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Delito de Opinião

Regresso a Danang (2)

Sérgio de Almeida Correia, 07.04.15

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As impressões com que cada um de nós fica dos locais por onde passa não é feita de quadros estatísticos. Impressões não são tratados, quadros complexos, gráficos. Registar percursos, recordar pequenos apontamentos, tomar nota do que numa fracção de segundo nos marcou é muitas vezes tudo o que fica de uma viagem. Como uma frase de um livro que se leu. Partilhar o que se viu ou o que se sentiu com quem não estava lá não é um tratado estatístico. Menos ainda quando se viaja sem manada, chegando para o pequeno-almoço à hora em que os impacientes guias das excursões organizadas entram pelos hotéis à procura dos retardatários refractários. É nessa altura que se torna possível começar a sentir a luz do dia. Sem pressas, como convém a quem observa.

Lembrava-me de ter visto ali o rio alguns anos antes, de ter circulado por ruas desertas, percorrendo becos solitários onde de quando em vez se vislumbrava um gato pachorrento, estendido ao sol, ou uma vendedora de frutos secos. A pequena ponte coberta construída no final do século XVI pelos japoneses tinha ficado gravada na minha memória. Tal como a arquitectura do seu mercado ou a marginal junto ao movimentado rio. Outrora um importante entreposto comercial, capital do Império Chan, actualmente protegida pela UNESCO, Hoi An continua a ser um local cuja arquitectura única e a profusão de aprazíveis restaurantes e cafés, galerias de arte, lojas de artesanato e de estilistas locais e estrangeiros se misturam com a herança histórica chinesa e japonesa.

O cuidado que foi colocado na recuperação dos edifícios antigos, a preservação das características originais das construções, incluindo o restauro das cores naturais, sem modernices pirosas nem o novo-riquismo dos horríveis vidros azuis espelhados de construções frias, desmesuradamente amplas e incaracterísticas que tomou conta de muitas vilas e cidades noutros sítios, não se verificou aqui. Mesmo nos casos em que a finalidade originária da construção se alterou foi possível manter a traça, o pátio interior, os materiais de sempre.

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Quando me coloco na posição de quem nunca esteve, ou de quem não conheceu antes a cidade, imagino que o choque seja grande. Aquilo não é a Itália renascentista, mas a riqueza do que ali se encontra, a harmonia perfeita das cores e das formas é capaz de nos dar a dimensão do que nos é oferecido, da opulência de outros tempos e de outros senhores. Casas senhoriais, templos, um pequeno museu de história e cultura, esculturas em granito, trabalhos em madeira, passeios pelo rio, e os incontornáveis alfaiates e sapateiros, agora ocupados por executivos australianos e irlandeses que pretendem tirar partido do "feito por medida em 24 horas" ao preço da uva mijona, e largam o cartão de visita nas mesas e cinzeiros de todos os sítios por onde passam, fizeram de Hoi An um local de peregrinação.

O número de bicicletas que se acotovelam nos cruzamentos com chapéus barbudos de alças e matulonas louras de tranças e calções rechonchudos a fazerem a ligação entre o selim e as chinelas, o chinfrim das campainhas e constantes buzinadelas, misturado com os inconfundíveis chapéus e bandeirinhas das excursões de japoneses e coreanos, começa a ser desagradável para quem gosta de viajar e se deslocar sem levar consigo atrelado o novo turismo das selfies e dos iphones. Mas será no justo equilíbrio entre a democratização do turismo, que trouxe consigo a possibilidade de muitos terem acesso e poderem conhecer aquilo que de outra forma lhes estaria vedado, e a preservação dos espaços, do conforto de quem se desloca e da qualidade de vida dos residentes que deverá ser encontrada a medida. Em Hoi An ou em qualquer outro local.

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