Sven-Göran Eriksson
A primeira vez que ouvi falar dele foi quando vi em directo os jogos da final da Taça UEFA de 1982 entre o IFK Göteborg e os alemães do Hamburgo. Os suecos venceram a primeira mão por 1-0. E a seguir deram três secos aos alemães, levando o troféu para casa. O primeiro conquistado por uma equipa sueca.
Nesse dia fiquei impressionado com a qualidade e a velocidade do contra-ataque dos nórdicos, que nessa caminhada até à final eliminaram o SK Sturm Graz, o FC Dinamo Bucuresti, o Valencia CF e o FC Kaiserslautern. O IFK Goteborg ainda ganhou no mesmo ano o Campeonato e a Taça da Suécia.
O homem por detrás do êxito era Sven-Göran Eriksson. E nunca pensei que meses volvidos estivesse a desembarcar em Lisboa para orientar o Sport Lisboa e Benfica. Acabaria por fazê-lo por duas vezes, entre 1982 e 1984 e depois nas épocas de 1989 a 1992, e creio que em ambas foi feliz, contrariando a ideia de Pavese.
Com Eriksson ao leme o Benfica venceu três campeonatos, conquistou uma Taça de Portugal e uma Supertaça, esteve presente em duas finais europeias (Taça UEFA e Taça dos Campeões). Era um tempo de grandes jogadores e de grandes presidentes: Fernando Martins e João Santos. No final da sua segunda passagem por Lisboa, a partir de Abril de 1992, chegaria Jorge de Brito, outro incontornável do universo benfiquista.
Os êxitos desportivos, o estar na ribalta do futebol europeu, era importante para todos, ninguém o negará. Isso era certo. Porém, creio que aquilo que verdadeiramente nos cativou em Sven-Göran Eriksson foi a sua cultura desportiva, a generosidade do seu carácter, a calma com que perfurmava todas as suas intervenções, o trato com os adeptos, a disponibilidade para ouvir as críticas e esclarecer as opções da equipa.
Acima de tudo, o respeito para com a instituição e os adversários, o amor ao clube, à cidade e a Cascais, o que aliado à sua educação e à elegância com que fazia as coisas e as transmitia para a equipa, dentro e fora das quatro linhas, elevavam-no à categoria de homem de excepção.
Treinou grandes clubes em Itália (Roma, Florentina, Sampdoria, Lazio), em Inglaterra (Manchester City e numa fase mais avançada o Leicester), na China (Guangzhou, Shanghai SIPG e o Shenzhen), dirigindo nos intervalos as selecções nacionais de Inglaterra, onde foi o primeiro estrangeiro a fazê-lo, do México, da Costa do Marfim e das Filipinas, sem jamais esquecer o primeiro clube que treinou fora da Suécia e o projectou para uma grande carreira internacional.
Voltou várias vezes a Portugal e ao Estádio da Luz, local onde se sentia em casa e era justamente acarinhado por quem sempre o reconheceu como um dos da família. Foi um dos poucos que percebeu a dimensão do clube e era capaz de sofrer connosco nos maus momentos sem desatar a insultar tudo e todos.
A visita que fez ao Estádio da Luz em Abril passado, na sequência do prémio que lhe foi atribuído na Gala Cosme Damião, que celebrou os 120 anos do Benfica, e a justíssima homenagem que lhe foi prestada a anteceder o jogo com o Marselha para a Liga Europa, onde, ciente da irreversibilidade da sua doença, aproveitou para se despedir dos adeptos, num momento de grande emoção, serão por todos recordadas.
De Eriksson, tal como sucede com um outro grande homem que recentemente nos deixou, Manuel Fernandes, mais do que os títulos, as vitórias e as homenagens, recordarei o modo como sempre se comportou, encarou amigos e adversários, e a todos deu uma lição de humildade e de esperança nos bons e nos maus momentos.
Isto sempre distinguirá os homens de carácter dos outros; traçará a fronteira entre os que estão sempre presentes depois de partirem e os que, por muitos títulos e muita riqueza ostentada, nunca se erguerão acima da massa, do patamar da suficiência. Nunca farão a diferença.
E continuará a distinguir no futuro.
Sempre com a mesma simplicidade, a mesma ternura, a mesma educação, o mesmo amor pela vida.
Até ao fim, sem jamais deixar de sorrir e de agradecer a sorte que foi ter podido ser ele.