Sobre o nosso nono centenário
Num jantar com uns amigos, dei por mim a debater esta coisa que é Portugal a caminho do seu nono centenário.
Li algures que a nossa identidade, independência, conceito de estado-nação, depois de tudo ser bem espremido, dependeu sempre muito mais da nossa geografia do que de mérito próprio. Estando aqui, no fim da estrada, onde ninguém passa a caminho de lado nenhum, livramo-nos dos impérios em marcha. Excepção única às tropas francesas no início do século XIX, que onde julgavam encontrar a glória de mais uma conquista, encontraram apenas uma sangrenta rotunda. A despesas próprias, descobriram também que os aqui residentes eram de brandos costumes, até deixarem de o ser.
Além da geografia, atrevo-me a acrescentar outro factor não menos importante. Refiro-me à proporção da nossa dimensão relativamente à de Espanha. Se fôssemos maiores, ao ponto de podermos constituir uma ameaça para eles, já se tinham entretido em nos eliminar. Se fossemos menores, ao ponto de não podermos resistir a um investida, já nos tinham absorvido. Assim, além da geografia, a fórmula do nosso “sucesso”, salvo seja, passará também pela relação de força comparativa com nuestros hermanos.
Quem nos olha a partir da Ucrânia ou de Israel, achará que se alguém sabe andar nisto, somos nós, os portugueses. É inquestionável que a nossa longevidade nacional nos faz lidar com os embates do dia-a-dia de outra forma. No exacto momento em que nos sentimos apodrecer perante o imobilismo da centenária adicção à burocracia, alguém que nos observa fora do país acena a cabeça e pensa que sim senhor, como era bom podermos viver assim, relaxados, anestesiados, ocupados a lidar com banalidades. No exacto momento em que, perante o absurdo, o impensável, o despropósito de um serviço público, em vez de berrar como se impunha, em vez de bater com os punhos no balcão de uma repartição, em vez de denunciar um inerte prevaricador, optamos por não colocar em risco a própria saúde, damos umas gargalhadas, entremeadas pelo clássico, isto só neste país.
Esse deve ser o nosso mais bem guardado segredo. A alienação é a nossa chave.
Fazendo jus a quem elogia esta cinzenta maneira de estar, aparentemente desligada da realidade, arrisco dizer que a melhor celebração de mais um centenário, que, entretanto, chegará, é fazer o mesmo que se fez com o quinto centenário de Camões. Não se celebrar coisa nenhuma, será provavelmente a forma mais portuguesa de assinalar o que, para outros, parece ser impossível de alcançar.