Renovação de passaporte
jpt, 26.11.24
Subo as escadas do metropolitano, aproximo-me da cancela, ninguém em meu redor - a esta hora todos já partiram deste poiso da "linha vermelha", voltarão já quase noite feita. Sinto alguém estugando-se para trás de mim, eu já de bilhete na mão olho-o de viés, um jovem (hoje em dia quem é que não me parece jovem?), homem feito, sem pingo de miúdo irreverente - mesmo que sem causa -, barbicha aparada, vestes informais mas nele nada há de vagabundo. Estanco, olho-o num aceno de "o que foi?", percebendo-lhe a causa do apreço pela minha senda. Ele dá-me largo sorriso, até solidário, e informa-me - num português veicular de sotaque inconfundível - que passará logo atrás de mim. Semicerro-me, irritado, "não!, paga o bilhete!". O sorriso atrapalha-se-lhe, insiste, querendo explicar-me o óbvio, eu repito "paga o bilhete!", ele oscila, ágil (é novo, o sacaninha), muda de eixo e salta a outra cancela. Eu penso "vai para a tua terra, cabrão!" mas censuro-me e só lhe atiro o "cabrão" enquanto ele corre, assustado, corredor afora.
Avanço, comigo protestando "um dia ainda levas um par de estalos!". Mas no último lanço de escadas ainda murmuro impropérios contra o mariola estrangeiro: "Brranco!!", desprezo-o em ímpeto xarroco!! "Francês!!" ("ou, vá lá, da Valónia", aponho-me em rodapé).
À boca da estação entro no primeiro café. Peço uma Coca-Cola. E ofereço-a ao Professor Ventura que em mim vive. Depois sigo à loja do cidadão, recolher o renovado passaporte deste meu país.
Fundado por... francos.