So long, captain Tom
Morreu o capitão Tom Moore. Aos cem anos, após ter vencido a última batalha da sua vida.
Militar jubilado, podia ter-se mantido no conforto de casa ignorando o sofrimento alheio, indiferente aos males do mundo. Ou até engrossar as brigadas negacionistas, formadas por guerreiros de sofá.
Mas não: mal a pandemia chegou ao Reino Unido, em 2020, entendeu que ainda havia tempo para prestar um último serviço à comunidade. Na Primavera passada, angariou uma pequena fortuna aos serviços de saúde britânicos no combate à pandemia, lutando como podia: dando voltas lentamente ao jardim da sua casa, com o andarilho que lhe permitia dar um passo vagaroso após outro.
Foi uma maratona muito pessoal. Começou com a intenção de reunir mil libras, mas logo cresceu graças ao impacto mediático da iniciativa. Cada volta que o velho capitão ia dando era acompanhada com carinho e emoção por milhões de britânicos, que contribuíram para o esforço financeiro. Concluídas cem voltas, Tom Moore tinha conseguido angariar 39 milhões de libras (o equivalente a 44,2 milhões de euros) no combate ao Covid-19.
Quando completou o centenário, a 30 de Abril de 2020, atribuíram-lhe o título de coronel honorário do Reino Unido. Nesse dia recebeu 125 mil cartas e postais de parabéns: tornara-se uma celebridade num mundo tão carente de heróis.
A 17 de Julho, Isabel II distinguiu-o como cavaleiro no Castelo de Windsor. Ele compareceu trajado a rigor, com as medalhas ganhas em serviço, e um largo sorriso no rosto, prova evidente da sua jovialidade. «Se me ajoelhar [perante a Rainha] nunca mais me consigo levantar», declarou, de pulsos firmados no andarilho.
Mesmo frágil, mesmo muito idoso, mesmo caminhando com manifesta dificuldade, este veterano da II Guerra Mundial soube ser um homem inteiro até ao fim. Combatendo o coronavírus como pôde.
Fazendo muito mais do que quase todos - sem lamentos, sem lamúrias, sem choraminguices. Sem o menor vestígio de ódio.
Dando-nos a todos uma vibrante lição de vida.
Vingativo e traiçoeiro, o Covid-19 atirou-o enfim para uma cama de hospital da qual o intrépido combatente já não saiu com vida: morreu ontem, após 48 horas de internamento.
Para seu epitáfio adequa-se a célebre frase que Hemingway inscreveu n' O Velho e o Mar: «Um homem pode ser destruído mas não vencido.»
So long, captain Tom.