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Delito de Opinião

Ser turcófilo passou de moda

Pedro Correia, 13.06.19

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Ao contrário do que por vezes se imagina, a passagem do tempo costuma ser clemente para os políticos. Se assim não fosse, estaríamos em 2019 a escrutinar todos aqueles que durante anos andaram por cá a defender com fervor a integração da Turquia na União Europeia. 

Não precisamos de recuar muito. Na campanha para as eleições europeias de 2009, este tema esteve em debate. Com os cabeças de lista do PS e do PSD, Vital Moreira e Paulo Rangel, convergindo no apoio à adesão turca.

«A União Europeia só teria a ganhar com a integração de um país muçulmano e laico», declarou Vital Moreira durante essa campanha. Enquanto Paulo Rangel deixou claro: «Devemos apoiar os esforços de negociação entre a Turquia e a UE.»

 

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Ainda mais longe neste entusiasmo andou o ex-Presidente da República Cavaco Silva. Que aproveitou precisamente uma visita de Estado realizada há dez anos à Turquia para garantir o «apoio integral de Portugal» no processo de adesão, possibilitando que a maior potência da Ásia Menor se tornasse «membro pleno» da UE.

Indiferente ao facto de se tratar de um país com mais de 70 milhões de habitantes, aliás na esmagadora maioria residentes fora do continente europeu (em termos geográficos, o centro-sul/sudeste da Trácia é a única parcela de território turco que faz parte da Europa).

Indiferente também à inevitável pressão demográfica desta adesão, que conduziria à quebra de salários e rendimentos dos trabalhadores assalariados no espaço comunitário.

 

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Havia já suficientes sinais de alerta para que tais entusiasmos fossem travados. Desde logo, a ocupação ilegal de parte da ilha de Chipre por forças turcas, à revelia do direito internacional. Depois, o contínuo desrespeito da minoria curda residente em solo turco. Sem esquecer a preocupante aproximação do partido do primeiro-ministro (agora Presidente da República) Recep Erdogan ao integrismo islâmico.

Sabemos o que aconteceu desde então: a Turquia tornou-se um Estado autoritário, onde se multiplicam as violações dos direitos fundamentais dos seus cidadãos - incluindo severas restrições às liberdades de expressão, de reunião, de manifestação e de imprensa, acentuadas desde a alegada tentativa de golpe ocorrida em 2016, que serviu de pretexto a Erdogan para uma gigantesca purga no aparelho de Estado, além do silenciamento de incontáveis vozes incómodas no jornalismo turco. Enquanto se vai diluindo o regime laico implantado em 1923 por Ataturk. 

 

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Tudo isto já é suficientemente grave com a Turquia fora da UE. Agora imaginemos se as teses turcófilas dos generosos políticos portugueses tivessem prevalecido dez anos atrás, escancarando as portas a Ancara: haveria hoje uma séria deriva ditatorial no segundo país mais populoso do espaço comunitário (logo após a Alemanha).

Felizmente os desígnios de Erdogan foram travados pela sábia Angela Merkel e pelo arguto Nicolas Sarkozy, que vetaram a adesão. Felizmente também para alguns políticos cá do burgo, a nossa memória colectiva é muito curta: cada vez somos menos com memória suficiente para pedir-lhes contas do que disseram e fizeram.

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