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Delito de Opinião

Sou pró vida boa

Teresa Ribeiro, 13.02.20

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Inesquecível, aquela cena em que o Conde de Almásy, interpretado por Ralph Fiennes, pede à enfermeira Hana, a personagem de Juliette Binoche, que o mate. Não falam. Ele pede-lho com o olhar e ela desaba em lágrimas. O seu paciente inglês, um destroço humano com o corpo totalmente queimado, fartara-se de tanto sofrer. Por isso, a soluçar, ela obedece e liberta-o.

Quantos dos que hoje integram os movimentos "pró vida" se terão comovido com esta cena? E quantos destes terão, no escurinho do cinema, compreendido e aceite a decisão daquela enfermeira? O cinema, porque nos torna omniscientes enquanto espectadores, é por vezes muito eficaz a desatar os nós morais que nos tolhem o raciocínio.

"O Paciente Inglês", a obra-prima de Anthony Minghella, não passa, porém, de um filme. Falemos pois da realidade. Por exemplo, a de Ramón Sampedro, o marinheiro que ficou tetraplégico após um acidente de mergulho. A sua história é muito conhecida porque deu um outro filme: "Mar Adentro", de Alejandro Amenábar. E deu um filme porque ele teve de lutar, durante oito anos, para conseguir fazer suicídio assistido, tendo até escrito um livro em que partilha os seus estados de alma. Chamou-lhe "Cartas desde o Inferno".

Ramón Sampedro viveu durante 30 anos preso a uma cama e a um corpo inerte. Só de imaginar que tal me pudesse acontecer, angustia-me. Que sofrimento atroz! Enquanto faço este simples exercício, que é o de tentar colocar-me na pele do outro, penso naqueles que se sentem no direito de proibir o suicídio assistido e então pergunto-me: com que autoridade?

Instalados no conforto das suas vidinhas sem dor, dizem que o que é preciso é apostar nos cuidados paliativos, sabendo que o que não faltam são exemplos de pessoas que recebem cuidados paliativos de excelência e que mesmo assim querem morrer. Os cuidados paliativos não resolvem tudo, essa é a verdade. Mas os donos da ética preferem ignorá-lo, ocupados que estão a colocar os seus princípios humanistas acima da incómoda realidade.

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