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Delito de Opinião

Sá Carneiro quarenta anos depois

Pedro Correia, 04.12.20

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Francisco Sá Carneiro desempenhou um papel histórico no actual regime: reconciliou a direita portuguesa com a democracia. Esta foi uma missão para a qual estava vocacionado, por uma espécie de sentido messiânico, e em que viria a ser bem sucedido nos dois últimos anos da sua vida, desenrolados de forma vertiginosa, numa desesperada corrida contra o tempo. O facto de ter rompido com o regime anterior ao 25 de Abril após uma fracassada tentativa de levá-lo por rumos reformistas, como viria a suceder em Espanha, conferia-lhe uma legitimidade que poucos tinham na sua área política, dados os compromissos estabelecidos com a ditadura.

O combate decisivo para a implantação da democracia no alucinado Verão quente de 1975, contra a esquerda revolucionária, fora liderado por Mário Soares, com quem Sá Carneiro sempre estabeleceu uma rivalidade que nunca viria a ser superada, apesar da cordialidade pública que exibiam. Desafiado nesta espécie de confronto íntimo com Soares, o fundador do PPD/PSD sentiu ainda mais pressa em entrar na História, o que viria a suceder. Tinha qualidades para o efeito, bem reveladas na sua singular trajectória de uma década no palco da política: visão estratégica, uma inegável capacidade de comunicação e aquele atributo tão indispensável quanto indefinível que à falta de melhor certos politólogos costumam chamar carisma.

Venceu incontáveis batalhas internas até construir um partido influente, com uma sólida base autárquica disputada quase câmara a câmara ao Partido Comunista. Teve razão desde o início ao defender a autonomia regional, o afastamento da tutela militar e o fim do virtual monopólio da economia pública no Portugal pós-25 de Abril. E superou o teste da governação, após duas maiorias conquistadas nas urnas, embora ninguém saiba até que ponto poderia vir a ser vítima dos próprios impulsos se o destino não o tivesse colocado na fatal rota de Camarate, faz agora precisamente 40 anos.

Não teve razão, com alguma frequência, quando deixava a emoção sobrepor-se à implacável lógica cartesiana. Foi, nomeadamente, o que sucedeu no seu desenfreado combate contra o Presidente Ramalho Eanes que lhe consumiu as energias nos últimos meses de vida. A derrota nas presidenciais de 1980, a que já não assistiu, confirmava que tinham razão aqueles que em vão procuraram dissuadi-lo de transformar o popular Chefe do Estado em adversário principal.

 

Foi admirado e odiado em partes iguais, o que é sina de quem nasceu para líder.

Graças a ele, a democracia portuguesa não ficou amputada.  

Ficámos todos a dever-lhe isso.

6 comentários

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    Pedro Correia 06.12.2020

    Eu lamento é que uma das maiores avenidas de Lisboa se chame "Almirante Reis". Um tipo que se acobardou e se matou a pensar que a revolta republicana de Outubro de 1910 tinha fracassado.
    Enquanto o herói da Rotunda, Machado Santos, nem sei se está representado na toponímia lisboeta.
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    V. 07.12.2020

    Por acaso não imagino como se chamava a Almirante Reis antes de se chamar Almirante Reis..

    P.S. em cima queria escrever "antagonismo" e não antanonismo (que não é nada)
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    Pedro Correia 07.12.2020

    Cobarde e desistente (e suicida), Reis dá nome à terceira mais importante avenida de Lisboa, após a da Liberdade e a da República. Basta isto para se perceber como adoramos inverter valores. Sem que ninguém ouse contestar o que quer que seja.
    "Já está, já está" é frase bem portuguesa. Lema dos perpétuos resignados.
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    V. 07.12.2020

    "Já está, já está" é frase bem portuguesa

    Foi o que disseram os lavouras e os zelotas da esquerda quando confrontados com o nojo asqueroso e a destruição cultural que é o Acordo Ortográfico.
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    Pedro Correia 07.12.2020

    Pois.
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