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Delito de Opinião

Sobre o manifesto (8)

Pedro Correia, 21.03.14

Tem sido gabado o mérito das propostas do chamado manifesto dos 70 no plano económico-financeiro ou da cidadania, por vezes com frases que surpreendem pela grandiloquência: chega a haver quem ache que este documento constitui a prova viva de que estamos "condenados à liberdade".

Mas será assim?

Entendamo-nos: nada do que nele vem expresso, no plano económico, é original. Pouco se concretiza -- e, desse pouco, quase nada depende dos decisores nacionais. O Economista Português destaca a "fraqueza das propostas construtivas" do manifesto. Exemplo: "O texto sobre a competitividade é um selecto acervo de lugares-comuns desprovidos de operacionalidade". Enquanto o insuspeito Jorge Bateira, no jornal i, considera a que a proposta dos signatários "assenta em dois pilares muito frágeis: a viabilidade política da renegociação das dívidas na União Europeia e a capacidade de crescimento da economia portuguesa com os instrumentos de política de uma região autónoma, sob tutela do Tratado Orçamental".

 


Mais: "Como é que é possível que este manifesto escamoteie totalmente todos os custos associados a uma reestruturação da dívida, apresentando-lhe apenas os benefícios? Como é possível fazer escolhas informadas só com a metade boa da informação?" Interrogações de Pedro Braz Teixeira (também em artigo no jornal i), cuja perplexidade partilho.
Facto inegável: o manifesto passa praticamente ao lado do problema fulcral da economia portuguesa, que é o crescimento. E de outro, que se tornou iniludível e em grande parte se relaciona com o primeiro: a necessidade de conter a espiral da despesa pública. Nos últimos cem anos, a nossa década de menor crescimento foi precisamente a primeira do século XXI, quando continuávamos a receber fundos estruturais no âmbito do quadro comunitário de apoio.
Isto significa que o mal já vem de longe e não pode ser solucionado, no todo ou em parte, com as receitas que nos trouxeram aqui. Receitas que nos conduzem não aos três D de 1974 mas aos três D de 2014: despesa, dívida e défice.

 


De qualquer modo, o manifesto é relevante do ponto de vista político. Não por trazer a assinatura de algumas personalidades de direita, aliás quase todas comprometidas com as políticas que conduziram Portugal à presente situação, mas por incluir personalidades de grande peso político situadas à esquerda do PS. Com destaque para Francisco Louçã e Fernando Rosas, que descolam das habituais posições de trincheira dessa área política para um singular aggiornamento, indiciando estar enfim algo a mover-se na esquerda portuguesa rumo a soluções governativas de futuro. Sem necessidade sequer do recém-nascido partido Livre para desempenhar essa missão.
Isto mesmo foi intuído por Francisco Assis, com notável sentido premonitório, no seu texto de ontem no Público.
"O que é estranho não é a assinatura desses homens e dessas mulheres oriundos da direita -- é, pelo contrário, a adesão de um dirigente histórico do Bloco de Esquerda [Louçã]. Esse acontecimento tem um grande significado. É possível uma política diferente", escreve o cabeça de lista do PS às eleições europeias.
Degelo à vista na esquerda, pondo fim a um dos principais bloqueios da política portuguesa? Se o manifesto servir para isto, já terá utilidade. O resto é sobretudo folclore político-mediático, algo em que manifestamente o País não sofre de qualquer défice.

6 comentários

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    Pedro Correia 22.03.2014

    Percebo perfeitamente o seu ponto de vista e não discordo do essencial, Vento. Mas os exemplos são sempre úteis para que outros possam entender melhor.
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    Vento 22.03.2014

    De uam forma rápida, Pedro.

    http://www.publico.pt/economia/noticia/relatorio-da-comissao-das-ppp-arrasa-socrates-regulador-e-gestao-da-estradas-de-portugal-1597609

    http://www.publico.pt/economia/noticia/ppp-rodoviarias-acumularam-defice-de-432-milhoes-ate-setembro-1627549

    http://www.publico.pt/economia/noticia/aepsa-diz-que-ja-tinha-alertado-para-problemas-nas-concessoes-de-agua-1626614

    http://www.publico.pt/economia/noticia/maioria-das-concessoes-de-agua-a-privados-obriga-camaras-a-suportar-as-quebras-no-consumo-1626508

    http://www.publico.pt/economia/noticia/municipios-da-amarsul-questionam-constitucionalidade-da-privatizacao-da-egf-1629240

    http://www.publico.pt/economia/noticia/regulador-alerta-que-maioria-das-concessoes-e-anterior-a-existencia-de-regras-claras-na-partilha-de-riscos-1626637

