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Delito de Opinião

Remar contra a maré (5)

Sérgio de Almeida Correia, 24.07.15

"(…) Depois, até o próprio Schäuble, de longe o mais firme oponente de um alívio da dívida, admitiu que a Grécia precisava deste; mas também argumentou que esse alívio violaria as provisões do[s] tratado[s] da União Europeia que impedem auxílios (bailouts) aos governos. Na sequência da notável descoberta de Schäuble (tornada pública só depois da catástrofe total acontecer), a própria Merkel opinou que, talvez, algumas formas de ajuda (tais como cortes nas taxas de juro, mais do que no valor nominal da dívida) podiam cumprir a função de uma forma que fosse consistente com as regras da UE.

O facto da dívida grega estar em risco foi reconhecido só depois das negociações terem colapsado e exposto os falhanços sistémicos que trouxeram a Grécia e a Europa até este ponto. O que vemos é um sistema europeu de gestão de crise que está repleto de ineptidão, politização extrema, espertezas e falta de profissionalismo. Não quero seguramente excluir o clientelismo grego, a corrupção e a má gestão como causas últimas da situação. Mas, em todo o caso, o falhanço das instituições europeias não deixa de ser menos alarmante. Ou a UE salva a Grécia agora, ou não será capaz de se salvar a si própria.

A UE funciona hoje um pouco como os EUA no tempo dos Artigos da Confederação, que definiram a ineficiente estrutura de governo dos EUA depois da independência da Inglaterra (Britain) em 1781, mas antes da adopção da Constituição de 1787. Tal como os novos independentes EUA, a UE hoje tem falta de um poder executivo forte e efectivo capaz de enfrentar a actual crise económica. Em vez de uma liderança executiva robusta temperada por um parlamento forte, vemos comités de políticos nacionais a orientarem o espectáculo na Europa, na prática ultrapassando a Comissão Europeia (muitas vezes para se protegerem). É precisamente porque os políticos nacionais respondem à política nacional, em vez dos interesses mais amplos da Europa, que a verdade sobre a Grécia foi mantida silenciosa durante tanto tempo.

O Eurogrupo, que é constituído por 19 ministros das finanças da zona euro, incorpora esta dinâmica destrutiva, reunindo-se em algumas semanas (por vezes mais frequentemente) para gerir a crise europeia na base das suas agendas políticas nacionais em vez de uma abordagem racional para a solução do problema. A Alemanha tende a mandar (to call the shots), evidentemente, mas as políticas nacionais discordantes de muitos estados-membros contribuíram para um desastre a seguir a outro. Foi o Eurogrupo, depois de tudo, que “resolveu” a crise financeira de Chipre através do confisco parcial de depósitos bancários, dessa forma minando a confiança nos bancos europeus e preparando o cenário para o pânico dos bancos gregos dois anos mais tarde.

No meio de tal disfunção, uma instituição internacional manteve-se de algum modo acima da luta política: o FMI. A sua análise foi de longe a mais profissional e menos politizada. Apesar disso, o FMI permitiu-se ser um joguete dos europeus, especialmente dos alemães, em detrimento de uma resolução da crise grega há já vários anos. Em tempos, os EUA poderão ter ajudado à promoção de mudanças políticas baseadas nas análise técnicas do FMI. Agora, todavia, os EUA, o FMI e a Comissão Europeia ficaram todos a ver da bancada a forma como a Alemanha e outros governos nacionais levaram a Grécia ao tapete.

A bizarra estrutura de decisão europeia permitiu que a política interna alemã prevalecesse sobre todas as considerações. E isto significou menos interesse numa resolução honesta da crise para evitar que dessem a ideia de que estavam a ser lenientes com a Grécia. Os líderes alemães podem justamente temer que o seu país seja deixado com a factura dos resgates europeus, mas esse foi o resultado de ter sacrificado a Grécia no altar de uma ideia abstracta e que não funciona: “não aos resgates”. A não ser que um compromisso racional seja alcançado, a insistência nesta perspectiva conduzirá a resgates mais massivos e eventualmente mais onerosos.

Não estamos certos do final do jogo. Os bancos gregos fecharam, a sua dívida foi reconhecida como insustentável, e o futuro de ambos, bancos e dívida, continua incerto. As decisões tomadas pela Europa nos próximos dias determinarão o destino da Grécia; com conhecimento total ou não, também determinarão a confiança na Europa." - Jeffrey D. Sachs, Down and Out in Athens and Brussels, 11/7/2015

 

“(...) Qualquer que seja a razão, a Alemanha tratou mal a Grécia, falhando na oferta de empatia, análise e alívio da dívida que eram requeridos. E se assim fez para ameaçar a Itália e a Espanha, então deve-lhe ser recordado o imperativo categórico de Kant: os países, como os indivíduos, devem ser tratados como fins, não como meios.

Os credores, às vezes, são espertos, e por vezes incrivelmente estúpidos. A América, a Inglaterra, a França, foram incrivelmente estúpidos em 1920 quando impuseram reparações excessivas à Alemanha após a I Guerra mundial. Nos anos 40 e 50, os EUA foram um credor inteligente, dando à Alemanha novos fundos ao abrigo do Plano Marshall, seguidos por um perdão da dívida em 1953. Nos anos 80, os EUA foram um mau credor quando exigiram pagamentos excessivos na América Latina e em África; nos 90 e mais tarde, organizaram-se, colocando o alívio da dívida em cima da mesa. Em 1989, os EUA foram espertos quando deram à Polónia um alívio da dívida (e a Alemanha foi atrás, embora relutantemente). Em 1992, a sua estúpida insistência no serviço da dívida russa da era soviética lançou as sementes para as relações amargas de hoje .

As exigências alemãs levaram a Grécia ao ponto de quase-colapso, com consequências desastrosas para a Grécia, a Europa e a reputação global da Alemanha. Este é um tempo de bom senso, não de rigidez. E bom senso não é moleza. Manter uma relação próspera e pacífica na Europa é responsabilidade vital da Alemanha; mas é também, seguramente, o seu interesse nacional mais vital.” – Jeffrey D. Sachs, Germany, Greece and the Future of Europe, 21/7/2015

 

(Jeffrey D. Sachs is Professor of Economics and Director of the Earth Institute at Columbia University. He is also a Special Adviser to United Nations Secretary-General on the Millennium Development Goals)

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