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Delito de Opinião

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 08.02.23

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A 8 de Fevereiro celebra-se O Dia da Ópera

«A ópera nasceu da tradição da música clássica no Ocidente. Começou em Itália, tendo-se espalhado pela Europa. A primeira temporada de ópera ocorreu em Veneza em 1637, tornando-se uma arte popular de entretenimento desde então.

Durante grande parte do século XVIII, a ópera séria, com seu estilo elevado e apresentações virtuosas, foi a mais amada entre os italianos. No entanto, como em todos os movimentos artísticos, alguns queriam inovar. Mozart é conhecido pelas suas óperas cómicas, como As Bodas de Fígaro, enquanto Verdi é famoso por óperas patrióticas e confiantes. Wagner foi um dos compositores de ópera mais influentes que dissolveu os distintos recitativos e árias em "melodia sem fim" e desenvolveu a ideia da obra de arte completa.

Os compositores do século XX continuaram a experimentar esta forma de arte e criaram conceitos inovadores, como atonalidade e dissonância. A era moderna viu uma explosão do teatro musical, a versão moderna da ópera. Embora existam várias diferenças importantes, alguns musicais assemelham-se muito à ópera - por exemplo, Les Misérables, que também foi adaptado ao cinema.»

 

Vi umas quantas óperas espectaculares. No S. Carlos, no Coliseu, no Campo Pequeno...

A mais extraordinária de todas as que vi, é memorável mais pelos acontecimentos do que pela obra per se, que longe de mim criticar, mas pouco ou nada entendi. Foi no Bolshoi e era a Giovanna d' Arco, de Verdi, cantada em russo. Fiquei muito desilulida e foi talvez por isso que nos "informaram de fonte segura" que Gorbachev iria estar presente. Todos vestidinhos  "ponto em branco" entrámos cedo e a ópera começou com uma hora de atraso. À nossa volta, muita antiguidade a falar inglês, francês, alemão, etc., que presumimos tratar-se de membros do corpo diplomático, e que, como nem passada meia hora no início do espectáculo, ressonavam em plenos pulmões, assumimos como certa a presunção, já que fazia jus à sua sigla CD (come e dorme). Por fim, após o intervalo, alguém ocupou, o camarote presidencial. Tocou o hino, quem não estava a dormir levantou-se, um braço acenou do escuro à multidão e até finalizar não consegui ver se era o Gorbachev. Da ópera, conhecia uns trechos da música e o final pirotécnico ajudou à apoteose. Foi um espectáculo de excitação. Eu apostava que até tinha visto a célebre mancha na testa. Valeu por tudo, excepto o ronco generalizado.

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Hoje é O Dia de Fazer Voar um Papagaio (de Papel)

«Os papagaios de papel têm muito a ver com sustentação, impulso e pressão do vento. A cada 8 de Fevereiro, basta pegar num deles, com um cordel forte para começar. Basta encontrar um campo aberto, começar a correr e esperar pelo melhor. Mas tem mesmo de haver vento.

Curiosidades:

Marco Polo (1254-1324) trouxe trouxe um papagaio de papel chinês no regresso a Veneza, vindo da China, no século XIII.
Benjamin Franklin (1706-1790) usou um papagaio de papel para demonstrar a natureza eléctrica da iluminação.

Os papagaios de papel têm sido usados para pesquisas científicas.
O escritor Khaled Hosseini destacou um papagaio de papel no seu célebre romance O Menino de Cabul

"Amir junta-se aos inúmeros rapazes que enchem o céu de papagaios que por vezes dançam sobre os telhados na sua luta de tentarem cortar as linhas uns dos outros".

