Rescaldo pessoal das autárquicas

Há um mês, nestes meus 61 anos, iniciei-me na actividade política. Pois há sempre uma primeira vez. Não lhe dei exclusividade, mesmo nos últimos dias dispersei-me por outras vias. Ainda assim, ontem acorri lá do sul para votar. Na lista de Carlos Moedas. E para tentar expurgar a minha freguesia dos desde há muito acampados na Junta. Encerro-a agora, à tal actividade. E deixo o meu rescaldo destas autárquicas, nas quais atentei como nunca antes o fizera:
1. Em Palmela, onde muito bem vivi grande parte destes últimos anos, ganhou o PCP - ainda que por muito pouco, que o CHEGA ali assomou. Fico contente. O presidente Álvaro Amaro - um tipo porreiro que foi um excelente autarca - cumprira muito bem os seus três mandatos e deixa um bom concelho para a sua camarada Ana Teresa Vicente. Avante!
Em Esposende - onde recentemente me candidatei a viver os últimos anos da vida mas fui vetado - ganhou um independente por larga margem, Carlos Silva, que havia sido torpedeado pelo PSD central. E assim aquele partido perdeu uma sua autarquia tradicional. Óptimo, "o povo é quem mais ordena"...
Em tempos até recentes visitei Castelo de Vide (sem deixar grande impressão, para não dizer pior, pois ali surgi "inapropriado"). O bom presidente António Pita, do PSD, também acabava agora o seu tempo. Hoje o então seu nº 2 foi eleito, uma boa notícia.
Em Faro, por onde tenho passado, um bom amigo - da direita profunda - ali residente dizia-me que o gajo do PS, até agora presidente de Olhão, que para lá se candidatava era boa peça. Ganhou! Boa notícia, presumo que o seja (Olhão está bem...).
Em Lisboa Moedas ganhou - aumentando 30 mil votos e número de vereadores. Apesar de todas as atoardas, da imprensa e dos "intelectuais" (a malta funcionária, subsidiada e/ou avençada). Exulto!
2. Aqui nos Olivais - onde segui como 17º suplente da lista "Para Ti, Lisboa" para a Junta de Freguesia - Moedas praticamente empatou nas votações para a Câmara, apenas menos 200 votos neste universo de 16 mil votantes em cerca de 30 mil eleitores.
Apesar dessa tendência, para a Junta de Freguesia a nossa lista perdeu, por cerca de 800 votos. Lamento, mesmo! Lacrimejo, até! Pois o PS olivalense é execrável. E essa característica enquistou, após 36 anos de poder aqui ininterrupto.
As razões para esta disparidade local, para a nossa derrota, serão várias - para além da retórica "soberania do eleitorado". Uma candidatura tardia - pois apresentada apenas após a coligação partidária CDS/IL/PSD, quando outras três listas locais já se propagandeavam há meses. Défice de interlocução local - as duas listas emanadas da Junta PS há anos que interagem com o "bairro" e nós apenas "apalpámos" o sítio. Uma grande carência de meios propagandísticos (verdadeiramente surpreendente para mim, neófito nestas coisas julgava que os "aparelhos partidários" existissem). E, assumo-o, coisas da nossa abordagem sociológica. Aquilo a que nós, os da ciências sociais, chamamos obstáculos epistemológicos, que fazem incompreender os terrenos.
Mas houve outra razão, evidente. Importante, por permitir pensar Lisboa. Aqui surgiu uma lista independente, "Olivais em Acção". Gente olivalense, jovem (enfim, quarentões, trintões - mas para mim agora quase todos são jovens). Empenhada, algo criativa, voluntarista. Sim, nisso tudo também desconhecedora do âmbito de acção de uma Junta, por isso algo verborreicos atrapalhados. Mas esforçaram-se, apareceram, generosos. Resultado? Ficaram em terceiro lugar, à frente do CHEGA e do PCP! Assim colheram parte da oposição local ao tétrico status quo PS...
Uma lista independente precisa de mil assinaturas para se poder candidatar. Há meses eu já presumia que viria a estar na nossa lista, via IL. Mas subscrevi-os, e disse à rapaziada amiga para que o fizessem. "É a democracia", resmungava irónico. E é!
Na noite do último dia da campanha cruzei as instalações da Biblioteca dos Olivais (aquela que a Junta PS encerrou durante um quinquénio). No jardim decorria a festa final dessa lista. Reconheceram-me, convidaram-me a entrar, fi-lo com o sorridente álibi de recolher material para "denúncias"... Estava muita gente, classe média remediada (o meu meio), vários vizinhos conhecidos, até bons amigos. Tudo ali se congregava na ideia de intervenção social e, também, de convívio. Este animado por "comes e bebes", organizados pelo pessoal da lista: o farnel pessoal incluía um caldo verde e uma bifana. Preço? 2 euros... - sem quaisquer subsídios. É isto uma campanha, mesmo sem meios financeiros.
Uma gentil candidata ofereceu-me uma mini (e depois outra) e falámos sobre o que queremos para os Olivais - o mesmo, diga-se. Resmunguei ser evidente não terem eles noção do que é uma Junta - ela riu-se e disse-me que já me lera sobre isso, mas não ripostou. Muito provavelmente porque, bem lá no fundo, concordará. Entretanto amigos próximos e vizinhos aproximaram-se, cutucando-me por ali estar. E concordavam que "espero que vocês ganhem" (apear este PS daqui era vontade unânime) mas aduziam "não voto em vocês, não voto na direita". Diante disso eu disse dois ou três "foda-se" (pois não conhecia a referida gentil candidata que tão bem me acolhia, quis-me conter) e pensei mais algumas dezenas deles.
Fui para casa. Cedo, que seguia para o Algarve no dia seguinte. Não fiz apelo ao "voto útil". Sim, resmunguei um bocado sobre a deficiência daquela candidatura. E sobre o voluntarismo festivo, generoso que seja, deles. Tambem sobre a ineficiência sociológica da nossa candidatura. Mas, repito, não apelei ao "voto útil".
Estou mesmo lixado por o PS ter ganho outra vez a nossa Junta, uma ralé que aquela gente é. Mas, e insisto, não apelei nem apelo ao "voto útil". Não sou, mesmo, um "intelectual" avençado, subsidiado. Funcionário. Como tantos desses que andaram a perorar nestes últimos dias. Sobre Lisboa.

