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Delito de Opinião

Slava Ukraini!

jpt, 04.03.25

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(Esta vinheta tem o mais belo Corto, exactamente após o fuzilamento do oficial alemão Slutter. "Slava Ukraini" jamais teria dito o Corto. Mas decerto que teria andado por aquelas paragens, a levar armas, informações, a socorrer alguém - presumivelmente uma bela e complexa ucraniana. E estaria agora com este olhar - escondido do sempre insuportável Rasputine, esse meu alter ego).
 
Quando começou a "operação militar da Rússia" na Ucrânia bloguei imenso sobre o assunto. Alguns textos reactivos - furioso com os dislates lusos que ia lendo (e que António Araújo coligiu). Outros "pedagógicos" ("presunção e água benta..."), querendo avisar os interlocutores como poderiam entender o real e presumir o futuro. ("Devias ser comentador", dizem-me alguns amigos mais próximos, solidários com o meu desarrumo. No que sempre concordo, o meu sonho, utopia mesmo, de sexagenário é ser comentador futebolístico. O "novo Ventura", até me imagino).
 
Na madrugada - após saber da cessação do apoio americano à Ucrânia - reli o que escrevi há três anos, entre Fevereiro e Abril. Faço uma súmula, que é também forma de lembrar o que se retira disto. E faço-o em registo assumidamente auto-elogioso:
 
1. Em termos globais propus a leitura de dois livros que explicavam, por antevisão, este processo. Ao invés dos que mergulhavam na bibliografia da "ciência política" e similares (Kissinger et al) recomendei "O Americano Tranquilo", de Graham Greene, que anunciou (nos anos 1950) o conteúdo das relações dos europeus com os EUA. E o "O Último Adeus" de Balzac, uma espantosa evocação da batalha de Berezina. Nesses dois pequenos livros estava tudo anunciado.
 
Poucos dias depois da invasão os russos estavam à porta de Kiev. Putin, implacável ditador imperialista que quer refazer Yalta - por anexação e por tutela -, discursou aos ucranianos, invectivando os seus dirigentes como "drogados" (mote que foi perdendo peso) e "nazis" (mote que se mantém para os cães-de-fila das ditaduras cleptocráticas e para alguns "idiotas (de facto in)úteis" que se julgam de "esquerda"). E apelou a que os ucranianos se sublevassem e aderissem às forças russas, como se estas "libertadoras" - ideia assente na negação de uma nação ucraniana, que é o que subjaz o regime russo neste caso. Foi o que se viu, três anos de incontáveis sacrifícios ... russos para este passo, que julgavam fácil, na tal (re)"Yaltização". Para compreender este processo será aconselhável ler o (não muito recente) ensaio biográfico de Plutarco, dedicado a Pirro.
 
3. Para a tal "salvaguarda do que for possível", há dias a Ucrânia viu-se enxovalhada, "desmontada" até, em Washington. À (extrema-)direita e à (extrema-)esquerda alguns rejubilam e outros sorriem diante do que dirão "o auto-golo à Zelensky" - como há três anos bolçou o execrável comunista António Filipe.
 
E nesse mesmo registo alguns textos disso celebratórios são patéticos - acabo de ver partilhado no Facebook um particularmente disparatado, de militar comunista, esbracejando uma espécie de "sociobiologia", com pateta metáfora recorrendo à etologia, sob a simplória tese de que Zelensky é um estúpido incompetente e Trump um "animal territorial". A ideia, simples (mas não simplória) , de que uma pressão para que um aliado ceda se faz intra-muros e não "alive", para "boa televisão", não é agora acolhida. Por comunistas e por fascistas...
 
4. Desde há muito que as gentes comunistas (os da III e os da IV Internacional) usam o marxismo economicista, básico, para "explicarem" os EUA. Que estes se reduzem à influência do "completo industrial-militar". Está visto que terão de calibrar a tese...
 
5. Após o início da guerra - e mesmo não tendo fontes especiais de informação - deixei algumas notas relevantes: as associações russas de antropólogos e de arquitectos e urbanistas pronuciaram-se contra a invasão, tal como Kasparov. O PC de Espanha também. Uma plêiade de intelectuais magrebinos - comunistas ou marxistas - também. Em Portugal o PCP foi russófilo - a direcção e os poucos intelectuais que ainda ali militam. E recebeu criticas por isso. É interessante ver o que se passa: se o PCP, por óbvias razões históricas, passara incólume a Budapeste de 56 e a Praga de 68, tal como ao Afeganistão de 1979, sofreu forte em 1989, mas foi resistindo, decaindo mas paulatinamente. Até este vergonhoso disparate de 2022: pois é evidente que já ninguém quer saber o que têm a dizer.
 
Muito parecido com o que acontece com os comunistas da IV, o BE. No início da crise russofiliaram-se - Mortágua, então ainda comentadora em "part-time" (não declarado, como tal ilegal) atreveu-se a usar o argumento hitleriano para justificar o imperialismo de Putin. Depois titubearam, diante das botas no terreno (mas ainda assim há sempre um "bloquista" a relativizar as coisas, a falar em "nazis" ucranianos ou a pluralizar os "imperialismos"). Tudo lhes teve evidentes custos reputacionais - para presumível gáudio do Prof. Tavares ali ao LIVRE.
 
6. Desde logo eu (e tantos outros) me espantei e enojei com a desbragada putinofilia - até vituperando o patriotismo ucraniano - de alguns generais comentadores televisivos - um até exultava com a "libertação de Mariupol", tanto lhe agrada Putin. Ditos "especialistas em assuntos militares" (caramba, são generais, seriam especialistas de quê?). Para quem ache que são "especialistas", comentadores avisados e assim neutrais, deixo um exemplo, o do general Costa - um avençado por instruções dos (ex?-)jornalistas Nuno Santos e Santos Guerreiro. Enquanto trata todos os interlocutores por títulos académicos (o sacrossanto "Chô Doutor/a") gozou a cena da Sala Oval, referindo "Vance", "Trump" e "o Zelensky", assim denotando o desprezo pelo "mimado" ucraniano, como o disse. Tal como referiu o "Senhor Macron" - em evidente glosa do célebre e justificadamente sarcástico "Senhor Hitler" de Fernando Pessa. Terminando, o escroque fascista, a tratar os líderes eleitos da democrática União Europeia por "cavalheiros" e - imagine-se - "madames", como se estas fossem epígonas da Maria Machadão de Jorge Amado. Há 3 anos que Nuno Santos e Santos Guerreiro agridem o país com este lixo moral. Pois são isto.
 
7. Um conjunto de intelectuais comunistas - Boaventura Sousa Santos, Soromenho Marques, a escritora Ana Margarida Carvalho, Isabel do Carmo, etc. - logo surgiram a dizerem-se "censurados", "perseguidos" e até (!) "criminalizados" devido às suas (esclarecidas, reclamavam) posições anti-ucranianas. Três anos depois - e independentemente dos tétricos problemas do ex(?)-enverhoxista Sousa Santos - será conveniente aquilatar da pertinência dessa auto-vitimização: qual deles foi perseguido, censurado? Processado? Despedido? Julgado, multado ou aprisionado? Para nos lembrarmos disso, da próxima vez que esses inimigos da democracia venham com a mesma ladainha.
 
Slava Ukraini! Com todos os defeitos que aquela gente e o seu poder possam ter!

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