 

Fizemos primeiro uma cruz, depois um losango, atadas as seis canas com cordel. Depois forrou-se com papel de seda amarelo canário. Com o que sobrou do papel, entrançámos uma cauda com um laço na ponta. O cordel estava enrolado num pedaço de cana de onde saía um nó com quatro pontas, uma para cada bico do papagaio de papel. A Susana correu para a frente da Igreja da Memória e lá foi ele pelos ares. Quando chegou a minha vez, não voou. Nunca voou da minha mão. Fiz voar outros com as minhas filhas, mais coloridos e com asas, mas aquele que ajudei a fazer nunca o fiz voar.

(Imagens Google)

"A night at the opera"

beatriz j a, 21.05.22

Ontem fui ao São Carlos ver o «Fausto» de Gounod. Uma ópera grande, em cinco actos, baseada na primeira parte da obra homónima de Goethe. Desde que o «Fausto» veio à luz, por assim dizer, nunca mais deixou de inspirar obras, tanto na literatura como na música. Há muitas peças musicais baseadas no poema de Goethe e três grandes óperas, sendo esta de Gounod a mais popular e a que mais vai à cena nas casas de ópera. É uma peça muito melódica e que se desenvolve com muita profundidade.

A peça abre com o Dr. Fausto velho, doente, em fim de vida, a reflectir sobre a falta de sentido do mundo, mas incapaz de se desapegar, revoltado e tentado pelo suicídio, «Nada. Em vão interrogo a Natureza e o Criador», diz Fausto, antes de invocar Satã, com quem fará um pacto de vender a alma em troca da juventude. Este início é muito melódico.

A encenação não começou muito bem, para o meu gosto. Vemos Fausto, já muito velho, entrar numa cadeira de rodas empurrada por uma enfermeira, parar diante de uma banheira gigante no meio do palco (que tem um pêndulo gigante a balouçar para indicar a passagem inexorável do tempo), despir a camisa e ficar nu, de costas para nós. Depois, enquanto ouvimos aquela música impregnante e melódica estamos a ver a enfermeira lavar o rabo do Fausto... não havia necessidade. Percebe-se a ideia do peso da carnalidade humana na superficialidade da vida, mas... enfim, passado este início, foi tudo muito bom. 

O tenor, Mario Bahg, cantou a sua parte com muito lirismo, muita sensibilidade, sobretudo nas partes mais íntimas. Mefistófeles, um baixo, Rubén Amoretti, aparece como um dandy fantástico, sempre seguido por dois demónios visualmente insidiosos e maléficos nos seus movimentos (no final, já nos agradecimentos, desmascaram-se e vamos que são duas mulheres) é como um mestre de dança que comanda todas as almas para a perdição eterna. A cena da danação de Marguerite é verdadeiramente impressionante. Num ambiente escuro e fantasmagórico, Marguerite reza, perto de um padre, aos pés de uma pietá. Eis que aparece Mefistófeles e um monte de gente que ele possui, como marionetas momentaneamente animadas, contra ela - a própria escultura ganha vida e Cristo e sua Mãe começam numa dança erótica, bela na sua decadência obscena, tudo cantado com grande beleza e profundidade dramáticas. A cena da dança das bruxas também é impressionante, uma espécie de bacanal dos infernos a acompanhar o enlouquecimento de Marguerite. 

Marguerite é a personagem que mais evolui ao longo da peça. Começa como uma donzela cheia de excitação pela vida, pelo amor e pelas riquezas e no fim da obra é uma mulher desiludida, abandonada grávida por Fausto que se esgota -ele, não ela- na busca ávida de prazeres e na satisfação dos desejos. 

O soldado, Valentin, irmão de Marguerite que canta uma das árias mais bonitas e famosas da ópera -avant de quitter ces lieux - é um barítono português com uma voz cheia e de grande dimensão, vencedor do prestigiado concurso alemão de Heidelberg, DAS LIED.

Enfim, desde os cenários, muito inteligentes (como têm de ser sempre no São Carlos que é uma casa de ópera muito pequena e não tem espaço para grandes construções em palco), a movimentação das personagens em cena, o coro do São Carlos (excelente), o jogo de luzes que ajudou na perfeição ao ambiente temático da ópera, até à prestação da Orquestra Sinfónica Portuguesa e ao seu maestro, foi tudo muito bom e no fim gritámos todos em ovação como acontece quando as óperas são boas e há um frisson na assistência.

