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Delito de Opinião

«Sem ilusões não há frustrações»

Pedro Correia, 03.10.23

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Não foi bem uma entrevista digna desse nome: foi mais um ameno bate-papo que serviu para preencher grande parte do serão de ontem da TVI/CNN Portugal. Fazendo lembrar tempos antigos, quando apenas existia um canal de televisão em Portugal e o poder falava pelos cotovelos, sem cronómetro a atrapalhar.

O presidente do Conselho de Ministros perorou até se cansar (e fatigar quem teve a pachorra de o acompanhar até ao fim). Nos dois canais complementares, irmãos siameses. Trinta e cinco minutos em sinal aberto, no principal telediário da TVI - entre as 20.55 e as 21.30. Depois, uma hora e sete minutos na CNNP - das 21.44 às 22.52. Preenchendo quase duas horas de tempo de antena. Sem contraditório. Sem ouvir uma só pergunta verdadeiramente incómoda. Num auditório do ISEG - agora com nome "amaricano" - convenientemente polvilhado de "cidadãos comuns" previamente inscritos e recrutados por intermédio da empresa de sondagens Intercampus(!). 

Novidade? Nenhuma.

Propaganda? O tempo todo: nem um minuto desperdiçado. 

 

Assisti por dever de ofício à prelecção integral de Costa, da qual retive três frases que transcrevo aqui:

«O salário mínimo subiu 50% nos últimos oito anos.»

«O salário médio hoje em Portugal são 1500 euros. É mais 31% do que era há poucos anos.»

«Hoje, com muitos dos salários que são pagos, as pessoas não estão disponíveis para trabalhar.»

A terceira frase, vale a pena anotar, anula as outras duas. Quase parecia proferida por alguém da oposição. Mas o líder socialista, instalado na sua maioria absoluta, quer lá saber. Repete promessas feitas noutros anos, sobre os mais diversos assuntos (habitação para todos, novos hospitais, ferrovia, aeroporto de Lisboa), com a mesma desfaçatez e a mesma certeza antecipada de que não serão cumpridas.

Quem vier depois que descalce a bota.

 

«Comigo não há ilusões, portanto não há frustrações.» Esta foi uma das raras afirmações com interesse que Costa proferiu na sua homilia televisiva. 

Falava supostamente para o País, mas mais parecia falar para ele próprio. Quase um lema de governação aqui enunciado.

Na torrente de blablablablá propagandístico, perante uma audiência benigna e dois jornalistas demasiado complacentes, quase só isto soou a verdade.

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