Dez livros para comprar na Feira
Livro dois: Três Retratos - Salazar, Cunhal, Soares, de António Barreto
Edição Relógio d' Água, 2020
213 páginas
António Barreto destaca três figuras que deixaram marca no século XX português e justifica os motivos desta escolha em sucessivos blocos ensaísticos que nunca fogem da polémica. Os eleitos são António de Oliveira Salazar (1889-1970), Álvaro Cunhal (1913-2005) e Mário Soares (1924-2017). O primeiro, porque concentrou o poder quase absoluto durante quatro décadas consecutivas, moldando o País à sua vontade. O segundo, porque manteve o PCP durante meio século sob rígido controlo, impondo-lhe uma marca muito pessoal. O terceiro, porque rivalizou com o segundo na oposição ao salazarismo, sem destronar a hegemonia comunista neste combate mas vencendo-o no turbulento processo revolucionário pós-25 de Abril: protagonista no lançamento dos alicerces da democracia política em Portugal, foi primeiro-ministro e Presidente da República. «Estes três políticos viveram uns dos outros, porque viveram uns contra os outros.»
Não são olhares isentos nem descomprometidos. Barreto detesta Salazar e Cunhal, mantendo um indisfarçável apreço por Soares, com quem trabalhou como ministro no primeiro Governo Constitucional, e pertenceu ao núcleo central da sua campanha presidencial, em 1985.
As palavras mais agrestes estão reservadas ao antigo chefe do Governo e ao dirigente histórico comunista. Barreto, aliás, equipara-os em várias características: «Invulgarmente inteligentes, parece que detestavam os medíocres, mas estes foram-lhes indispensáveis. (…) O essencial, para ambos, era o seu próprio poder.» Mas nem Soares escapa ao crivo crítico do autor. No último capítulo, reservado ao fundador do PS, elege-o como herói da contra-revolução vitoriosa em 1976, mas critica-o na descolonização com a sua escrita acutilante que nunca perde elegância formal: «Queria simplesmente ver-se livre de África.» Em 1974 e 1975, sublinha, «os portugueses não negociaram coisa nenhuma, cederam, assinaram e vieram embora». Soares, ministro à época, viverá mal com esta memória até ao fim. Barreto testemunhou e cá está, felizmente, para nos lembrar.
Sugestão 2 de 2016:
Nada, de Carmen Laforet (Cavalo de Ferro)
Sugestão 2 de 2017:
Singularidades, de A. M. Pires Cabral (Cotovia)
Sugestão 2 de 2018:
Deuses de Barro, de Agustina Bessa-Luís (Relógio d' Água)
Sugestão 2 de 2019:
A Língua Resgatada, de Elias Canetti (Cavalo de Ferro)