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Delito de Opinião

Selecção Nacional -1

Inês Pedrosa, 02.07.16

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"Só é estável o que nos parece perecível. Busco, volto, abandono e chamo de novo. É isto amor. Trago no meu seio irmãos e horas, luzes, palavras, mitos; o caldeiro cheio de corações humanos onde cozem as suas ervas as feiticeiras do tempo; a roça e a espada, a flor e a poeira. Isto é amor. Quem pode obstar a esta torrente, quem vem, com pé leviano e peca sombra, interceptar o sentido dalguma coisa que nasce no seio do seu próprio sentido? Vou, volto, danço de roda das trípodes e das fogueiras, devasso os corações lívidos dos vivos e o seu frágil comércio sentimental. E percebo que tudo o que foi criado muda, que a alma corre como o vento em busca da sua guarida que é por momentos alguém, depois um projecto, uma dor do lado esquerdo ou o jornal da manhã, o dinheiro, a fama ou o desdentado riso dum mendigo. Que são romances? Histórias fingidas, presenças estudadas, um coro de actividades morais, a burocracia da personalidade. Não é tempo talvez de tais jogos mais ou menos argutos e meditabundos. Cada voz reclama a sua parte de luz, não há heróis, já que tão bem sabemos que o convívio com eles se torna funesto e nos absorve. Cada voz está só e é única, e é contra o coração dos outros, vertiginosamente, que ela ressoa."

Agustina Bessa-Luís, A Muralha, 1957, pp 38-39.

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