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Delito de Opinião

SuperNature de Ricky Gervais

Paulo Sousa, 30.05.22

Lembro-me de uma vez, no adro da igreja, à saída de uma cerimónia qualquer, ter ouvido uma muito acintosa reprimenda por ter dito “pontapé no cu”. Segundo a senhora dona beata que me corrigiu, a forma não ofensiva deveria ser “pontapé no rabo”. “Não te ensinam isso em casa?”. Esta pergunta tinha outro alcance, que na altura não atingi, mas essa terá sido a primeira vez que me recordo de ter lidado com polícias da linguagem.

É engraçado como nesse tempo, no final dos anos 70, eram as forças conservadoras que ainda insistiam em consumir as suas energias na correcção da forma como os outros se exprimiam.

Acabou por ser mais rápido, mas tal como o norte magnético do globo, que se vai deslocando continuamente para daqui a uns milénios chegar ao hemisfério sul, o policiamento da linguagem acabou por ter sido adoptado, poucas décadas depois, pelas forças ditas progressistas.

Já excluindo o efeito “não é o que disseste, mas a forma como disseste”, a lista de tudo o que se pode dizer sem ofender alguém não pára de aumentar.

Pode fazer-se anedotas sobre alentejanos, sobre padres e freiras, sobre fanhosos, sobre anões, sobre tipos com óculos, sobre prostitutas, sobre drogados, sobre marrecos, sobre políticos que acreditaram no Sócrates, sobre infectados com covid e mais o que a imaginação permita, mas, atenção, nem pensar em gozar as minorias que exigem ser tratadas de forma inclusiva. Talvez por não terem reparado, incluir estas minorias no anedotário é também uma forma de inclusão. Esta piadola não é minha, mas de Ricky Gervais no seu mais recente especial, SuperNature, publicado na Netflix.

ricky gervais.png

Ricky Gervais, neste seu espectáculo, faz quase o pleno nos temas sobre os quais é suposto não se poder brincar. Ao vê-lo lembrei-me mais vezes das beatas dos anos 70 (que de tanto se persignarem tinham calos na testa) do que do universo Woke, que é também referido pelo autor.

Chamar corajoso a Ricky Gervais é um exagero, pois não passa de um tipo a dizer umas piadas, em que algumas delas estão longe de ser geniais, mas sempre que oiço alguns palermas a querem calar a boca a outros eventuais palermas, acho que faz falta quem goze com todos eles. Assistir ao SuperNature não resolve nenhuma destas questões, não reeduca ninguém, mas ajuda-nos a rir destes nossos dias que vivemos. Eu gostei.

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