Regresso a Danang (3)
A rapidez com que o país se desenvolveu no espaço de uma geração é deveras impressiva. Quando há vinte anos me desloquei pela primeira vez à Marble Mountain - Thuy Son - e à famosa China Beach (a original ficava no local onde actualmente se ergue o Furama), uma extensa linha de areia que se prolonga ao longo de cerca de 30 km, as estradas eram más, o caminho que conduzia até à praia era de terra batida e não havia um único alojamento disponível ao longo da linha de costa. As moscas e mosquitos abundavam. Havia apenas barracões, pequenos casebres com ar de habitações clandestinas, e uma ou outra espécie de esplanada com mesas e cadeiras de plástico e quase nada para oferecer. Duas décadas depois as estradas são novas, há passeios a acompanhá-las, há uma marginal com um passeio marítimo na zona mais a norte, próximo das cercanias da cidade, dezenas de restaurantes, a maior parte dos quais virados para o mar e servindo peixe e marisco, estacionamentos públicos, parques para os milhares de motociclos (até a Ducati tem um stand em Danang), bares de praia com música ao vivo que fazem recordar os chiringuitos das praias andaluzas, alguns com karaoke para os mais afoitos, vestiários e duches públicos, bancos de pedra onde se namora e petisca ao final da tarde.
Depois, à medida que se caminha mais para sul, em direcção a Hoi An, sucedem-se os hotéis para todas as bolsas e, junto à linha de água, os resorts de 5 estrelas das grandes cadeias internacionais: Hyatt, Crown Plaza, Fusion Maya, Pulman; mais longe, na península de Son Tra, paredes-meias com Lady Buddha, fica o inconfundível Intercontinental. Também o golfe já faz parte do seu cardápio, trazendo japoneses, malaios, chineses, norte-americanos e coreanos. Para além do Danang Golf Club, o Montgomerie Links, que foi buscar o nome a Colin Montgomerie, golfista que venceu 8 vezes a Ordem de Mérito Europeia, que em 2010 foi capitão na Ryder Cup e desenhou o percurso, faz as delícias dos amantes da modalidade. Em Março passado foi aí que teve lugar uma das etapas do “Mercedes Benz Trophy 2015”. Para quem gosta de mergulhar, próximo de Danang e Hoi An, há sempre a hipótese de ir até Cham.
Acessos fáceis, qualidade das infra-estruturas, conforto dos alojamentos, beleza da paisagem, tranquilidade, preços acessíveis, tanto ao cidadão médio como aos reformados de países decentes e a estudantes pouco abonados que não andem à procura de discotecas estupidificantes, tudo isto pode fazer muito por uma região ou um país. Mas isso será sempre pouco se não se souber receber, se o serviço for recorrentemente mau, se os empregados dos restaurantes e dos hotéis se apresentarem mal encarados, desleixados ou com ar que quem está sempre cansado, continuando sentados e a ler o jornal quando chega alguém, enquanto fazem gestos vagos, ao mesmo tempo que olham para o relógio, para indicarem com a manápula besuntada uma mesa vaga. Neste momento deve haver muito poucos locais que ofereçam uma relação qualidade/preço para se gozar de uns dias de sossego como o Vietname. Se aliarmos a isso a segurança a qualquer hora do dia ou da noite, comprovável nas portas abertas das casas numa cidade com mais de 900.000 habitantes, e a simpatia e hospitalidade de quem recebe, estarão reunidos os ingredientes para momentos de puro deleite.
Nos restaurantes são as toalhas e guardanapos de excelente algodão, estupendamente limpos, perfumados e bem passados, que chamam a atenção. E não constituem uma raridade. Refiro-me a estabelecimentos normais, acessíveis a qualquer cidadão, numa zona balnear sem grandes luxos. Apesar de tudo muito distante das descrições que Somerset Maugham fez dos locais por onde passou e pernoitou em Saigão e Hué.
A nota máxima, contudo, vai para o asseio das suas casas de banho, a começar pelas públicas, junto às praias, ou em qualquer tasca, por mais humilde que seja, algumas com cartazes contendo desenhos e frases explicativas, em especial para "turistas" vindo de outras paragens, elucidando-os de que não é necessário colocarem-se de cócoras com os pés apoiados no rebordo das sanitas quando destas fazem uso, e onde não faltam o sabonete, o papel e as toalhas, estas muitas vezes pequenas, turcas e enroladas, imitando as dos hotéis mais elegantes, para uma pessoa se poder refrescar da canícula e da humidade.
A ANA, que gere os nossos aeroportos, a CP, algumas concessionárias de áreas de serviço em auto-estradas e de cantinas urbanas com pretensões ao estrelato, por exemplo, podiam aproveitar para mandar alguém até estas paragens para verem como se mantém a qualidade desses espaços, desde sempre fundamentais para se avaliar o grau de civilidade de uma nação e do seu povo. Para quem está em Portugal, para quem vive na Europa, viajar - não me refiro a excursionar em bando - por estas paragens devia ser obrigatório. Devia dar direito a um abatimento qualquer no IRS mediante a apresentação dos comprovativos da deslocação. Não seria nada de mais.
Recordo-me de ter lido há uns anos, creio que em Theroux (A Arte da Viagem, editado pela Quetzal), aliás citando Mark Twain, ser a viagem fatal para o preconceito e a estreiteza de espírito. E muitos de nós, digo eu, precisam dela como de pão para a boca. Porque é a viagem que nos abre horizontes e que, como também ensinou Flaubert, nos torna mais modestos porque nos permite ver melhor o lugar que ocupamos no mundo. O nosso, sim, mas também o dos outros.