, já agora, o Óscar para o melhor desempenho animal? O PAN não diz nada? Mas que vergonha é esta? E os preocupadinhos com o brinquedo para meninos e para meninas do McDonald´s? Onde é que andam?

Vestidos de noite, saltos altos, quedas e rasteiras - mas ninguém é perfeito

José António Abreu, 22.03.14

A cerimónia dos Óscares já foi há quase três semanas mas gostava de voltar às quedas de Jennifer Lawrence (para distraídos: uma no ano passado, quando subia ao palco para receber o prémio, outra este ano, ao sair do carro no exterior do edifício). Claramente, a rapariga não sabe conjugar vestidos de noite com sapatos de salto alto mas isso só a torna (ainda) mais simpática aos meus olhos. Numa classificação tão aleatória como estas classificações tendem a ser, para mim há três tipos de actrizes em Hollywood: as que assumem a imagem de estrelas e planam ligeiramente acima de todos os restantes mortais, incluindo os colegas de profissão (Charlize Theron e Angelina Jolie são os exemplos possíveis, nesta época tão afastada do star system de há seis ou sete décadas); as que se definem pelo trabalho e, até mesmo quando enfiadas em vestidos de gala, permanecem ligadas à Terra (Julia Roberts, Meryl Streep, Amy Adams, Jessica Chastain); as que gostariam de atingir uma das duas primeiras categorias mas enfrentam dificuldades em escapar de um nível onde são encaradas com alguma condescendência (Jennifer Anniston, Reese Witherspoon - não obstante Walk the Line -, Jessica Biel, Kristen Stewart). Jennifer Lawrence, claro, é um caso típico do segundo grupo, apesar de muita gente andar a tentar metê-la no primeiro (demasiado nova; dêem-lhe pelo menos dez ou quinze anos para perder espontaneidade e aprender a equilibrar-se nos saltos altos). As suas quedas funcionam como aqueles detalhes que os grandes actores acrescentam aos papéis. Algo que, parecendo acessório, acaba por fazer a diferença na forma como os recordamos. Em parte devido às quedas, Lawrence já é das pessoas mais memoráveis da cerimónia.

 

Mas não comecei a escrever isto apenas por causa de Jennifer Lawrence. Fi-lo também por sentir que a cerimónia dos Óscares necessita de mais quedas e, em particular, de quedas com mais significado. Quedas que desfaçam as poses politicamente correctas. Como (quase) sucedeu na cerimónia de 1945. Double Indemnity, de Billy Wilder, era candidato a sete Óscares. O filme merecia-os, sendo uma obra-prima do film noir cujo argumento (adaptando um livro de James M. Cain) saíra de uma colaboração particularmente tempestuosa entre Wilder e um tal Raymond Chandler (a experiência foi tão traumatizante para Wilder que, segundo se diz, o alcoólico interpretado por Ray Milland que protagonizava The Lost Weekend, o seu filme seguinte, era inspirado em Chandler*). Apesar das qualidades de Double Indemnity, os Óscares foram sendo entregues a Going My Way, um musical de Leo McCarey com Bing Crosby. Quando McCarey se dirigiu para o palco para receber o Óscar de melhor realizador, Wilder não aguentou mais: estendeu o pé e passou-lhe uma rasteira. Infelizmente para a lógica deste post (daí o «quase» entre parêntesis um pouco mais acima), McCarey, que não estaria a usar vestido de noite nem sapatos de salto alto, conseguiu evitar cair. O acto de Wilder pode - justamente - ser considerado imaturo e pouco educado, mas, para mim, tratou-se de uma refrescante (porque sincera e inesperada) manifestação de frustração e sentimento de injustiça. Admitamos: sentados nos nossos respectivos sofás defronte dos nossos respectivos televisores, procuramos tanto verificar a alegria dos vitoriosos como detectar indícios de frustração nos derrotados. Por norma, estes afivelam um sorriso e batem palmas, numa intensidade que varia entre as exigências mínimas da boa educação e o entusiasmo tão pouco credível que, no caso de actores e actrizes, fica mais do que justificada a não atribuição do Óscar. No meio de todo este fingimento, tenho pena de não existirem mais Billy Wilders. De não ver Scorsese resmungar entredentes «Damn, not again», Cuarón estranhar os saltos em palco de McQueen («Que pása? El mejor director soy yo, verdad?») ou DiCaprio murmurar «Fuck, I knew I should have lost weight». Na cerimónia de 2014, o mais perto que estivemos disto foi o aplauso relutante de Bruce Dern, sentindo não apenas a perda do prémio deste ano mas o peso de todos os papéis que Hollywood lhe recusou ao longo de décadas. Muito pouco. Em 1945, depois de rasteirar McCarey, saindo de mãos a abanar (Double Indemnity não venceu qualquer Óscar), Wilder ainda fez questão de proclamar, enquanto esperava pelo automóvel: «O que diabo significa um Prémio da Academia, por amor de Deus? Afinal, Luise Rainer** ganhou-o duas vezes. Duas vezes!» Tinha razão e basta analisar a lista de premiados - nem sequer é necessário ir à parte da melhor canção - para verificar que ainda tem. Seja como for, não consta que, em 1946, 1950 ou 1960, tenha recusado qualquer dos Óscares que a Academia lhe deu por, respectivamente, The Lost Weekend, Sunset Boulevard e The Apartment. Nem que alguém tenha procurado fazê-lo cair quando se dirigia para o palco. É pena, no entanto. Wilder merecia o gesto - e, como o seu epitáfio, aproveitando a imortal última frase de Some Like It Hot, sugere, provavelmente tê-lo-ia compreendido.

