"Banho de ética" dos amigos de Rui Rio (epílogo com dois novos capítulos)
10 de Janeiro, 18h14:
10 de Janeiro, 22h50:
11 de Janeiro, 17h57:
19 de Janeiro, 21.06:
25 de Janeiro, 12.51:
26 de Janeiro, 14.25:
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
10 de Janeiro, 18h14:
10 de Janeiro, 22h50:
11 de Janeiro, 17h57:
19 de Janeiro, 21.06:
25 de Janeiro, 12.51:
26 de Janeiro, 14.25:
Como escreveram Gomes Canotilho e Vital Moreira, "o princípio democrático-representativo inerente à representação parlamentar justifica também o status representativo do deputado e do correspondente mandato livre cfr. art.º 155.º-1) que hoje justificará o seu estatuto autónomo perante instruções ou ordens dos colectivos partidários ou grupos parlamentares, inclusivamente, a manutenção do seu mandato apesar da saída de partido ou apesar da sua não disponibilidade para aceitar o << princípio da rotação >> erguido por certos partidos a princípio estruturante da sua actividade parlamentar"(Constituição da República Portuguesa Anotada, II Volume).
Pensar que o mandato é livre quando se está dependente de terceiros para quase tudo, até para se poder ter uma vida profissional fora da política, é demasiado mau. Quantos deputados poderão hoje reclamar um estatuto de liberdade?
O problema é político, mas mais do que isso é essencialmente ético. Não querer vê-lo é politicamente desqualificador porque as pessoas, os eleitores, não são estúpidos.
Com uma maioria absoluta e tudo sob controlo e a correr sobre rodas, perante uma sucessão interminável de problemas internos no governo, no parlamento e nas autarquias, o último dos quais é o caso da deputada "lobbyista", o líder parlamentar do PS entende que este caso "não afecta a imagem nem fragiliza a direcção" da bancada.
Claro, acredito mesmo que não há nada, rigorosamente nada, que afecte a imagem do PS.
E quanto à direcção de bancada, o brilho tem sido tão intenso que mais parece uma mina de diamantes a céu aberto.
É mesmo caso para dizer que se tratou de mais uma tirada brilhante.
Um ex-ministro do PS, já falecido, firmou doutrina dentro do partido ao proclamar: «A ética é a lei.»
Ficamos conversados quanto à propalada «ética republicana». E socialista.
Este gente não sabe nem sonha que a ética é anterior à lei - e enforma a boa lei - e também posterior a ela.
Nem percebe que por vezes a lei até viola a ética. É o caso, por exemplo, das leis que instituem a pena de morte. Ou das leis que validavam as práticas esclavagistas. Ou das que instituíam campos de concentração nos regimes totalitários, como o nazi e o soviético.
Presidente da Câmara de Espinho, suspeito de corrupção, renuncia ao mandato. O socialista Miguel Reis, que liderava aquela autarquia desde Outubro de 2021, foi detido na terça-feira pela Polícia Judiciária, que o investiga por corrupção activa e passiva, prevaricação, abuso de poder e tráfico de influências.
Rita Marques, ex-secretária de Estado do Turismo, forçada a rejeitar convite para trabalhar numa empresa a que reconheceu o estatuto de utilidade pública, permitindo benefícios fiscais, rejeitou o convite. Após o Presidente da República ter dito que não era uma situação correcta, nem do ponto do vista legal, nem no plano ético.
Carla Alves, secretária de Estado da Agricultura, demitiu-se após 25 horas no cargo. O marido, ex-presidente da Câmara de Vinhais, é acusado de corrupção e prevaricação: o casal tem contas bancárias arrestadas. Demissão ocorreu após o Presidente da República ter afirmado que Carla Alves «era um peso político negativo» .
Alexandra Reis, secretária de Estado da Tesouro, demitiu-se 25 dias depois de tomar posse e após quatro dias de polémica por causa de uma indemnização de 500 mil euros paga pela TAP, poucos meses antes, para deixar administração da empresa. Presidente da República comentou: «Conclusão política foi bem retirada.»