Adoro esta ópera, conheço-a de cor e em casa estou habituada a cantar à medida que ouço música, de maneira que estava a fazer um esforço para acompanhar a melodia só com os ouvidos e a mente.

Para quem gosta de ópera, um espectáculo que quando é bom é insuperável, porque completo, já que inclui tantas artes diferentes, recomendo vivamente uma noite na ópera, no São Carlos, a ouvir o «Fausto» de Gounod.

(André Baleiro canta aqui bem, mas ontem cantou, ainda, muito melhor)

também publicado no blog azul

O terceiro compositor checo

José António Abreu, 03.06.12
Uma introdução.

 

Há uns tempos, li algures que  Leoš Janáček ocupa o terceiro lugar na lista de preferências dos checos no que respeita a compositores de música clássica nacionais, a longa distância de Smetana e Dvořák (sendo que aparentemente Smetana é o preferido). Sem querer entrar em comparações (acho fantástico que um país tão pequeno tenha produzido três compositores de tal calibre), parte da explicação para o relativo desapego dos checos poderá residir na circunstância de Janáček ter passado quase toda a vida em Brno e não em Praga, num esforço contínuo mas, durante muitos anos, falhado para se fazer aceitar nos meios artísticos da capital (onde a partir de certa altura contou com a ajuda do mesmo Max Brod que era amigo e divulgador de Kafka), outra parte talvez no facto de ter escrito obras menos imediatas do que os outros dois e desfasadas dos gostos predominantes: tendo vivido grande parte da vida em plena época do romantismo, Janáček recusava-o. Numa fase inicial, isso levou-o a produzir música de um classicismo banal (isto é, que soava antiquada); mas depois, já por volta dos cinquenta anos de idade, descobriu um caminho próprio e inovador (o que não deixa de ser inesperado; quase todos os artistas são mais ousados na juventude) que, indo buscar a várias fontes, apresentava uma depuração extraordinária:  as emoções não eram forçadas pela acumulação de notas, por transições e efeitos (como nas composições românticas) mas pela beleza de nenhuma nota estar a mais, das transições serem bruscas, dos efeitos terem de ser acrescentados por quem ouve.(Numa analogia grosseira, fez um pouco o que Hemingway faria na literatura poucos anos depois.) Compôs então excelentes obras orquestrais (Sinfonietta, Tarass Bulba), vocais (Missa Glagolítica) e, especialmente, operáticas. Janáček é autor de nove óperas, cinco das quais se contam indubitavelmente entre as mais importantes do século XX: Jenůfa (que, demonstração eloquente da resistência da intelligentsia de Praga, apenas foi levada à cena na capital treze anos depois de ter sido escrita e com várias alterações introduzidas pelo maestro do Teatro Nacional), Káťa Kabanová (o meu primeiro contacto com a música dele), Příhody lišky Bystroušky (A Raposa Mateira – por improvável que seja, não consigo deixar de imaginar que Aquilino se terá inspirado nela para criar a Salta-Pocinhas, nascida cinco anos mais tarde), Věc Makropulos (O Caso Makroupolos) e Z mrtvého domu (Da Casa dos Mortos, completada dias antes da própria morte). Tratam-se de obras-primas obras-primas absolutas, que o elevam à companhia de Strauss, de Berg, de Britten – e talvez de mais ninguém (não estou a esquecer-me de Schönberg, estou só a assumir uma preferência). E que tornam ainda mais estranho que os checos não o tenham apreciado devidamente porque revelam uma enorme paixão pela língua checa. Para transmitir o estado psicológico das personagens de forma precisa, sem as tais notas desnecessárias, Janáček dava tremenda importância à língua e à forma como uma mesma palavra pode transmitir diferentes emoções consoante o modo como é pronunciada. Tanta que escrevia os seus próprios librettos e, ao morrer, deixou grande parte dos bens à universidade de Brno para financiar estudos linguísticos. Mas talvez esta paixão pela língua o tenha prejudicado. O processo de internacionalização da sua música, que ocorreu antes de atingir a notoriedade no seu próprio país (não é só por cá que o reconhecimento no estrangeiro leva as pessoas a prestar atenção), terá sido prejudicado por ela. De facto, só ocorreu quando Max Brod lhe traduziu as óperas para alemão. E percebe-se porquê: quando se ouve uma ópera de Janáček pela primeira vez (e mesmo durante os primeiros minutos de cada uma das ocasiões seguintes), é difícil não estranhar os sons que saem dos lábios dos cantores. À língua italiana, à francesa, à alemã, os públicos europeus estavam (e estão) habituados. À língua checa, não. Para mais, na altura não havia legendagem sobre o palco. Porém, a tradução também não resolvia tudo. Em Os Testamentos Traídos (ASA, 1994, tradução de Miguel Serras Pereira), Kundera explica o problema de modo perfeito:

