Será isto o que nos espera?
Em quaisquer circunstâncias, a indiferença foi sempre um estado de espírito ou uma atitude que me assustou. Somos feitos de matéria, temos vontade, aparentemente pensamos e somos seres capazes de tomarmos decisões, o que nos distinguiria de outras espécies que ocupam o mesmo espaço neste planeta onde habitamos. As imagens do vídeo que aqui trago, divulgado pelo La Reppublica, não devem ser vistas como um mero caso de violência urbana numa cidade que tem fama, injustamente para muitos dos seus cidadãos, de ser um dos locais de acolhimento dos camorristas. O roubo por esticão vulgarizou-se por todo o lado, a falta de segurança não é um exclusivo de Nápoles, a violência faz parte do quotidiano de muitos países, Portugal não foge à regra. Os relatos diários de alguma imprensa confirmam-no. Fosse por isso e não vos traria aqui estas imagens. O que me leva a convocar-vos para as verem é o facto de perante uma cena como a que foi filmada e presenciada por algumas dezenas de pessoas, a única que saiu em defesa da vítima foi, imagine-se, um jovem emigrante. No caso tratou-se de um pedinte de origem africana, aquilo a que muitos entre nós chamam um "sem abrigo". De todos os que ali estavam naquele momento talvez fosse aquele que tinha mais a temer pelas consequências, pela origem, pelo estigma da cor da pele. Porém, foi ele o único que se levantou, que ofereceu resistência, que se indignou, que cumpriu um dever de cidadania sem que esta lhe seja conferida. Para tantos que hoje gritam contra a emigração, contra a presença de estrangeiros, que culpam os outros pela crise, pela falta de empregos, pelos salários baixos, e que insistem em fechar as fronteiras enquanto olham de soslaio e com desdém para os que fogem a um destino de miséria e tentam encontrar na Europa o que lhes foi negado na terra de onde provavelmente nunca teriam querido sair, estas imagens devem obrigar a uma reflexão. Sei que esta não mudará quase nada no nosso dia-a-dia, mas talvez possa ajudar-nos a olhar para alguns que connosco se cruzam com outros olhos. O outro somos nós. A vítima também.