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Delito de Opinião

Separar águas

Sérgio de Almeida Correia, 16.04.21

É evidente que Pedro Delgado Alves está cheio de razão. O problema não é o de separar a fronteira entre a justiça e a política. Essa fronteira há muito que está traçada e as duas realidades não são confundíveis por muito que haja quem goste de procurar esbater as diferenças ou evite destrinçá-las. O que importa sim é separar entre quem deve estar na política e nos partidos e quem deverá estar fora e de preferência longe deles.

Ana Catarina Mendes está profundamente enganada. Talvez por isso também tenha estado tão desconfortável na edição da Circulatura do Quadrado em que se discutiu o "processo Sócrates". 

A discussão deverá ser feita não apenas em torno, muito menos centrada, num dos figurões que mais contribuiu nas últimas décadas para afundar a imagem dos partidos e do regime, mas no modo como esse tipo de "camaradas", e outros como ele, ascendem dentro do partido até ocuparem lugares na estrutura política e nas instituições do Estado, criando uma teia de dependências e clientelas às quais se distribuem lugares, favores e negócios, favorecendo unanimismos e ostracizando todos os que não se revêem no rebanho e não estão dispostos a apoiar e a colar-se a todo e qualquer traste que apareça e que se mostre disponível para juntar a carneirada necessária para fazer a caminhada até à conquista do poder, onde depois se dedicará à distribuição de pelouros e incentivos, recompensando quem lhe for "fiel", ainda que o seja hipócrita e interesseiramente, e sempre na mira de mais qualquer coisinha para a empresa, o cônjuge, o filho, a nora, o primo, o amigo...

Porque os vícios de Sócrates já existiam antes, existem em todos os partidos, e continuam depois dele. No PS até hoje não mudou nada. E os mesmos que o apoiaram, também deliraram com Soares, Sampaio, Constâncio, Guterres, Seguro e Costa, e apoiarão o próximo que aparecer quaisquer que sejam as suas ideias, circunstâncias, percurso ou passado. Como se fossem todos iguais, como se fossemos todos iguais e todos tivéssemos os mesmos méritos.

Não há que temer falar nos problemas, discuti-los abertamente, de forma franca, leal e frontal. Para que todos ouçam, vejam, compreendam. E para os que estão lá fora possam ganhar confiança, perceber que um partido não é uma seita, nem uma extensão do mau funcionalismo público ou de uma qualquer tropa fandanga onde se é promovido por se pertencer à família A ou B, se tomarem cafés com os camaradas ou se estar disponível para comer e calar.

Enquanto isso não for feito hão-de continuar a reproduzir-se os jotinhas, os sócrates e os varas, os que agilizam processos, mais os que engolem papéis, os que vão comprar os livros do "chefe" para atingirem os primeiros lugares das livrarias, os que se vacinam primeiro, os que traficam influências e consulados honorários à sombra do partido, mais os preguiçosos que não conseguem arranjar uma carreira ou uma profissão, e os que estão num buraco qualquer de uma empresa ou de uma repartição porque não dão para mais e anseiam ser promovidos a deputados, para se sentirem importantes; e ainda os que não sabendo fazer nada, não sendo políticos profissionais, mas antes profissionais da política, vão pedir aos líderes dos outros partidos que lhes arranjem um poleiro qualquer numa peixaria quando o seu partido perde eleições, e por aí fora.

Tudo o que não é encarado de frente e com vontade de ser resolvido persistirá ad aeternum. Os maus hábitos quando não são atempadamente corrigidos tendem a fossilizar. Os maus políticos também. E reproduzem-se, entrando pelas medulas, contribuindo para a afirmação dos traços dominantes do carácter. Até se tornarem estruturais. Como até hoje.

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