Miguel Alves, secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, forçado a demitir-se após ser acusado pelo Ministério Público do crime de prevaricação quando era presidente da Câmara de Caminha. Permaneceu apenas 55 dias no Governo, . Era há seis anos líder do PS-Viana do Castelo, função a que também renunciou.
Pedro Magalhães Ribeiro, assessor do gabinete de Costa e ex-presidente da Câmara Municipal do Cartaxo, demitiu-se por, segundo a Comissão Nacional de Eleições, ter "usado canais de comunicação da autarquia para fazer campanha eleitoral". É comum a actividade da CNE despertar-me reticências: vejo-a amiúde construir casos bastante forçados, como admito parecer-me este, e vejo-a também assobiar para o ar em situações muito mais graves. Mas isto diverte-me: António Costa escolhe-os a dedo. E agora fico a pensar: será que o questionário-maravilha anunciado por Costa já inclui a pergunta "Alguma vez usou canais de comunicação da sua autarquia para fazer campanha eleitoral", ou irá ele afinal ter 35 perguntas em vez das 34 anunciadas por Mariana Vieira da Silva?
Demos, no entanto, o mérito a quem o merece. Há meses, Mariana Vieira da Silva foi fustigada por ter empregado (com salário topo-de-gama) um jotinha recém-formado. É agora óbvia a sua perspicácia: se é necessário garantir que os nomeados não têm rabos-de-palha, vai-se buscá-los aos bancos de escola. E se mesmo isto não for suficiente, ainda veremos o próximo governo de Costa com ministros vindos - da creche.
Adenda (13/01/2023, 09:56): afinal, já vai em 36 perguntas em vez das iniciais 34.
... diz a ministra da Coesão Territorial ao Parlamento ao Público.
O César:
© Filipe Amorim/Global Imagens/TSF
Uma vez e outra e outra vejo repetida a estafada expressão "ética republicana". Que nunca me pareceu fazer sentido.
Ética é um conceito absoluto, não relativo. E os parâmetros éticos - como o mandamento "Não matarás" ou o imperativo categórico, de Kant - estão acima de regimes políticos, conjunturais por natureza.
Há sistemas políticos excelentes e péssimos. Mas não existe boa ou má ética. Neste contexto, é sempre oportuno recorrer à dicotomia estabelecida por David Runciman, com a sua questão já clássica: preferíamos viver na monárquica Dinamarca ou na republicana Síria?
A pergunta tem muito de retórico pois a resposta de cada um está conhecida de antemão. E ajuda a confirmar esta evidência, para mim inequívoca: ética é um daqueles substantivos que não necessitam de ser adjectivados. Quando lhe juntamos um qualificativo já estamos a desgraduá-lo.
Ontem ouvi um relato de um telefonema feito por um responsável de uma escola pública, dirigido ao encarregado de educação de um aluno com fraco aproveitamento escolar. Ao referido encarregado de educação foi proposto que dada a situação – entenda-se o perfil do aluno – se ele aceitava que o seu educando participasse nos exames nacionais como sendo aluno externo, evitando assim de prejudicar o ranking da escola.
Lamentavelmente o receptor da chamada não respondeu que aceitaria desde que a proposta fosse feita por escrito, e simplesmente declinou a ideia.
Umas horas mais tarde trouxe esse episódio à conversa com uma pessoa amiga reformada do ensino, e a reacção foi quase como de um encolher de ombros. Sim, essas coisas acontecem.
Lembrei-me de imediato da repetida ladainha de alguns professores que explicam os maus comportamentos de alguns alunos com as deficiências educacionais que estes trazem de casa. Será que podemos perguntar qual a referência moral que uma escola dá aos seus alunos, quando faz uma proposta destas?
Tentando ignorar a vertente ética de tudo isto, podemos dizer que o nosso atraso crónico resulta também desta menorização e desprezo da realidade. Prefere-se de longe as aparências e por elas vale sempre a pena maltratar umas estatísticas e arrendondar umas esquinas.
Depois de tentar arredar tudo isto do meu espírito, soube que o nosso PM quer mudar o modelo de contagem de casos COVID, para poupar o turismo no Algarve.
A atitude retratada pela expressão que dá o título a este postal, e que ganhou forma durante o domínio inglês do nosso país, no início do sec. XIX, faz realmente parte da nossa forma de estar na vida.
