Regresso a Danang (4)
Com os anos tornei-me mais comodista. Se aos 17 anos podia dormir num saco-cama em Bruxelas ou Milão e comer latas de ravioli em Amesterdão, de tal forma que enjoei e durante dezenas de anos nunca mais comi essa coisa, hoje em dia não dispenso um pequeno-almoço capaz e um jantar reconfortante. Em muitos sítios isso não é possível obter e por vezes é necessário escolher entre o “sacrifício” de fazer uma deslocação ou o comodismo de ficar pelas redondezas. No Nepal posso bem dispensar um bom bife, se que é se pode dispensar aquilo que raramente ou nunca há, para ir a Nagakort ver nascer o dia no ponto mais alto do mundo, ou procurar as melhores vistas dos Annapurna, em Pokhara, porque um tipo normal perante aquilo que vê, esmagado pela criação do mundo, até do ar e da luz se alimenta. O ideal, porém, será conciliar a viagem com o prazer de uma boa refeição. Ou de várias.
Se há sítio onde é possível saborear boas e requintadas refeições é no Vietname. E neste ponto tanto faz estar em Hanói, em Danang ou em Ho Chi Minh. Há sempre um local onde se pode descansar, comer óptimos crepes frios de farinha de arroz, recheados com camarão ou com carne, perfumados com muitos coentros e com o permanente aroma a lima, ou então “devorar” uns pequenos bocados de carne de vaca grelhada embrulhada em finas folhas de lótus.
O coco, o gengibre, o estragão, a salsa, o cebolinho, os pimentos, verdes, amarelos e vermelhos, o tomate, de todas as variedades, são parte integrante da dieta local. Os filetes de peixe, o peixe no vapor, as vieiras cozinhadas de mil e uma formas (eu gostei particularmente das grelhadas enroladas em bacon), as saladas de peixe, são outras iguarias inesquecíveis. Em Danang existe um prato típico, muito saboroso pela profusão de ervas, que é o Cao Lau. Trata-se de uma espécie de sopa, composto por um caldo transparente muito saboroso, que contém uma massa muito fina de noodles feita de farinha de arroz, croutons fritos, finas fatias de carne de porco assada e mil e um aromas. Com um pouco de piripíri fica divinal. Como adoro o sabor da lima, da hortelã e dos coentros estou sempre bem. Há muita lula, confeccionada de diversos modos, em salada, com lima, manga verde, cebola roxa e piripíri, em espetadas, muitas vezes vendidas nas cozinhas ambulantes junto ao mar onde os namorados se vão abastecer, excelentes amêijoas, por vezes apresentadas num magnífico caldo com espinafres, de tomatada ou numa espécie de Bulhão Pato, mexilhões, ostras, lavagante, e por aí fora. Também famosos na região de Danang e Hoi An são os White Rose, pequenos dumplings de camarão feitos no vapor com uma receita que, segundo rezam os livros, terá mais de 120 anos. E é claro que para quem tem sempre saudades das origens ou queira aproveitar para conhecer outros sabores há comida das mais diversas proveniências: chinesa, malaia, tailandesa, italiana, francesa e até bife na pedra e steak houses australianas e irlandesas.
Na marginal interior, junto ao rio, na Bach Dang Street, n.º 150, recomendo o Waterfront (Bén cang, em vietnamita, com site na Internet), bar e restaurante, propriedade e frequentado por expatriados e locais, que à sexta e ao sábado costuma ter programas de música ao vivo. Mesmo ao lado, aí a uns 15 metros, também há um restaurante japonês, cujo nome não recordo. No Pulman fica o Epice, com cozinha de fusão urbana e a classe de um hotel de cinco estrelas, com cozinha aberta e vista para Lady Buddha. Do lado oposto da rua, uns metros mais à frente, ficam o irlandês Murphys Steak House, o Babylon, este último para bolsas mais leves mas onde se come bastante bem para o preço diversos tipos de comida asiática e não apenas vietnamita, e o Lam Vien, já ao dobrar da esquina, no 88 da Tran Van Du, no bairro de Ngu Hanh Son. Se ficarem no interior terão dificuldade em acomodar as pernas nas lindíssimas e pouco funcionais mesas de pesada madeira. Quem for para o primeiro andar terá de se descalçar e deixar os sapatos junto à escada, embora o ideal seja ficar no jardim, entre o verde e a água que cai da fonte, com os pés na relva enquanto os sapos e rãs manifestam a sua satisfação. As sobremesas e os doces, de tradição francesa, não fazem as minhas delícias. Têm pouco açúcar. Sou mais do tipo arroz doce, abade de Priscos ou barrigas de freira. Não se pode ter tudo, apesar de haver sempre a opção por um gelado, local ou importado. Também fiz uma refeição no Tranquilos, nas cercanias do Holiday Beach Hotel, que tem uma simpática esplanada onde se pode jantar qualquer coisa menos elaborada e ouvir velhos clássicos ao saxofone e ao piano, acompanhando um vinho de copo largo e final longo.
Actualmente, há bom vinho em Danang. Carote, como todo o álcool importado, menos mal nas happy hours de alguns bares, por vezes entre as 21 e as 22 horas. Uma garrafa de vinho chileno ou italiano não custa menos de 400.000 dongs, cerca de USD 20. Tive a sorte de poder beber um APEC 2006, que é um razoável cabernet sauvignon local, da região de Dalat, que não deslustra a herança francesa. O nome decorre do facto de ter sido um vinho especialmente produzido e oferecido pelo Presidente do Vietname aos seus convidados estrangeiros durante a cimeira da APEC que nesse ano teve lugar. Se não for de beber água e sumos naturais, e aqui há em abundância, o ideal é optar pela cerveja. Importada ou local, também esta de excelente qualidade, geralmente com um teor alcoólico inferior ao que os europeus estão habituados mas capaz de pedir meças às Sagres, Stella, Budweiser, Heineken, Fosters ou Kronenbourg. Em Danang há mesmo uma cervejaria checa, podendo-se ver as cubas da rua.
Os apreciadores de chá também não se poderão queixar porque há de tudo. Diria mesmo mais “do que na farmácia”. De jasmim, de crisântemo, de gengibre, de lima e mel, verde, preto, vermelho, é o que se quiser. Quem preferir cacau ou chocolate (o Vietname exporta chocolate para a Bélgica!) também tem por onde escolher. E bom.
Deixei para o fim uma das minhas bebidas de eleição. E de perdição. Ali produz-se, tal como em Bali, Java, Sumatra ou Timor, o famoso kopi luwak, o melhor café do mundo, cujo quilograma pode ascender facilmente aos 500 ou 600 USD. Só o aroma do acabado de fazer é uma bênção, um desvario para os sentidos. A cor, o cheiro, o sabor, o charme de quem serve...; enfim, em todo o caso não será preciso beber deste para saborear excelentes variedades de arábica e robusta e ser bem servido. Depois do corte da produção, durante a guerra, o país voltou à normalidade e é hoje o segundo produtor mundial de café. Como seria de esperar bebe-se muito e bom, seja o tradicional feito em chávenas individuais com um filtro de alumínio ou o expresso das mais modernas máquinas italianas. Beber café é um costume nacional de Hanói a Ho Chi Minh. A qualquer hora do dia ou da noite. Há muitos produtores, vários privados, incluindo multinacionais que se instalaram por volta da década de 90, mas a maioria da produção é estatal.