Uma das salas do Medieval
As cidades também nos conquistam pelo estômago: eis dois restaurantes clássicos de Évora agora revisitados para proveito de quem não anda em busca de modernices de importação nem da última moda mastigatória.
Já não é a primeira vez que menciono isto: considero Évora uma das capitais da gastronomia portuguesa. Regresso sempre com a certeza antecipada de que farei por cá refeições dignas de guardar na memória. E a convicção reforçada de que as cidades também nos conquistam pelo estômago.
Volta a acontecer-me. Comecei por matar saudades do Dom Joaquim, que já apresentei aqui: lá me esperava desta vez uma salada de camarão com papaia e manga (entrada), seguida de terrina de bochechas de porco estufadas em vinho tinto com esmagada de batata trufada e legumes salteados.
Mantém o patamar de excelência que me levou a elegê-lo como melhor restaurante da nobre e bela urbe alentejana.
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Superada a prova inicial com gosto e proveito, em dias subsequentes tenho lançado âncora noutras enseadas gastronómicas eborenses, aproveitando esta época em que por cá se circula com muito mais tranquilidade e desafogo do que nos Verões recentes, insuflados de turismo internacional.
Permiti-me revisitar o Medieval, um dos meus portos de abrigo na cidade, chova ou faça sol. Sei de antemão, por experiência acumulada, o que encontro nesta casa: genuína comida tradicional do Alto Alentejo, sem concessões a modernices de importação nem às mais recentes modas mastigatórias.
Antecipo um conselho: evitem trazer pressas. A cozinha cá do burgo tem o seu ritmo muito próprio de elaboração, nada condizente com o frenesim lisboeta daqueles que chegam afogueados e pedem «o que estiver mais pronto a sair» porque têm o carro «mal parado», não desgrudam os olhos do telemóvel e alegam «não ter tempo a perder com refeições».
Coitados. Sabem lá eles o que é perder ou ganhar...
Migas com carne de porco preto
Abanquei aqui pronto a matar saudades das típicas migas com carne de porco preto. Ele, o bicho, com fritura adequada. Elas como eu gosto: moldadas com água a ferver numa massa de pimentão e alhos pisados, depois douradas em frigideira ou tacho de barro antes de rumarem à mesa.
Casamento perfeito. E abençoado com um jarro de tinto da casa, oriundo da região de Borba.
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Noutro dia, pousei n' O Trovador. Menos popular e mais sofisticado do que o anterior, mas respeitando os pergaminhos gastronómicos locais. E mantendo a atmosfera caseira que tanto aprecio nestas incursões.
Aqui optei pela clássica sopa de cação, prato que só consumo no Alentejo. Chegou à mesa em dose abastada, convenientemente repartida: travessa reservada ao peixe cartilaginoso, parente dos tubarões, e a terrina onde repousava o caldo - numa base de azeite, cebola, alho, louro e abundantes coentros - e generosas fatias de bom pão de trigo alentejano.
A mistura é feita no prato, ao gosto de cada um.
Garanto-vos: em qualquer dos casos, apetece regressar. Não só pela qualidade do que se come mas pelo módico preço que se paga. E pelo incomparável sossego que se desfruta: o tempo aqui rende sempre mais.
Sopa de cação
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Restaurante Medieval
Rua do Raimundo, n.º 47, Évora.
Telefone 266 744 116.
Horário: 10.00-22.00. Encerra à segunda-feira.
Restaurante O Trovador
Rua da Mostardeira, 4-6, Évora.
Telefone 266 707 370.
Horário: 12.30-15.30, 19.30-23.00. Encerra ao domingo.