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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 28.08.20

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Livro dois: Três Retratos - Salazar, Cunhal, Soares, de António Barreto

Edição Relógio d' Água, 2020

213 páginas

 

António Barreto destaca três figuras que deixaram marca no século XX português e justifica os motivos desta escolha em sucessivos blocos ensaísticos que nunca fogem da polémica. Os eleitos são António de Oliveira Salazar (1889-1970), Álvaro Cunhal (1913-2005) e Mário Soares (1924-2017). O primeiro, porque concentrou o poder quase absoluto durante quatro décadas consecutivas, moldando o País à sua vontade. O segundo, porque manteve o PCP durante meio século sob rígido controlo, impondo-lhe uma marca muito pessoal. O terceiro, porque rivalizou com o segundo na oposição ao salazarismo, sem destronar a hegemonia comunista neste combate mas vencendo-o no turbulento processo revolucionário pós-25 de Abril: protagonista no lançamento dos alicerces da democracia política em Portugal, foi primeiro-ministro e Presidente da República. «Estes três políticos viveram uns dos outros, porque viveram uns contra os outros.»

Não são olhares isentos nem descomprometidos. Barreto detesta Salazar e Cunhal, mantendo um indisfarçável apreço por Soares, com quem trabalhou como ministro no primeiro Governo Constitucional, e pertenceu ao núcleo central da sua campanha presidencial, em 1985.

As palavras mais agrestes estão reservadas ao antigo chefe do Governo e ao dirigente histórico comunista. Barreto, aliás, equipara-os em várias características: «Invulgarmente inteligentes, parece que detestavam os medíocres, mas estes foram-lhes indispensáveis. (…) O essencial, para ambos, era o seu próprio poder.» Mas nem Soares escapa ao crivo crítico do autor. No último capítulo, reservado ao fundador do PS, elege-o como herói da contra-revolução vitoriosa em 1976, mas critica-o na descolonização com a sua escrita acutilante que nunca perde elegância formal: «Queria simplesmente ver-se livre de África.» Em 1974 e 1975, sublinha, «os portugueses não negociaram coisa nenhuma, cederam, assinaram e vieram embora». Soares, ministro à época, viverá mal com esta memória até ao fim. Barreto testemunhou e cá está, felizmente, para nos lembrar.

 

Sugestão 2 de 2016:

Nada, de Carmen Laforet (Cavalo de Ferro)

Sugestão 2 de 2017:

Singularidades, de A. M. Pires Cabral (Cotovia)

Sugestão 2 de 2018:

Deuses de Barro, de Agustina Bessa-Luís (Relógio d' Água)

Sugestão 2 de 2019:

A Língua Resgatada, de Elias Canetti (Cavalo de Ferro)

Há quarenta anos.

Luís Menezes Leitão, 06.11.15

 

Faz hoje quarenta anos que ocorreu o célebre debate Soares-Cunhal. O tema na altura, segundo os comunistas, também era saber se o PS se aliava às forças da esquerda revolucionária ou antes à direita reaccionária. Cunhal, durante o debate, bem apelou a Soares para formar governo com o PCP. Este respondeu que, se o fizesse, ganharia seguramente a medalha Lenine, mas o país entraria numa ditadura e de ditaduras já lhe chegava a de Salazar e Caetano. Haverá melhor dia para António Costa anunciar que obteve o acordo com o PCP? Medalha Lenine para António Costa e já.

A avenida Álvaro Cunhal

Rui Rocha, 08.06.13

Leio que por especial deferência e iniciativa de António Costa, Lisboa conta agora com uma Avenida Álvaro Cunhal. Não se trata de uma excepção, uma vez que outros municípios já cometeram ou preparam-se para perpetrar iniciativas de idêntico calibre. É bem verdade que o país tem muito mais ruas do que filhos que mereçam distinção, pelo que devem aceitar-se como normais a massificação e a erosão de sentido do destaque toponímico. Todavia, uma coisa é colocar, à falta de melhor, o nome de um qualquer patarata numa placa de uma rua. Outra coisa é atingir o nível de cretinice necessário a que se promova a glorificação por instituições democráticas de quem nunca quis a democracia. Álvaro Cunhal combateu, é certo, o regime salazarento. Mas devemos ser capazes de distinguir ainda que os tempos sejam propícios à confusão. Uma coisa é combater uma ditadura para promover a liberdade. Outra coisa é combatê-la para a substituir por uma outra forma de opressão. A liberdade e a democracia são um valor em si mesmas. E porque é assim, é inaceitável o raciocínio daqueles que por acção ou omissão contribuem para que prolifere uma distinção entre ditaduras boas e más. As ditaduras, de direita ou de esquerda, de cima ou de baixo, são o que são. E são más. Execráveis. É por isso que uma certa aragem de politicamente correcto que desemboca numa atitude de tolerância perante o comunismo não pode ser admitida. É certo que, contrariando o pessimismo de Adorno, depois de Auschwitz podemos ainda voltar à poesia. Mas não podemos permitir que volte o nazismo. Pelo mesmo motivo, é realmente lamentável que depois dos milhões de vítimas provocados pelo comunismo e de o sistema não ter levado a outros resultados que não a colectivização da violência e da fome, aqueles que o defenderam e nunca o renegaram acabem não só por beneficiar de um julgamento histórico injustificadamente benevolente como ainda vejam o seu nome inscrito numa avenida, em claro desafio à dignidade democrática da cidade e do país.