A leviandade com que enganamos os nossos compatriotas faz parecer que estamos mesmo convictos de que não nos estamos a enganar a nós próprios.
O filho do secretário de Estado da Protecção Civil é sócio de uma empresa que celebrou vários contratos com entidades públicas.
A Joule e a Joule Internacional, empresas detidas pelo pai, pela mãe, pelo irmão e pela própria ministra da Cultura, fizeram contratos com a Câmara de Lisboa e com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
O pai do ministro das Infraestruturas e da Habitação continuou, imparável, a celebrar contratos com o Estado apesar do filho fazer parte do governo.
O marido da ministra da Justiça assumiu publicamente ter deixado apenas de fazer contratos públicos com o Ministério onde a sua mulher exerce funções governativas.
Perante isto, Augusto Santos Silva, aquele que foi certo dia apresentado por um jornalista que o entrevistava como possuidor de uma "fina ironia", diz ser "um absurdo interpretar literalmente a lei de incompatibilidades". Diz isto mas não me parece ser um exercício da tal "fina ironia": é antes um corolário da frase que ficou colada a Almeida Santos "aos amigos tudo, aos inimigos nada, aos restantes aplique-se a lei".
1
O filho do secretário de Estado da Protecção Civil é sócio de uma empresa que celebrou vários contratos com entidades públicas, um dos quais por ajuste directo, num valor global superior a dois milhões de euros - situação expressamente proibida pela lei que regula as incompatibilidades dos titulares de cargos políticos.
O Governo adquiriu por mais de 300 mil euros e fez distribuir pelo País, via Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), milhares de estojos anti-incêndios - com material inflamável - produzidos por uma empresa de que é proprietário o marido de uma autarca socialista e que foi recomendada à ANPC pelo líder do PS no concelho de Arouca, também adjunto do gabinete daquele secretário de Estado, que até Setembro de 2017 presidia ao mesmo município.
Confrontado com estas notícias, o governante resiste a apresentar o pedido de demissão. Seguindo os péssimos exemplos da anterior ministra da Administração Interna e do anterior ministro da Defesa, que se agarraram até ao último momento ao umbral do portão governativo no rescaldo da tragédia de Pedrógão e da farsa de Tancos. Um e outro só acabaram por sair devido à pressão directa do Presidente da República.
2
Vivemos dias de lassidão ética e moral, com reflexos nas mais recentes notícias referentes à contínua diluição de fronteiras entre o exercício de funções políticas e a manutenção de interesses privados na órbita do Estado. Acompanho tudo isto, como a generalidade dos portugueses, e não posso deixar de fazer comparações. Quando António Guterres era chefe do Governo, por exemplo, dois ministros (Murteira Nabo em 1995 e António Vitorino em 1997) demitiram-se mal surgiram notícias alusivas à alegada falta de pagamento de um imposto entretanto abolido, a sisa, e um terceiro (Jorge Coelho) cessou funções em 2001, na própria noite em que ocorreu a tragédia de Entre-os-Rios, de que resultou a morte de 59 pessoas - número inferior às 116 vítimas mortais registadas nos incêndios de Junho e Outubro de 2017.
Outros tempos, outros modos. Outra noção dos princípios éticos e da responsabilidade pública.
ADENDA: Estado contratou o pai, a mãe e o irmão da ministra da Cultura.
Faz hoje dez dias, um troço de cerca de 100 metros de uma estrada confiada à guarda das entidades públicas - neste caso, a Câmara Municipal de Borba, sob a vistoria e supervisão da Direcção-Geral de Energia e Geologia e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes - abateu tragicamente, sobre uma ravina de cerca de 80 metros que tinha sido cavada, junto a ambas as bermas, por empresas extractoras de mármore. O acidente - se é que podemos chamar-lhe assim - provocou a morte de cinco pessoas. Por mera sorte, não se registaram mais vítimas mortais: o abatimento ocorreu ainda sob luz solar e num momento de trânsito reduzido nesta via que ligava Borba a Vila Viçosa e onde costumavam circular autocarros escolares, entre muitos outros veículos. Até o cortejo da volta a Portugal em bicicleta ali passara dois meses antes.