 

Dificuldade prática insolúvel: nas obras de Janacek, o condão do canto não reside apenas na beleza melódica, mas também no sentido psicológico (sentido sempre inesperado) que a melodia confere não globalmente a uma cena mas a cada frase, a cada palavra cantada. Mas como cantar em Berlim ou em Paris? Se for em checo […], o ouvinte apenas ouve sílabas vazias de sentido e não compreende as finuras psicológicas presentes em cada inflexão melódica. Traduzir então, como foi o caso no começo da carreira internacional destas óperas? É também problemático: a língua francesa, por exemplo, não toleraria a tónica posta na primeira sílaba das palavras checas, e a mesma entoação adquiriria em francês um sentido psicológico inteiramente diferente.

(Há qualquer coisa de pungente, senão de trágico no facto de Janacek ter concentrado a maior parte das suas forças inovadoras precisamente na ópera, pondo-se assim à mercê do público burguês mais conservador que possa imaginar. Além disso, a sua inovação reside numa revalorização nunca vista da palavra cantada, o que quer dizer in concreto da palavra checa, incompreensível em 99% dos teatros do mundo. Difícil é imaginar uma maior acumulação voluntária de obstáculos. As suas óperas são a mais bela homenagem alguma vez prestada à língua checa. Homenagem? Sim. Sobre a forma de sacrifício. Ele imolou a sua música universal a uma língua quase desconhecida.)

 

Neste livro (que reli agora, depois de o ter lido pela primeira vez quando saiu, e de onde, de certo modo, retirei grande parte deste post), Kundera faz uma extraordinária apologia da música de Janáček. A ironia – e como é adequado que ela exista, tratando-se de um escritor para quem a ironia assume contornos tão sérios – é Kundera ter recusado imolar-se no mesmo altar. Exilado em Paris, adoptou a nacionalidade francesa e passou a escrever em francês. Pelo que não talvez surpreenda que os checos mantenham sentimentos ambivalentes a seu respeito. Mas Janáček não o merecia.

 

O final de Jenůfa, com legendas em inglês.

Contabilidade sexual

José António Abreu, 06.05.12
  

Nas cartas dirigidas a Flaubert, muitas delas de uma sã crueza de linguagem, Maupassant mostra-se orgulhoso da sua virilidade excepcional e chega a confessar-se farto de sodomizar judias!... A resposta foi simples: «experimenta pelo lado tradicional e pode ser que o teu tédio desapareça».

João Costa, no prefácio a As Sobrinhas da Viúva do Coronel, de Guy de Maupassant, Bertrand, 2007.

