Tácticas à esquerda
O João André, meu colega de blogue, publicou aqui no DELITO um texto no qual se insurge contra um post por mim publicado. Diz o João que o post em causa não passa de uma mera “boca”. Tem toda a razão. É, de facto, uma “boca”. No que a isto diz respeito, pela minha parte, não há polémica.
No entanto, a dita “boca” não foi movida por qualquer ânimo de difamação, ao contrário do que é sugerido pelo João André. O meu único propósito foi o de obter concordância linguística. Passo a explicar. Desde a sua fundação, uma parte substancial da actuação política do Bloco de Esquerda incide precisamente em provocações “simples e destituídas de reflexão”, cujo único intuito é o de achincalhar os seus adversários. Recordemo-nos, por exemplo, do célebre debate televisivo onde Francisco Louçã disse que Paulo Portas não podia falar de aborto porque não era pai. E, para não desfiar um rosário de boutades inenarráveis do mesmo teor, fiquemo-nos pelo caso recente do cartaz “Jesus também tinha dois pais”. Isto para não me alongar sobre aquilo que é a despesa política quotidiana do Bloco, onde as palavras “fascista” e “ladrão” são usadas de forma acrítica – aqui sim, João, “acrítica” – para expressar indignação. Mas enfim, pelo que posso perceber, para o João André nada disto tem um móbil difamatório ou é insultuoso. Só a minha “boca” é que foge ao tom.
O meu post é, como referi, uma “boca”. Como essa é a linguagem do Bloco, pareceu-me adequado. Contudo, ao contrário da praxis bloquista, não fui ofensivo. Quis tão simplesmente pôr em evidência a gritante e descarada dualidade de critérios do BE. Quando há um partido de esquerda no Governo (sobretudo com o Bloco a apoiar esse Executivo), os princípios são uns. Quando há um Governo de direita, já são outros. Faz lembrar um pequeno conto do Rubem Fonseca, autor descrito – e bem – pelo nosso Pedro Correia como um “dos maiores prosadores da língua portuguesa”. Nesse micro conto, escreve o magnífico autor brasileiro que “o que é nosso é sempre bom, pode ser um peido ou uma xícara de café; o que é dos outros é sempre ruim, pode ser um peido ou uma xícara de café”. E assim anda o Bloco. Há anos. E é tudo uma questão de propriedade privada.
Vamos então ao radicalismo que, segundo o João André, é um termo desadequado para caracterizar o BE e o PCP. Portanto, quem tem as suas origens e matriz política fundadas no marxismo-leninismo ou numa amálgama de trotskistas e maoistas é moderado. Fico mais descansado, João. A conversa podia ficar por aqui, mas não resisto a um momento chave no argumento do meu colega de blogue: PCP e BE não são radicais porque têm “representação parlamentar e [porque] seguem as regras da democracia.” Ou seja, porque elegeram deputados, porque respeitam os resultados eleitorais e porque respeitam os procedimentos institucionais do Estado não são radicais. Certo. Depreendo, portanto, que a Frente Nacional francesa, a AfD alemã e a Aurora Dourada grega não são formações políticas radicais. Lamento, João, mas temo que as nossas concepções de “radicalismo” e de “democracia” sejam irreconciliáveis. Creio que isto responde à insinuação pedestre a respeito da minha opinião sobre Donald Trump. Se não responder, João, lê este texto – tem “bocas”, desculpa – e vê as ligações que nele constam.
Por último, entendo que, segundo o João André, um blogue é um espaço onde apenas podem existir opiniões “altamente justificadas e fundamentadas”. Discordo, pois considero que há espaço para tudo. Porém, se só existe espaço para teses “altamente justificadas e fundamentadas”, há aqui no DELITO inúmeros posts dignos do teu repúdio, caro João. Mas escolheste o meu. Fico grato e tomo boa nota.
Termino manifestando uma certa ternura pelo intróito do João André. Escreve o meu colega de blogue que é de esquerda, mas que tem “sempre respeito por quem tem opiniões diferentes” das suas. Mutatis mutandis, é igual à advertência encalacrada atenção-que-eu-tenho-um-amigo-gay!, dita por quem se prepara para soltar uma qualquer alarvidade homofóbica.