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Delito de Opinião

Saga bancária (1)

José Meireles Graça, 11.09.24

Portugal é um torrãozinho de açúcar, dizia já não sei que personagem de Eça.

Essa alegada doçura (da mesma natureza da que orna algumas declarações e discursos de Marcelo quando calha puxar o lustro ao patrioteirismo) vem de muitas coisas, a primeira das quais é o conformismo e o respeitinho dos poderes.

Não os grandes poderes. Esses, com excepção do dos tribunais e do Ministério Público, estão devidamente arregimentados nos partidos da Oposição e nos do Governo, cuja disputa faz com que ninguém respeite excessivamente, quando saibam, o que Suas Ex.ªs andam a fazer.

O cidadão comum não ignora que não tem nenhuma verdadeira defesa contra o polícia mal disposto que exorbita dos seus poderes e competências; a Câmara que o massacra com exigências intermináveis para conceder a abençoada licença; os prazos que o cidadão cumpre sob ameaça de multa mas que qualquer serviço público pode ignorar sem sanções; o funcionário que aplica mal uma lei que não sabe interpretar; a Autoridade Tributária que pode cometer todo o tipo de exacções e abusos porque, em nome do “combate” à fuga fiscal se deixou pelo caminho o Estado de Direito; o veto de gaveta; e todo o rosário de atropelos em que a Administração Pública é tradicionalmente fértil.

Isto é assim porque sempre assim foi e porque o chefe tem todo o interesse em agradar às chefias e aos subordinados, e não aos cidadãos, dos quais não precisa para viver; e porque os costumes ditam que ninguém, salvo no caso de crimes, é sancionado por coisa alguma.

Modernamente há abundância de companhias majestáticas, públicas ou privadas, às vezes em situação de aparente concorrência, que com frequência operam sob a “supervisão” de entidades teoricamente independentes. E a comunicação social noticia com gáudio quando há multas, de montantes às vezes impressionantes, as quais revertem para o Estado ou para a entidade que as aplica e não para os cidadãos directamente ofendidos, se os houver.

Os supervisores, porém, tendem a ser farinha do mesmo saco dos supervisionados. O que faz que quem reclame tenha à sua espera um calvário de língua de pau em que o ponto de vista do reclamado é tratado como se tivesse um peso necessariamente mais elevado que o do reclamante.

Hoje os bancos são companhias dessas, majestáticas, sob a férula da agência local do BCE, que continua a ter a designação tradicional de BdP. E como o país tem a memória recente da magra barriga que foi obrigado a encostar ao balcão da inépcia ou da loucura interesseira da gestão bancária para nele, no balcão, depositar as gorduras que não tinha, ficou aberta a porta para todo o pequeno e grande abuso – tudo, desde que para garantir que não voltemos a passar pelos mesmos assados.

Muitos atropelos são insignificantes por si. Mas espanta que à boleia de grandiloquências (no caso o “combate” à lavagem de dinheiro e ao terrorismo) milhares de cidadãos clientes dos bancos (lembro: ter conta bancária, hoje, é praticamente indispensável para receber o ordenado, a pensão ou o subsídio, ou ainda outros fins) sejam forçados, periodicamente, a ir ao banco mostrar um cartão renovado porque o anterior caducou e a informação sobre a nova data de validade tem de ser prestada presencialmente porque o cidadão, como é geralmente sabido, é mentiroso e desonesto salvo prova em contrário.

Destes cidadãos há alguns peguilhentos, embora sejamos poucos, que configuram aquelas areias que nem por serem insignificantes deixam de às vezes encravar maquinarias.

A partir de amanhã transcrevo uma longa novela de troca de correspondência que prova o ponto. Tenciono repartir por vários posts porque ninguém lê seguidas mais de duas páginas A4, a menos que o assunto seja particularmente interessante – o que não é o caso.

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