Remar contra a maré (4)
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Uma mistura curiosa de brutalidade e indecisão
Mas esta liberdade está agora a tornar-se um problema para Merkel. A cimeira do euro do passado fim-de-semana esteve perto de um falhanço porque Schäuble tentou forçar através de propostas mais duras. E isto por um ministro das Finanças que tinha feito tanto pela unidade europeia. Há apenas três anos, Schäuble ganhou o Prémio Internacional Carlos Magno, de Aachen, pelas suas contribuições para a integração do Continente, mas agora é visto pelos países da Europa do Sul como o epítome do alemão perigoso. Isto também se junta ao drama de Wolfgang Schäuble.
Em décadas passadas, o peso da mediação europeia caiu sempre sobre a Alemanha. Mas só quando a Alemanha suprimiu os seus próprios interesses é que se tornou possível encontrar a harmonia na complicada malha que é a Europa, onde o Sul católico encontra o Norte protestante e alemães obsessivos pela norma caminham juntos com gregos anárquicos. Ninguém interiorizou mais esta lei do que Schäuble – ou pelo menos assim parecia. Agora, a política alemã para a Europa revela-se, ela própria, uma curiosa mistura de indecisão e brutalidade. Esta brutalidade, para a maioria, vem de Schäuble.
Era indiscutivelmente o momento certo para impor à Grécia rigorosas reformas. Era a única forma de persuadir países como a Eslováquia e a Letónia para libertarem novos fundos. Mas a maratona do último fim-de-semana na cimeira de Bruxelas não trouxe só um novo pacote para a Grécia. A nova Alemanha também se deu a conhecer com um rosto pouco habitual. Foi aí que Schäuble levantou a ideia de empurrar a Grécia para fora do euro. Foi uma sugestão que quebrou um tabu europeu. A Alemanha, entre todos os países, estava a mostrar a outro membro da Eurozona a porta de saída. Alemanha cuja elevação está tão intimamente ligada à solidariedade e perdão dos seus vizinhos.
A cimeira não foi só uma mera quebra da política europeia da Alemanha. Foi também descrita como a tragédia de Merkel e Schäuble, encadeada numa altura em cada um trabalhava para o seu lado.
A calamidade começou na última quinta-feira quando altos responsáveis do governo de coligação de Merkel se encontraram na Chancelaria. Merkel estava lá, como estavam Schäuble, o líder do SPD, Sigmar Gabriel e o ministro dos Negócios Estrangeiros Frank-Walter Steinmeier, que é também do SPD. A ideia era prevenir um rompimento com a França, mas o grupo também discutiu sobre a forma de proceder com a Grécia se esta se recusasse a executar as reformas exigidas pelos seus credores.
Schäuble propôs nessa situação um grexit temporário. Mekel e os líderes do SPD concordaram, mas para eles era mais do que uma experiência difícil. A Grécia, eles sabiam, jamais estaria disposta a assinar um grexit.
Um castigo para a Grécia
Na noite seguinte, apesar disso, o secretário de Estado de Schäuble, Thomas Steffen, enviou um documento com o título "Comentários sobre as últimas propostas gregas" para alguns colegas, incluindo o chefe do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem. No Ponto 2 referia-se que se Atenas não cumprir com as exigências dos credores, o país devia ser encorajado a sair do euro durante pelo menos cinco anos.
Schäuble e a sua gente viram esta proposta como uma proposta para, de uma forma cooperante, resolver o grexit – pelo menos seria essa a linha oficial. Mas Schäuble também avisou os gregos de que poderia conseguir, mesmo contra a vontade de Atenas, uma maioria de ministros das finanças para apoiarem um grexit.
Quando Schäuble aterrou em Bruxelas, no sábado de manhã, verificou que as suas propostas não haviam sido incorporadas no documento de trabalho dos ministros. Não se sabe quem foi o responsável. Podia ter sido a Itália, por exemplo. Ou a França. Ambos os países opunham-se firmemente à expulsão da Grécia da zona euro. Schäuble não estava em si.
Primeiro, Schäuble consultou os outros ministros das finanças conservadores, que pertencem, tal como a CDU dele, ao Partido Popular Europeu. Tal como Schäuble, a maioria era a favor do grexit e os homens elaboraram um plano par se ver qual seria a melhor forma de forçar a Grécia a sair da área da moeda comum. Os ministros concordaram em formular condições estritas para um terceiro pacote de ajuda que o Governo grego nunca seria capaz de aceitar. Como forma de pressionar a Grécia para sair do euro, Schäuble imaginou o chamado fundo de confiança (trust fund) no qual cairiam todas as receitas da venda dos bens gregos. Para o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras, isto já teria sido suficientemente impertinente. Mas os ministros conservadores queriam ir mais longe e pediram que o fundo fosse localizado no Luxemburgo, uma situação que Tsipras possivelmente não poderia aceitar. Quando Schäuble chegou, mais tarde, à reunião do Eurogroupo, ele podia ao menos marcar uma vitória parcial. Ele estava em condições de conseguir que a ideia do grexit e que o modelo do fundo de confiança passassem para o documento final. Mas acontece que ambos estavam entre parêntesis, querendo significar que os ministros das finanças não estavam nesse acordo. Ainda assim, os líderes europeus receberam a minuta (o draft) em que aparecia oficialmente uma Eurozona sem a Grécia.
Tal como na proposta de Schäuble, surgiu e tornou-se público um grexit temporário, a humilhação vinha a seguir. "À Alemanha digo eu: Basta, basta”, disse o primeiro-ministro Matteo Renzi. O ministro dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo Jean Asselborn e o Chanceler austríaco Werner Faymann protestaram dizendo que Schäuble queria obviamente humilhar um parceiro europeu. E rapidamente Merkel e aos seus assessores tomaram conhecimento e perceberam como era explosiva a proposta. De repente, ela [Merkel] era vista por toda a Europa como a chanceler que queria pôr a Grécia fora do euro. (...)” – Der Spiegel, 18/07/2015 (extracto)
(sublinhados da minha responsabilidade)
Nota: Penso que o essencial e o sentido daquilo que está no texto original corresponde ao que aqui fica. Esta foi a versão do Der Spiegel. Estes são os factos que oito jornalistas de uma revista alemã – das mais importantes a nível interno e externo – relataram a outros alemães. E esta é uma parte da história que os portugueses e os leitores do DdO tinham de conhecer para formarem a sua opinião sobre o que se passou. E sobre o papel dos diversos protagonistas da crise grega. De qualquer modo, quem puder deverá ler o texto integral. Até para poder avaliar o papel do primeiro-ministro português no acordo final. Cada um que vá tirando as suas conclusões.