RR - João, obrigado por nos ajudares a perceber alguns dos aspectos relacionados com o processo Passos Coelho/Tecnoforma.
JM - Hã, ok, sem problema. Um gajo também não pode passar a vida a fazer gráficos sobre o salário mínimo.
RR - Bem visto. Então, antes de mais, gostava de perceber o que pensas sobre a situação de Passos Coelho e a presunção de inocência.
JM - As regras da presunção de inocência são para o processo judicial. No processo judicial, é-se inocente até prova em contrário e não se pode ser condenado por provas proibidas por lei. Mas isso é no processo judicial.
RR - Distingues então o plano político e o plano judicial?
JM - A questão não é apenas judicial. É também política. E a questão política é aquela que mais interessa à opinião pública e é também aquela em que a opinião pública conta. A opinião pública não conta para saber se Passos Coelho é um criminoso. Para isso existem os tribunais. Mas conta para saber se Passos Coelho é um bom primeiro-ministro. O cargo de primeiro-ministro é um cargo de confiança. O primeiro-ministro está ao serviço do soberano (os eleitores) e tem que merecer a confiança do soberano. Portanto, o que deve ser avaliado no caso Tecnoforma não é se o primeiro-ministro é um criminoso mas se o seu comportamento permite que o soberano tenha alguma confiança no seu servidor.
RR - Defendes então que quando existe uma suspeita sobre o primeiro-ministro é a este que cabe o ónus da prova no âmbito da sua relação com o soberano?
JM - Note-se que, na sua relação com o soberano, em nada adianta o primeiro-ministro dizer que é inocente até prova em contrário. O soberano não está apenas interessado num primeiro-ministro contra quem não se pode provar nada. O soberano quer um primeiro-ministro que esteja acima de qualquer suspeita. Tendo em conta que o primeiro-ministro é um servidor do soberano, não lhe basta alegar que é o soberano que tem que provar a culpa. Porque não é. O primeiro-ministro é que tem que prestar todos os esclarecimento que provem que merce a confiança do soberano. Ou seja, na relação entre o primeiro-ministro e o soberano, inverte-se o ónus da prova. Quem tem que provar que está acima de suspeita é o primeiro-ministro. O soberano não tem que provar nada, porque é o soberano.
RR - Não podias ser mais claro, João. E deixa-me dizer que concordo integralmente contigo. Chame-se o primeiro-ministro Sócrates, Pato ou Coelho.
JM - Er... claro. Nem podia ser de outra maneira. Queres que te fale agora dos efeitos nocivos do salário mínimo?
RR - Não, deixa estar. Tenho mesmo de ir andando.
* hat tip Mr. Brown