    Espero que ninguém se sinta mal com dados de estudos elaborados por entidades idóneas ainda que publicados pela esquerda:
    http://www.esquerda.net/dossier/quem-ganha-com-parcerias-p%C3%BAblico-privadas/27117

    Remeto também para matéria de swaps que parecem estar esquecidos, mas também para as rendas pagas, e refiro-me naturalmente ao valor pago pelo serviço de cobrança da taxa audio-visual (4,7 milhões).

    Não refiro o valor de juros, repito juros (taxa média, repito média, 4%) cobrados pelo empréstimo feito a Portugal, dos quais doze mil milhões para ajudar a banca, que em 2011 tinham sido contabilizados pelo montante de 34.400 mil milhões. E não faz parte deste argumento a situação do BPN e BPP que beneficiou também toda a banca e agravou a nossa condição.

    E por último, de todas as estruturas existentes, e suportadas por toda uma nação, será que já foi contabilizado o que o Estado deixou de receber com a alienação de património (EDP, PT, GALP, CTT...)?
    É isto que é considerado investimento? Mudar de mãos as empresas lucrativas?

    Em suma, quanto cresceu a economia depois que as privatizações ocorreram?

    Se tudo isto for considerado produtivo, tenho a certeza que todos compreendemos a razão de tão grande produtividade que a nação não carece.
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    William Wallace 22.03.2014

    Acho que o Pedro Correia ainda não percebeu , é melhor dar mais uns exemplos ?!

    Em termos económicos Portugal está estrangulado por monopólios no sector energético , bens e serviços e no futuro agro-pecuário e depois existe o oligopólio da banca dita privada mas se for feita uma análise concreta aos proventos da banca verifica-se que os mesmos provém de negócios em que o Estado é o maior contribuidor liquido.

    Portugal é um país pequeno em que não existe competitividade pelos factores que nomeei acima, além de que os serviços do estado que pomposamente se designa de estado social (Educação / Saúde) estão a ser retalhados em pequenas PPP ficando o Estado com os custos e os privados com os lucros , ora isto tem de parar imediatamente e ser revertido em 3 a 5 anos.

    As PPP devem ser todas nacionalizadas a 51% , assim como a EDP , a GALP ,CTT, PT, Brisa e estruturas aeroportuárias pois não existe concorrência e sendo assim mais vale permanecerem em mãos do estado mas com regras de gestão privada. Quanto á banca não é preciso fazer nada pois ainda existe a CGD que ajuda a regular o mercado e a única alteração seria baixar os salários e benefícios dos quadros superiores para níveis muito mais próximos do mero gerente de agência pois hoje se existe sector competitivo é do mercado de trabalho e as pessoas aprenderam que nem o que reluz é ouro.

    A regulação do comércio em grandes superfícies deveria ser diferente da do pequeno comércio sendo que os hipermercados deveriam ser fortemente vigiados e sobretudo Punidos sobre as práticas abusivas que impõem aos fornecedores, clientes e trabalhadores.

    A nível agro-pecuário e pescas deveriam promovidas politicas de produção extensiva e na medida do possível fortemente ecológica , não deveria ser permitido a construção de imóveis ou campos de golfe em zonas que poderiam gerar retorno agrícola e não puramente especulativo.

    Hoje a reforma do estado é muitos mais fácil de fazer graças ás novas tecnologias , qualquer cidadão* * tem acesso á internet e as plataformas de EGov deveriam ter as funcionalidades e eficiência de uma loja on-line moderna, rápida e eficaz.
    Deveria reduzir-se drasticamente o números de câmaras municipais agregando serviços e fazendo economias de escala , as juntas de freguesia urbanas ou dentro de um perímetro urbanos de 15 a 20Km serem todas extintas e não as juntas de freguesia do interior que essas sim prestam grandes serviços ás populações mais idosas* * e que estão longe dos grandes centos urbanos que caso não saibam alguns jotas e outros menos jotas também são Portugueses.