 

Será possível acharmos que vivemos numa época especialmente sexual – isto é, em que se faz mais sexo do que noutros tempos e de formas mais criativas? A década de sessenta, com a libertação feminina, o amor livre, o make love not war e o sex, drugs and rock ‘n’ roll, bem como a representação cada vez mais displicente (e inconsequente) do acto sexual na televisão e no cinema terão provavelmente contribuído para tal sensação. Mas corresponderá ela à realidade? Infelizmente, sendo, por um lado, os inquéritos sobre a frequência e os hábitos sexuais o que eram nos séculos anteriores ao último (inexistentes talvez seja o termo que procuro) e, por outro, os humanos (especialmente se possuidores de um cromossoma Y) propensos a mentir quando questionados sobre estas matérias, não é fácil ter certezas. Mas julgo podermos afastar desde já a hipótese de sermos mais criativos. Se as confissões de Maupassant, afloradas acima (e confesso tê-las usado essencialmente para vos chamar a atenção), não constituem grande indicador, há milhares de outras fontes onde podemos constatar que, basicamente, nos limitámos a melhorar alguns acessórios recorrendo à electricidade, à injecção de plásticos e aos circuitos integrados. Mas e a questão da frequência? O mesmo Maupassant terá possuído numa só hora, perante uma testemunha, seis mulheres num bordel parisiense. Mas relações envolvendo troca de dinheiro dificilmente representam a realidade ou a sensibilidade de uma época. Por outro lado, convém evitar dar excessivo crédito a declarações de machos com tendência para o priapismo – ou para a gabarolice. É por esta razão que os relatos do divino Marquês de Sade também não nos servem para caracterizar o que quer que seja. Podíamos ainda recorrer à Bíblia, que nos fala de Sodoma e Gomorra, ou a relatos gregos e romanos mencionando bacanais mas continua a ser difícil fazer comparações com os tempos actuais (como determinar se Calígula participava em mais ou menos orgias do que José Castelo Branco?). De resto, talvez seja melhor atermo-nos aos tempos e às regiões de influência cristã. Então, como fazer? Eu digo-vos: buscando na ficção não erótica de diferentes épocas a ideia que os autores transmitem sobre o que representa ter muitas relações sexuais. Claro que não obteremos o número de relações em que uma pessoa média se envolvia mas pelo menos obteremos uma noção do que era considerado excessivo. Sendo isto um post de blogue (necessariamente curtinho e to the point), vou limitar-me a um par de exemplos totalmente aleatórios e, dessa forma, estou em crer que totalmente representativos.

 

Comecemos pela actualidade e por uma série televisiva intitulada How I Met Your Mother ou, na versão portuguesa, Foi Assim Que Aconteceu. Nesta série, Barney Stinson, um awesome (definição do próprio) jovem mulherengo nova-iorquino com cerca de trinta anos, tem relações sexuais com a duocentésima mulher diferente durante a quarta temporada. Já perto do final da quinta, refere que a contagem vai em quase duzentas e oitenta (o que revela um considerável aumento de ritmo). Temos então que, de acordo com a mentalidade actual, fazer sexo com quase trezentas mulheres é mais do que suficiente para que um tipo de trinta e tal anos possa considerar-se (e ser considerado) um engatatão de primeira classe. Se Barney tiver iniciado a vida sexual aos quinze, isto dá uma média de catorze ou quinze mulheres por ano. Razoável, de facto, pelo menos quando comparado com a minha estatística pessoal – mas eu tendo a esquecer-me das coisas.

 

