Regresso a Marx
A cada crise europeia, volta-se a Karl Marx. Já não com a obsessão de encontrar terapias salvíficas na obra do grande teórico do século XIX, mas pelo menos para se estabelecer uma comparação com o diagnóstico que então traçou e os tempos actuais. Ando a reler um livrinho dele, o clássico O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, e confirmo o que já sabia: Marx escrevia muito bem.
Repare-se nos dois parágrafos de arranque da obra (traduzo directamente do castelhano, pois leio uma versão impressa nos anos 70 em Barcelona): «Hegel diz em algum lado que todos os grandes factos e personagens da história universal se produzem, digamos, duas vezes. Mas esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a outra como farsa. (...) Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem de modo arbitrário, sob circunstâncias eleitas por si próprios, mas sob circunstâncias directamente proporcionadas e herdadas do passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. Lutero disfarçou-se de apóstolo Paulo, a revolução de 1789-1814 envergou alternadamente as vestes da República Romana e do Império Romano, e a revolução de 1848 não conseguiu fazer melhor do que parodiar a de 1789 e a tradição revolucionária de 1793 a 1795.»
Fica agarrado o leitor, logo de início, a esta prosa. Mesmo o leitor que está muito longe de ser marxista.