    Os concursos para acesso a contratos e empregos no Estado devem deixar de ser feitos pelas pelas pequenas estruturas locais câmaras , juntas , escolas , centos de saúde , hospitais) e terem um dimensão nacional semelhante ao acesso ao Ensino Superior.

    A justiça tem de ser simplificada e para isto as leis tem de ser fáceis de compreender para o cidadão* com instrução obrigatória e os expedientes dilatórios eliminados pois esses só favorecem quem os pode pagar e se o faz é porque compensa. A 1ª lei a ser aprovada de imediato seria : os crimes e ou similares não prescrevem com retroactivos de 20 anos.

    Eliminar empresas publicas em que o Privado faça melhor mas que não beneficie de ajudas do Estado para esse efeito (Ex. RTP) , deixar de subsidiar fundações especialmente as que foram criadas nos últimos 15 anos que o foram exactamente para poderem ser mais uma forma de fugir aos impostos , eliminar organismos públicos inúteis que só geram custos e burocracias.
    Limitar a quantidade de cargos que podem existir através de nomeação politica a um mínimo indispensável , um ex. se alguém ganha uma eleição para uma câmara já lá terá trabalhadores (certo) logo não irá precisar de chefes de gabinete ou afins e é aí que se geram os bons exemplos.

    Só existe um caminho , é arrebatar a Alma Portuguesa governando com bons exemplos e eu aprendi que o exemplo vem de cima ou que nesta altura em vez de irmos buscar as maçãs ao cesto teremos de ir busca-las directamente á árvore.

    E assim talvez possamos crescer o suficiente para irmos pagando as nossas obrigações com o exterior sem destruir Portugal e os Portugueses.

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    Pedro Correia 22.03.2014

    Não percebo, William Wallace.
    Você critica duramente os titulares do poder do Estado (PR, Governo, parlamento). Mas recomenda, como solução, mais e maior Estado.
    Como se o Estado, por varinha de condão, passasse a ser liderado por anjos. E todos os demónios pertencessem ao sector privado.
    Aqui divergimos. Você crê no Estado como parte da solução: você parece acreditar sinceramente que Portugal alcançaria sucessivos patamares de progresso com novas camadas de estatização, com uma nova onda de nacionalizações (e porque não também as telecomunicações? E porque não também os órgãos de informação? E porque não a importantíssima indústria do calçado e o sector do abastecimento alimentar, que é vital, e porque não as principais unidades hoteleiras num país que tanto depende das receitas turísticas?).
    Eu aponto o Estado não como parte da solução mas como parte do problema. Quero um Estado supervisor, não um Estado motor da economia: esta receita já provou em todo o lado, incluindo em Portugal, que dá asneira e traz miséria. E muito menos quero um Estado a distribuir o que não há. Porque aí condena à pobreza não apenas as gerações presentes mas as gerações futuras.
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    William Wallace 22.03.2014

    Tem razão , esqueci-me das telecomunicações !
    Obviamente você faz um exercício fácil , a treta do menos estado / melhor estado , enquanto que o que eu digo é simples , se existem monopólios privados mais vale que eles estejam na mão do Estado que somos todos nós e que os proventos deles gerados revertam para nós , Portugueses.
    Comparar como faz uma fábrica de calçado ou um hotel com o poder de uma EDP mostra bem o tipo de pessoa que é, que se recusa a ver os factos. Nesses exemplos que dá não existem monopólios porque dão pouco lucro e muito trabalho , aliás ainda a semana passada o Grupo Sonae anunciou a venda de mais umas fábricas em França , além de que o seu sector Industrial acumula perdas todos os anos ao contrário dos hipers e afins. Você defende uma regulação passiva eu defendo uma regulação activa de que o melhor exemplo é a CGD mas que ainda poderia ser melhorado e muito , num País como Portugal com fortes défices de cidadania e excessiva permeabilidade (para não dizer outra coisa) dos legisladores versus interesses privados só uma regulação activa do mercado pode funcionar isto a nível de oligopólios porque monopólios e rendas garantidas acabavam na hora.
    Caro Pedro Correia fique bem.
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