Antes de recuarmos no tempo e colocarmos à prova as façanhas de Barney Stinson convém explicar que toda a lógica deste post se aplica aos homens. E não por uma questão de machismo, pelo menos da minha parte. Apenas porque, no que respeita às mulheres, não há qualquer dúvida. Convenhamos que discutir o número a partir do qual uma mulher era classificada como – er, conquistadora nem sequer é o termo, pois não?... promíscua, então? – há um par de séculos não é mais do que escolher entre os algarismos um, dois e três, consoante se tratasse de um mulher solteira, casada pela primeira vez ou casada pela segunda vez após morte do primeiro marido. Felizmente, hoje a situação é bastante diferente (felizmente também para os homens, que têm – dizem-me – menores dificuldades em arranjar sexo barato). Ainda assim, sinto-me forçado a salientar que, décadas depois da tal «revolução sexual» dos anos sessenta, continua a notar-se uma diferencita no valor considerado excessivo para homens e para mulheres. Lembram-se da cena, em Quatro Casamentos e Um Funeral (de 1994, mas creio que ainda razoavelmente representativo) na qual a personagem interpretada por Andie MacDowell enumerava os amantes que tivera? Ela apenas chegou a trinta e qualquer coisa mas terminou corada de vergonha e, diante dela, a personagem interpretada por Hugh Grant começava a entrar em estado de choque. Ou seja, trinta e qualquer coisa parceiros sexuais já são demasiados para uma mulher de trinta e qualquer coisa anos mas quase trezentas parceiras sexuais ainda não embaraçam um homem de trinta e qualquer coisa anos (pelo contrário, ele continua a sorrir, orgulhoso).

 

Bom, mas então como era no passado? E a quem recorrer para obtermos uma ideia digna de crédito? Não existindo televisão nem cinema, resta-nos a literatura, o teatro e a ópera. Mantenhamo-nos nas artes performativas e usemos a última. Em Don Giovanni (parcialmente uma comédia, como How I Met Your Mother) Lorenzo da Ponte, o librettista que trabalhou com Mozart no mais famoso trio de óperas do pequeno génio austríaco, fez Leporello, o servo de Don Giovanni, explicar a D. Elvira, através da famosa ária do catálogo (ver abaixo Kyle Ketelsen como Leporello e Joyce DiDonato como D. Elvira na excelente produção da Royal Opera House de 2008, disponível em DVD e Blu-ray), que as conquistas do patrão ascendiam a:

In Italia seicento e quaranta;

In Alemagna duecento trentuna;

Cento in Francia, in Turchia novantuna;

Ma in Ispagna son già mille e tre.

Passando sobre a desfeita de Don Giovanni ter ignorado as mulheres portuguesas (porquê, João, porquê?), somem os números e chegarão a – prontos? – duas mil e sessenta e cinco conquistas sexuais. Ora Don Giovanni teria apenas vinte e dois anos de idade. Considerando uma vida sexual de sete anos, obtém-se a astronómica média de duzentas e noventa e cinco mulheres diferentes por ano. O que são, comparadas com isto, as catorze de Barney Stinson? A conclusão é dolorosa mas inevitável: a menos que na televisão actual se exagere afinal muito pouco, vai-se a ver e ainda temos muito que... muito que… ainda temos muito sexo a fazer.

 

 
(Imagens recolhidas aqui.)

Eiafeméride

Bandeira, 24.02.11

Há precisamente trezentos anos, o alemão Händel estreava a ópera italiana Rinaldo num palco inglês. O clip em baixo é do filme Farinelli, de Gérard Corbiau (se tem mesmo de saber, belga). Quem cantou esse Lascia ch’io pianga na estreia de 24 de Fevereiro, contudo, não foi o idolatrado castrato italiano, mas uma tal Isabella Girardeau; um estrondo, apesar das críticas mete-nojinho nos jornais do dia seguinte.

Almirena, filha do Godofredo – o líder baixinho da Primeira Cruzada, o leitor lembra-se – canta o seu desgosto por as coisas não estarem a correr muito bem com o namorado, o valente cruzado Rinaldo, sobre cujas largas espaldas se joga o sucesso (na verdade, foi um massacre) do cerco e subsequente assalto a Jerusalém. Não me peça para explicar a roupinha. O pavão, esse é autóctone da Terra Santa. Ou então eles levavam para lá – sabe, para dar um pouco de cor ao deserto.

Mas o que importa mesmo é o parabéns a ele, ao Händel, quero dizer, e ao Rinaldo também.