Repito: decorreram dez dias. E, uma vez mais, ninguém se demitiu: todos continuam firmes nos seus postos. Apesar de haver sucessivos alertas, que remontam a 2002, de especialistas pertencentes a entidades como o Instituto Superior Técnico ou a Universidade de Évora a alertarem para os graves danos ali gerados por eventuais deslizamentos de terras, potenciados em situações de chuva contínua. Já em 2006 o Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação classificara o local como zona de "alto risco".
Tal como em Pedrógão, quando só outra devastadora série de fogos florestais, quatro meses depois, conseguiu desalojar a ministra Constança. Tal como em Tancos, onde o ministro Azeredo demorou mais de um ano a extrair consequências políticas do furto ali ocorrido e que ainda permanece por esclarecer na totalidade. É um padrão na nossa administração pública: a ética da responsabilidade rumou a parte incerta.
Não sei quem faz assessoria de comunicação a Rui Rio, mas não está a resultar. Alguém lhe soprou ao ouvido que é necessário "aparecer", para dizer não importa o quê. É um péssimo conselho.
Há uns dias, o líder do PSD insurgiu-se contra o facto de o policiamento dos estádios ser pago com "os impostos dos portugueses". Estava mal informado pelo tais que lhe sopram ao ouvido. Esse policiamento é assegurado pela Federação Portuguesa de Futebol, entidade autónoma do Estado, financiada em larguíssima medida pela UEFA.
Hoje voltou a errar o alvo. Mas com maior gravidade. Ao defender o "voto secreto" no hemiciclo na apreciação dos quatro diplomas sobre a legalização da eutanásia que amanhã estarão em debate no Parlamento. Para Rui Rio, os deputados devem "agir em função da sua consciência" e, para o efeito, terão de sentir-se "completamente livres" neste processo de decisão - algo que, no seu entender, apenas o voto secreto assegura.
Extraordinário raciocínio, nada lisonjeiro para os 89 parlamentares do PSD. Rio, que não tem assento na Assembleia da República, entende que um deputado só se sente "completamente livre" quando decide por voto secreto, sem se submeter ao escrutínio da opinião pública em geral e dos seus eleitores em particular, passando incólume pelos pingos da chuva.
Eis uma amostra do tal "banho de ética" que o sucessor de Passos Coelho prometeu trazer à política portuguesa. Banho, sim. Mas apenas no sentido de meter água.
«Se há coisa de que Portugal hoje precisa é de um banho de ética»
Rui Rio, enquanto candidato à liderança do PSD, a 11 de Outubro
25 de Janeiro: Ministério Público investiga negócios da Câmara de Ovar, presidida por Salvador Malheiro, director da campanha de Rio entretanto designado vice-presidente do PSD.
19 de Fevereiro: DIAP de Lisboa investiga gestão de Elina Fraga enquanto bastonária da Ordem dos Advogados, na sequência de uma auditoria. Actual vice-presidente do PSD é suspeita de eventuais incumprimentos do Código da Contratação Pública e de violação dos estatutos da ordem.
13 de Março: Procuradoria-Geral da República manda abrir um inquérito ao caso da informação falsa no currículo de Feliciano Barreiras Duarte, novo secretário-geral do PSD.
Usa-se e abusa-se, por estes dias, da expressão "ética republicana". Ora ética, salvo melhor opinião, é daqueles substantivos que não requerem adjectivo modificativo ou valorativo.
Não existe uma ética republicana ou monárquica ou da esquerda ou da direita ou de cima ou de baixo.
Palavra de cinco letras que se basta a si própria. Ética, apenas. E fica tudo dito.
1) Multidão enfurecida decide linchar tripulantes de avioneta por considerar que estes deveriam ter obedecido ao imperativo moral de pôr em causa a própria vida para não provocar danos à integridade física de terceiros;
2) Multidão enfurecida percebe que, para linchar os tripulantes, terá de enfrentar 1 (um) basquetebolista com 2 (dois) metros de altura e outro tanto de largura;
3) Multidão enfurecida decide prescindir do imperativo moral que movia a sua sede de justiça para não pôr em causa a sua própria integridade física.
