Reflexões europeístas (6)
Algumas forças políticas, em alegada defesa do estado social, consideram que o problema é a Europa. Como se a solução estivesse fora da Europa. Mas não está. Porque a verdade é esta: ou haverá estado social dentro da Europa ou não haverá estado social de todo.
Convém não abusarmos da falta de memória: o estado social português só se generalizou e consolidou após a nossa adesão à Comunidade Económica Europeia. O modelo social europeu é, de resto, uma das grandes conquistas da segunda metade do século XX -- prenunciada na legislação sobre benefícios sociais decretada pelo chanceler alemão Otto von Bismarck ainda no século XIX, e na legislação do Governo da Frente Popular (1936-37) liderado por Léon Blum em França, que concedeu pela primeira vez subsídio de férias aos trabalhadores e reduziu a semana laboral para 40 horas.
Muitos dos que hoje falam desdenhosamente na Europa "dos mercados" esquecem o contributo desta mesma Europa para as conquistas civilizacionais no domínio social. Também neste domínio -- como no das conquistas científicas, da fruição cultural e na defesa das liberdades essenciais -- a Europa serve de exemplo ao mundo.
Portugal só tem hoje estado social porque abandonou as ilusões terceiromundistas do período revolucionário e tomou como referência a Europa. O nosso estado social beneficiou do financiamento europeu, por muito que os vendedores de ilusões pretendam agora convencer-nos do contrário.
De resto, quando hoje alguns se indignam contra eventuais "recuos" sociais em curso, prestam homenagem involuntária à década e meia de apogeu do estado social português, que não por acaso coincidiu com o período de maior prosperidade de que guardamos memória - um período que correspondeu aos mandatos dos primeiros-ministros Cavaco Silva e António Guterres, entre 1986 e 2001.
O problema é que o estado social não existe no vácuo. Se alguma lição a crise que conduziu à intervenção financeira externa em Portugal entre 2011 e 2014 nos ensinou foi esta: o ajustamento orçamental é condição indispensável para um Estado assumir livremente opções de carácter político. Há que manter relação equilibrada entre as receitas que somos capazes de gerar e o nosso montante de despesa pública.
Desde logo perante esta realidade inelutável: os pensionistas do sistema geral e da Caixa Geral de Aposentações representam 40% da nossa população e Portugal gastou em despesas sociais na última década 18,4% da riqueza que produziu (acima de países como a Alemanha, a Holanda, o Reino Unido, a Hungria, a Polónia, a Grécia, a Noruega e o Luxemburgo, em termos percentuais).
Num país ainda marcado por graves assimetrias sociais, como o nosso, as desigualdades agravam-se num cenário de colapso das contas públicas -- que fatalmente lesam mais os pobres do que os ricos. É inútil, portanto, separar a economia das finanças. A economia só adquire real autonomia num quadro de finanças sustentáveis, com um sistema bancário capitalizado. Não há "escolhas políticas" num país falido.
O que, podendo ser dramático, tem pelo menos o mérito de clarificar o rumo a seguir.