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Delito de Opinião

Retrato

José Meireles Graça, 27.07.20

Ando a coligir elementos para pintar um retrato do português médio. Exclui comunistas porque não quero uma coisa demasiado soturna; e bloquistas típicos porque não pretendo perder tempo com jovens parvalhões, mesmo que sejam velhos.

Das pesquisas que tenho feito já conclui que o tal português acha que: Marcelo leu livros em barda, é muito inteligente, muito dado com a gente do povo, pessoa muito simples e grande amigo de banhos de mar, tanto que até muda de calções, por causa das assaduras, sem se esconder, o que irrita muito os fachos; Costa é muito bem disposto, governa com grande habilidade e nunca se esquece dos pobres; Rio é menos hábil do que Costa, mas muito sério, embora dos pobres se lembre raramente; os outros andam lá e está muito bem porque Portugal é uma democracia. Mas não precisavam de ser pr’aí trezentos, 20 ou 30 chegavam perfeitamente, se a Europa achasse bem; nesses outros há um tal André que lhes diz as verdades nas ventas, mas é do Benfica; os portugueses são muito bons, basta ver o que fez Amália cá dentro, e Mourinho e Jesus lá fora, os patrões é que não prestam; Cristina Ferreira, se fosse americana, metia aquela preta Oprah ou lá o que é num chinelo.

Com este material e dadas as minhas qualidades, que peço licença para referir, de analista social, já estava habilitado para fazer um post jeitoso, logo que aprofundasse um ou outro ponto junto de dois filósofos populares que conheço, de Freamunde.

Porém, hoje, de regresso do Porto, dei-me conta de que há cada vez mais carros de todas as idades, incluindo chaços com mais de uma dúzia de anos, com as novas matrículas.

Sucede que entre cada letra ou número deve haver um espaço de um centímetro, mas entre cada grupo de duas letras ou números a distância deve ser de dois centímetros. Ora, com as pressas de fingir que tem um carro recente, muita gente colocou matrículas que não respeitam estas regras, e os centros de inspecção periódica obrigatória, e a GNR, estão atentos e vão ser implacáveis.

A diferença para as matrículas anteriores é que desapareceu a data do registo do carro, que figurava do lado direito, com fundo amarelo porque o burocrata que a pariu gostava de cores berrantes, e desapareceram os pontos que separavam os grupos de duas letras ou números. Mantém-se a bandeira de uma potência estrangeira, com a indicação da região onde o automóvel foi registado.

Isto a mim parece-me um fenómeno prenhe de implicações sobre a prepotência das autoridades, a ingenuidade dos eleitores, perdão, dos condutores, o desamor ao que serve em benefício do que é moderno, a vaidade azeiteira do cidadão motorizado, e a triste sociedade em que as pessoas não são o que são, mas o que parecem ter.

Coisas de grande profundidade, que carecem de reflexão. De modo que o retrato fica para outra maré.

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