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Delito de Opinião

Tabelião de Costa no hemiciclo de S. Bento

Eurico Brilhante Dias

Pedro Correia, 18.05.22

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Esta foi a semana em que se dissiparam os disfarces: o PS dispõe de maioria absoluta e vai usá-la até ao limite, abusando dela se for necessário. Acaba de acontecer a propósito da inaceitável comissão de recepção russa a refugiados de guerra ucranianos na Câmara de Setúbal, quando já se sabemos que esses supostos agentes do Kremlin andavam há anos a ser investigados pelos serviços de informações portugueses.

O chumbo socialista à audição do autarca setubalense, requerida por bancadas da oposição, teve pelo menos a virtude de confirmar que o PS não brinca às maiorias absolutas. A vida parlamentar será doravante aquilo que António Costa ditar ao líder nominal da bancada rosa, por sinal alguém que na campanha interna do partido, em 2014, alinhou com António José Seguro. Parece ter sido há uma eternidade.

 

Eurico Jorge Nogueira Leite Brilhante Dias, 50 anos, sucedeu a Ana Catarina Mendes como dirigente dos socialistas no hemiciclo de São Bento. Mas o verdadeiro líder parlamentar é o próprio António Costa, ninguém duvida. Neste caso tendo como figura intermédia precisamente Ana Catarina, entretanto nomeada ministra dos Assuntos Parlamentares. Não se prevê turbulência, ao contrário do que sucedeu na malograda legislatura 1999-2002, à época do hesitante António Guterres, quando o PS estava a um deputado de preencher a maioria absoluta, com 115 deputados.

Brilhante Dias, que foi secretário de Estado da Industrialização entre 2017 e 2021, causou celeuma em Setembro do ano passado ao afirmar que «nós ganhámos com a covid-19», mesmo com tantos mortos, porque «Portugal mostrou-se um país muito organizado que enfrentou uma realidade muito disruptiva com sucesso». Uma semana depois, como é hábito entre nós, já tudo estava esquecido. Costa até o recompensou, designando-o para a actual função. Ele, grato, agirá como prestável tabelião do que for decidido superiormente.

 

Só faltou ao PS uma narrativa consistente para justificar o veto à audição do autarca de Setúbal, que já recusara esclarecer a Assembleia Municipal da cidade sadina não apenas sobre as ligações à Rússia mas também sobre o facto de o município funcionar desde 2018 sem encarregado da protecção de dados, incumprindo a lei.

Alegam os socialistas que não compete à Assembleia da República fiscalizar o desempenho de responsáveis autárquicos. Não pareciam pensar assim há onze meses, quando aprovaram a deslocação ao parlamento de Fernando Medina, enquanto presidente da câmara de Lisboa, para ali ser questionado sobre a lista de activistas da oposição russa fornecida à embaixada de Moscovo em Portugal pelos serviços camarários.

Menos debate, menos esclarecimentos, menor transparência: não parece animador o novo guião em São Bento. Se ainda fosse secretário de Estado, talvez Brilhante Dias repetisse que Portugal é capaz de enfrentar «uma realidade muito disruptiva com sucesso». Quem diz Portugal, diz o PS – como se fossem sinónimos.

Desta vez não disse, mas se calhar pensou.

 

Texto publicado no semanário Novo.

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