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Delito de Opinião

Sobre a Eutanásia (3)

Paulo Sousa, 15.02.20

Surpreende-me a convicção dos intervenientes do debate sobre a Eutanásia, e digo isto em relação aos dois lados da barricada.

A dimensão humana e civilizacional do assunto não permite uma visão a preto e branco.

Se eu tivesse certezas sobre a proibição absoluta da eutanásia agarrar-me-ia aos argumentos que são queridos a muitos dos seus defensores. Quantos dos que defendem a liberalização desta práctica não rejubilaram quando o Tribunal Constitucional travou as medidas do governo da Troika, dizendo que defender a CRP era defender o regime e a democracia, 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais, Grândola Vila Morena, etc...

A esses defensores da CRP lembraria apenas o seu artigo 24º - 1. A vida humana é inviolável.

Se por outro lado eu defendesse a liberalização da eutanásia e conseguisse ignorar a rampa deslizante que comprovadamente ocorreu e continua em curso nos países pioneiros desta práctica, argumentaria que independentemente da convicção de cada um a questão não se levanta se o devemos fazer, mas sim se aceitamos que quem o pretenda o possa fazer.

Emmanuel Kant defendeu a separação entre a moralidade e o direito, e é esse o mundo em que vivemos. Aceitamos que seja legal multar um camionista em 800€ por ultrapassar o limite de carga em 20Kg, ou que um chefe de família que recebe o ordenado mínimo seja multado em 150€ porque não é acompanhado da factura da compra de uma bilha de gás, apesar de todos concordarmos que estes dois casos são absolutas imoralidades. Aceitamos que o aborto seja legal mesmo que o achemos imoral. Na mesma linha se eu tivesse certezas absolutas, que não tenho, defenderia que mesmo que eu recusasse a eutanásia para mim e para os meus, poderia aceitar que outros, mesmo violando o art.24º da CRP, decidissem de forma diversa.

Não vejo ninguém a usar estes argumentos e, mais uma vez, fico surpreso com tanta certeza exibida num assunto tão propício a dúvidas.

Tudo aponta para que os deputados defensores da eutanásia despachem o assunto num espírito de "another day in the office" ignorando uma máxima do bom senso que consiste em dar a cada coisa da nossa vida a devida proporção. A vida, mesmo para quem sofre irremediavelmente, tem muito mais importância do que a que lhe estão a dar num debate de esguelha assim como quem vai a caminho de um almoço importante.

Para questões difíceis como esta importa especialmente definir um critério duradouro que possa ser explicado e válido daqui a várias gerações. Nos dias de hoje recorrer aos dez mandamentos em busca de um critério cobriria, obviamente, de ridículo quem o fizesse, mas o art. 24º da CRP é claro e sucinto. Sem que seja reescrito, alterado ou modernizado, como preferirem, sou desfavorável a este arranjo parlamentar.

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