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Delito de Opinião

Regressos

Ana Vidal, 26.05.16

Há dias em que tudo nos nos puxa inexoravelmente para o passado. Dias que nos obrigam a olhar para trás e a reviver momentos longínquos, antes que a voragem do tempo os leve para sempre da nossa memória. Que nos devolvem imagens de muros caiados, cheiros e sabores há muito perdidos, sons de passos em soalhos encerados ou lajes de pedra, alamedas de cedros e palmeiras onde o sol se entretém a desenhar sombras chinesas, povoando de fantasia os misteriosos caminhos da infância.

Ontem foi um desses dias. Sem saber como nem porquê, no regresso de Lisboa para Sintra fiz um desvio e fui procurar uma velha quinta, vendida há anos, onde passei os mais saudosos Setembros da minha vida. Foi um erro. Para começar, custou-me encontrar o lugar, porque já nada existe que seja reconhecível: os arredores passaram de muros de pedra cheios de musgo e estradas de terra batida a um emaranhado de ruas asfaltadas entre prédios altos, todos iguais; a antiga casa da quinta, desenhada por Raul Lino, foi substituída por inúmeras moradias geminadas pintadas de um amarelo pífio; todas as árvores e plantas morreram ou foram arrancadas; o portão verde de ferro rendilhado deu lugar a uma enorme placa metálica que obedece ao abre-te sésamo de um qualquer comando electrónico; o velho tanque, a que gostávamos de chamar piscina e fazia as nossa delícias, desapareceu sem deixar rasto. Há uma grade alta que rodeia tudo, sem ter sequer uma sebe a suavizar-lhe a rigidez ameaçadora.

É um condomínio de luxo, minha senhora, disse-me uma mulher a quem fiz perguntas cujas respostas não queria ouvir. Luxo? A mim pareceu-me uma triste gaiola partilhada.

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