Eis um governo com uma insólita noção dos graus de responsabilidade política: demite-se um ministro por prometer duas metafóricas bengaladas no Facebook ao mais verrinoso colunista da imprensa, demitem-se três secretários de Estado por terem aceitado um convite de um grupo empresarial privado para assistir a um jogo de futebol.
Pode estar tudo muito certo, mas semelhante critério não devia estender-se, por larga maioria de razão, à ministra que tutela vários organismos que falharam na prevenção e no combate ao mais mortífero incêndio florestal alguma vez ocorrido no País e ao ministro que tutela as estruturas militares publicamente humilhadas no maior roubo de material bélico de que há memória entre nós?
Não sei o que os leitores do DELITO pensam sobre o tema. A minha opinião é clara: Constança de Sousa e Azeredo Lopes, detentores de pastas ministeriais ligadas à soberania e representação do Estado, estão a mais no Executivo. Ela desde o dia 18 de Junho, ele desde o dia 30. O facto de se manterem em funções constitui uma prova viva da existência de um inaceitável padrão de duplicidade ética neste Executivo. E nada como isto o fragiliza tanto.
Nos últimos dias explodiu uma bomba de Carnaval adiantada nos EUA. O site de notícias Buzzfeed decidiu publicar um relatório, não confirmado, de um espião britânico especialista sobre a Rússia, onde estaria indicado que a Rússia teria material incriminatório sobre Donald Trump e que o poderia usar para influenciar o futuro presidente dos EUA.
A razão para o relatório dar este barulho todo está ligada a próprio Trump. É de facto possível vê-lo a cair na "honey trap". E possível imaginá-lo a compremeter outros para aassegurar algumas promessas que fossem para si vantajosas. É possível imaginá-lo como cedendo aos jogos de Putin ou sua entourage. É, portanto, credível nas conclusões.
Só que isso por si só não pode ser razão para justificar a publicação do relatório por parte de um meio de comunicação social que quer ser credível. É uma das regras de ouro do jornalismo: verificação independente. Tudo o que seja menos que isso é perseguição, especulação e falta de ética. Mesmo nas páginas de opinião tal documento estaria mal.
A primeira emenda da constituição dos EUA protege enormemente a liberdade de imprensa. Por vezes dá a sensação de ser demais, mas no geral os benefícios compensam enormemente os problemas. Isso significa que o site Buzzfeed consegue estar relativamente a salvo, especialmente com a sua indicação que o relatório não tinha confirmação. Só que isso não os deve deixar a alvo da condenação pública. A publicação de tal relatório pode de imediato ser usada para atacar Trump com informação, na melhor das hipóteses incerta, e na pior falsa. Isso não é estratégia de um bom meio de comunicação social. É a estratégia de lixo como o Breitbart "News".
O pior foi no entanto a justificação do editor chefe do Buzzfeed, escrevendo aos seus trabalhadores, que é «assim que vemos a função dos jornalistas em 2017». Ou seja, publicação de relatórios não verificados, escrevendo que os americanos podem decidir por si próprios. e sem fazer uma avaliação crítica ou proceder a uma investigação independente. Por outras palavras, o site Buzzfeed está a resumir o trabalho dos repórteres à função de multiplicadores de boatos com um mínimo de comentário paralelo, pouco menos que aquilo que bloggers fazem.
É indiferente qual o alvo de tal acção ou quem a comete. O jornalismo não é isto. Isto é o que fazem os sites de clickbait e notícias falsas. Do jornalismo espera-se mais, é por isso que está, sob uma forma ou outra, protegido pela constituição de qualquer estado de direito onde exista liberdade. A minha opinião sobre Trump não se modificou (talvez tenha piorado), mas qualquer pessoa merece um jornalismo correcto. Ao negar tal ao próximo presidente dos EUA, o site Buzzfeed não só se nega a fazê-lo como presta um péssimo serviço ao jornalismo em 2017.
PS - como é óbvio não deixarei qualquer link para o relatório.
