Como é do conhecimento geral, a pandemia, na Alemanha, bateu todos os recordes neste Outono. Felizmente, a situação vai melhorando. Mas há grandes diferenças regionais. Enquanto a incidência (número de casos por 100.000 habitantes, no espaço de uma semana) nos estados do Sul e do Leste chegou a atingir valores de mais de 2.500 casos, no Norte, raramente passou dos 200 (está, digamos, ao nível da situação portuguesa). Haverá uma razão para tal? Bem, a grande diferença é a percentagem de vacinados e o número de negacionistas e/ou opositores das medidas de restrição. Apesar de a eficácia das vacinas não ser tão grande como pensávamos, não há como negar as evidências: no Norte, onde a percentagem de vacinados se aproxima da portuguesa, a situação tem estado controlada (felizmente, onde vivo); no Sul e no Leste, há concelhos com menos de 60% de vacinados.
O problema atinge extremos no Leste, principalmente, nos estados da Saxónia e da Turíngia (antiga RDA). As unidades de cuidados intensivos atingiram a ruptura, coisa que não se pensava ser possível, neste país, tendo sido necessário transferir doentes para os hospitais do Norte. Mas não nos iludamos: os negacionistas recusam-se a ver o óbvio, como se vivessem numa realidade paralela. E muitos deles tornam-se perigosos.
Ontem, a Polícia Judiciária da Saxónia fez buscas em vários apartamentos de Dresden, depois de ter sido detectado, no Telegram-messenger, um complô para assassinar o Ministro-Presidente daquele estado, Michael Kretschmer (da CDU, o partido da Merkel). Um homem foi preso, mas há mais quatro suspeitos, três homens e uma mulher, com idades entre os 32 e os 64 anos.
Uma história surreal tem-se vindo a passar em Königs Wusterhausen, uma pequena cidade a sudeste de Berlim: um homem, que matou a tiro a mulher e três filhas pequenas, suicidando-se de seguida, é festejado como mártir pelo grupo a que pertencia, criado no Telegram-messenger e intitulado Freiheitsboten Königs Wusterhausen - qualquer coisa como: “os mensageiros da liberdade Königs Wusterhausen”. Depois da tragédia, foi postada, nesse grupo, uma fotografia da casa da família, com as palavras: “ele era um amigo, assim como a sua mulher”. Na verdade, Devid R., o assassino suicida, falsificava certificados de vacinação e o patrão da esposa começou a desconfiar dessas actividades. Numa carta de despedida, Devid R. esclarece que assim agiu com medo de ser preso e de ficar sem as filhas. Passada semana e meia, um grupo de cerca de mil pessoas fez uma marcha pela cidade, festejando o seu mártir e apelando à rebelião contra as medidas sanitárias.
O caso mais surreal, até agora, deu-se, porém, na Áustria, país também conhecido pela sua baixa percentagem de vacinados e pelos movimentos negacionistas. Um grande mentor destes movimentos, Johann Biacsics, que não estava vacinado, deu entrada, no início de Novembro, num hospital de Viena, com dificuldades respiratórias e baixo teor de oxigénio no sangue. Os testes Covid deram positivo. Biacsics foi alertado para o seu estado grave, mas recusou o tratamento hospitalar, alegando que, se o seu problema era apenas a Covid, continuaria a tratar-se em casa com a administração, por via endovenosa, de uma infusão contendo dióxido de cloro, um “familiar” da lixívia!
Johann Biacsics acabou por morrer alguns dias depois, a 10 de Novembro. E que pensam disto os seus colegas de partido (o movimento está organizado num partido)? Pensam que Johann Biacsics foi envenenado, por ser uma ameaça à estratégia anti-Covid do governo! O seu próprio filho não hesita em afirmar: “Oficialmente, o meu pai consta da estatística de mortes por Covid. Mas eu sei que foi outra a causa”.
Sim, estamos cheios de pandemia e de restrições. Admito que algumas destas não façam sentido. Mas de nada adianta refugiarmo-nos numa realidade paralela.