* Que, ainda assim, ganhou um cameo pouco conhecido em Double Indemnity.

** Actriz de ascendência alemã premiada em 1936 e 1937.

Há festa em Hollywood

José Navarro de Andrade, 28.02.14

 

Durantes as próximas horas metade da comunicação social vai perguntar à outra metade quais são as suas previsões para os Óscares.

Personalidades-de-reconhecido-valor serão interrogadas por microfones ansiosos e debitarão opinativamente acerca da “celebração do cinema”, as “virtualidades de Hollywood”, ou o “apogeu da narrativa ficcionada”. Haverá quem esteja contra (“repensar o imaginário veiculado pela cultura [imperialista] americana”) ou a favor (“o potencial eufórico da cultura cinematográfica”). Lá mais para o fim, caso seja necessário encher o ar televisivo, serão recolectadas as pungentes opiniões de Carlos Mané, Paula Bobone, ou Marcelo Rebelo de Sousa. Certo será que ninguém desperdiçará a oportunidade de se elevar à posição de oráculo, prevendo os resultados dos Óscares, com pose de meteorologista a explicar a evolução do anticiclone dos Açores.

Por mim, só tenho pena de já fazer uns anitos que não ponho os pés no Ivy’s, na Robertson (“Get shorty” – “Jogos quase perigosos”), onde o pessoal da indústria bisbilhota e conspira durante o brunch; nem tenho frequentado o Dan Tana’s, em West Hollywood, observando os produtores serrarem bifes e roerem charutos, e cujos empregados são todos potenciais figurantes de um filme de wise guys. E sobretudo deploro nunca ter recebido um convite para a imprescindível festa da Vanity Fair, que  anda com tenda às costas desde que o Morton’s fechou.

Mas quem quiser espreitar como funcionam os sindicatos de voto nos Óscares, visione ou revisite, o 7º episódio da 6º temporada de “Sopranos”, intitulado “Luxury Lounge”, no qual o instável Imperioli/Moltisanti de visita a Hollywood, percebe que as vedetas de Los Angeles têm mais borlas com menos esforço do que os pobres mobsters de New Jersey. Certificam esta informação os sarcásticos cameos de Ben Kingsley e Lauren Bacall nesse episódio.

Conheci um jornalista português que foi à cerimónia dos Óscares. E o que aconteceu foi terem arrebanhado a malta de jornalistas, e depois de lhes oferecerem o biscoito de uns minutos passados na orla da passadeira vermelha – na qual os repórteres são parte fundamental do cenário e da festa, acrescentando-lhe excitação, barulho e flashes – conduziram-nos pressurosamente para uma sala nas catacumbas do Kodak Theater (hoje rebaptizado com o naming de Dolby Theater) onde puderam ver o show… pela televisão. Na verdade o meu amigo esteve lá, pode dizer que respirou o ar eléctrico de Hollywood, mas viu exactamente o mesmo que eu vi, sentado num sofá a 8 fusos horários de distância.

Aliás, nem a maior parte dos convidados e participantes para a gala assistem ao espectáculo, pois, como é sabido, passam a maior parte do tempo a tagarelar, a conviver e, sobretudo, a beber dry martinis nos bares do cinema, enquanto as suas cadeiras são preenchidas por um batalhão de figurantes de smoking, que asseguram o aspeto da sala cheia durante a transmissão. As vedetas, mais que os restantes (noblesse oblige…), só estão realmente sentadas no anfiteatro os curtos momentos em que as vemos presentes.

Lamentavelmente não sei quem vai ganhar os Óscares, mas vou-me divertir imenso este fim de semana à custa deles.  

Tapam Michelle e deixam o Óscar nu

Pedro Correia, 26.02.13

 

A fanática brigada antipecado que domina com mão de ferro o Irão - e tem bons amigos em Portugal - sentiu a pulsação muito acelerada ao vislumbrar o generoso decote de Michelle Obama na noite da distribuição dos Óscares. Como se já não lhes bastasse ver Argo - uma longa-metragem que denuncia sem pudores a ditadura islâmica - conquistar o Óscar de melhor filme.

Num país onde as mulheres continuam a ser severamente reprimidas a pretexto da manutenção da pureza islâmica, os censores de serviço não tardaram a obedecer aos ditames dos aiatolás, cobrindo a primeira dama norte-americana com tecido photoshopado, em prol dos bons costumes, como se pode perceber na imagem da direita - a que passou nos televisores de Teerão e arredores.

Mas podia ser pior: escapou ao rigor da teocracia iraniana o pecaminoso cabelo de Michelle, que noutros tempos só por lá surgiria abrigado sob um véu igualmente tecido pela censura.

Fica-me uma pequena dúvida: porque será que os censores se esqueceram também de cobrir com um pudico paninho o próprio Óscar, estatueta de um homem nu?

 

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