Pode dizer-se muita coisa sobre o caso Rocha Andrade - Galpgate? -, mas não se poderá dizer que todo o episódio não tem sido educativo no que à vetusta "ética republicana" diz respeito. Como os exemplos vêm, deviam vir, de cima, doravante os portugueses passam a estar mais preparados para lidar com a Autoridade Tributária (não se arranjava designação menos fascista?). Falhou o pagamento do imposto e recebeu a cartinha de multa com o jurozinho respectivo? Peço desculpa, Dona Autoridade, não sabia que isto devia ter sido pago há cinco anos; vou já ali regularizar a coisa e deixe lá isso dos juros, pode ser? Naturalmente, uma vez começada a descida da ladeira, o fundo da encosta é o limite - que é como quem diz, a lição bem pode ser aplicada às outras cabeças da hidra que é o Estado. Pois, Senhora EMEL, não sabia que não podia estacionar em cima da passadeira, mas guarde lá o bloquinho e esse tanganho para as rodas que eu tiro já o carro e fica tudo bem, não é? E como após falhar na curva já só resta mesmo o silvado, Ah, Menina ASAE, não sabia que tinha moscas na sopa, mas deixe-me ir ali ao tacho tirar as outras e a coisa passa.
É frequente comentar-se que em Portugal temos os políticos que merecemos; mas após anos e anos de chicos-espertos iletrados a chegarem a deputados e a ministros (a lista seria exaustiva, já que abrange todo o espectro partidário), começo a duvidar desse dizer popular. Que diabo: podemos até ter muitos defeitos, mas no fundo não fizemos mal a ninguém ao ponto de merecer isto.
Ao que parece, o Ministro Santos Silva acaba de declarar que a conduta de Rocha Andrade e de outros dois Secretários de Estado não merece censura, até porque vão reembolsar a entidade que suportou os custos do passeio. Ao mesmo tempo, promete um Código de Conduta para governantes nos próximos dias. Tendo em conta o padrão ético que os membros do Governo têm vindo a estabelecer, creio que será suficiente um documento simples, com nem meia-dúzia de parágrafos:
1 - Desde que não sejam descobertos, é permitido aos membros do Governo indicar morada no Algarve para receber subsídio de alojamento ainda que tenham residência em Cascais.
2 - Independentemente do respectivo valor, os membros do Governo podem receber benesses, descontos, incentivos, viagens, vales, prendas e o diabo a sete desde que não sejam descobertos.
3 - No caso de serem descobertos, os membros do Governo não serão ainda objecto de qualquer censura ou consequência desde que devolvam ou, quando menos, ameacem devolver a importância correspondente ao benefício obtido.
4 - As regras dos números anteriores deverão ser aplicadas extensivamente ou por analogia a todas as situações em que os membros do Governo assumirem condutas eticamente reprováveis ou em que, genericamente, fizerem merda.
5 - Ahahahah.
Podem pensar o que quiserem. E até aplaudir a sua atitude. Porém, não poderia deixar de registar a perfídia que se revela na atitude de quem um dia conta a sua vida familiar nas páginas das revistas cor-de-rosa para num outro dia emitir um comunicado destes, aliás compreensível para qualquer pessoa normal. Afinal, a mesma pessoa que considera que os seus pagamentos à Segurança Social ou ao Fisco são matéria do foro privado, esquecendo-se de que é primeiro-ministro, para acabar, da forma mais espantosa, em antevéspera de eleições e depois de assinar um acordo de coligação, a trair a confiança do sócio que o mantém no poder e a autorizar a publicitação de pormenores de muitíssimo mau gosto sobre a doença da sua própria mulher, não a poupando à exposição pública que antes queria evitar. Outros primeiros-ministros colhidos pelo infortúnio da doença não agiram assim. Nem antes, nem depois.
O passado que era criticável, e que foi atempadamente por tantos criticado, com inteira razão, tem servido para tudo. Há quem aceite isso. Eu não penso assim. E acrescento que o esforço feito pelos portugueses para se cumprir o programa de ajustamento, tudo aceitando para não se desonrarem ainda mais, não pode servir para justificar o deboche que nesta pré-campanha é oferecido aos portugueses pelo seu primeiro-ministro para ganhar mais uns votos.
Quem ainda ontem criticava os maus exemplos de alguns mamíferos não pode agora ficar calado. Não pode simplesmente dizer Ámen. A não ser que se seja da mesma linhagem.