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Delito de Opinião

Reflexões europeístas (2)

Pedro Correia, 13.05.14

Dresden em ruínas (1945)

 

Se o euro sucumbisse, a Europa voltaria a mergulhar na guerra no prazo máximo de uma década.

É uma profecia arrepiante. Mas nem por isso deixou de ser escutada com máxima atenção pelos dirigentes da União Europeia. Foi feita em 2011 pelo então ministro polaco das Finanças, Jacek Rostowski, um homem que experimentou na pele o drama de uma Europa dividida: nasceu no Reino Unido, quando a família ali se encontrava refugiada na sequência da agressão conjunta ao seu país cometida por nazis e comunistas. A sua biografia pessoal conferia-lhe particular autoridade moral para lançar este aviso. Não esqueçamos que as duas guerras mundiais, ocorridas no último século, começaram precisamente na Europa. Quando a primeira começou, no dia 28 de Julho de 1914, ninguém acreditava que seria para durar. No final, quatro anos mais tarde, tinha deixado um macabro cortejo: pelo menos 35 milhões de vítimas.

O hipernacionalismo foi o maior vírus que desagregou o continente nesses dias tão trágicos. E o pior é que viria a desagregá-lo novamente vinte anos mais tarde. Dir-se-ia que temos a maior dificuldade em escutar os ecos que a História nos transmite, tantas vezes com o seu inapagável cortejo de horrores.

Recomendo, a propósito, a leitura das memórias de Stefan Zweig, O Mundo de Ontem: aquele período surge lá exemplarmente descrito. «Foi uma vaga que se abateu com tanta violência, tão subitamente sobre a humanidade que, ao cobrir de espuma a superfície, trouxe ao de cima as tendências obscuras do inconsciente e os instintos do animal humano -- aquilo a que Freud, numa visão profunda, deu o nome de "sentimento de aversão pela cultura", a necessidade de se romper uma vez com o mundo das leis e dos parágrafos e de se dar rédea solta aos instintos sanguinários primitivos», recorda o grande escritor austríaco.

Um dos problemas da História é este mesmo: pode repetir-se a qualquer momento. Sobretudo quando as lições que nos vai deixando persistem em não ser escutadas.

10 comentários

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    Pedro Correia 14.05.2014

    Lembro o preceito bíblico: as árvores julgam-se pelos frutos. Desde que existe a Comunidade Europeia nenhum dos seus estados membros declarou guerra a outro. Algo inédito na história milenar do nosso martirizado continente.
    Todos os instrumentos da unidade europeia são, assim, promotores da paz. Incluindo o euro.
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    Vento 14.05.2014

    Meu caro Pedro,

    A conversa sobre a guerra não assusta ninguém. Todos nós sabemos que a Europa só embarcará numa guerra arrastada por outros. A importância política da Europa já não é a mesma que se observou nas duas grandes guerras. O equilíbrio de forças foi alterado e a sua importância foi reduzida ao ponto que nós hoje conhecemos.
    Na América Latina também não vemos guerras, na Ásia também não. O que se observa na Ásia (Coreia) nada mais é que a instrumentalização de um país a quem se diz que ladre quando deve ladrar e que se cale quando importa que fique calado.
    Essa visão que tem da Europa é uma visão falsamente romanceada.
    Os alemães quiseram reavivar sua importância, segundo os seus caquéticos modelos, e tiveram de encolher a cauda.
    Por isto mesmo, se quiser conhecer a árvore pelo fruto, eu recomendo que se debruçe sobre os números da pobreza, sobre o regresso à fome, sobre a dependência dos governos e a promiscuidade destes com os bancos e aos bancos centrais, sobre o desrespeito por parte de gatunos, agiotas e jogadores que se montam no dinheiro de aforradores e, a coberto dos governos que deviam respeitar os cidadãos, movimentam-se num sistema de moeda fiduciária e cujas reservas fraccionárias lhes permite fazer o que bem querem e entendem do dinheiro que lhes não pertence, e ainda ir mais longe vendendo o que não têm e multiplicando virtualmente o dinheiro restante que não se constitui em reserva.

    Concluindo, Pedro, a Europa que conhcemos pelo fruto, usando agora também uma expressão bíblica, é uma Europa de ladrões e salteadores que entram pela porta traseira para devastar as ovelhas. Mas estas, as ovelhas, não só não lhes reconhece a voz como também andam em busca de Pastor que seja alimento para elas e não as use como alimento.
    É a Europa que sem vergonha e com total despudor permite que caciques que são alimentados mensalmente por quem lhes paga um soldo se candidatem a representações políticas para aí poderem fazer a merda que outros tramam.

    Traduzindo agora para o vernáculo, Pedro, é uma Europa de filha da putice!
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    Pedro Correia 14.05.2014

    Far-me-á então o favor, meu caro, de indicar-me que zona do globo respeita mais os direitos sociais, as liberdades individuais e as garantias constitucionais do que esta Europa de "ladrões e salteadores".
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    Vento 14.05.2014

    Mau caro Pedro,

    devo referir-lhe que a fraude na Europa foi institucionalizada, isto é, criaram-se formas legais para que ladrões e salteadores, com conivência, andassem em roda solta. O caso em apreço, que referi no meu comentário resposta, é indicativo desta actuação. Poderá dizer-me que a América de Nixon, nos anos 70, iniciou este processo. Mas isto não retira verdade á minha afirmação.

    Verifico também que o Pedro usa o mais, aqui: "(...) que zona do globo respeita mais os direitos sociais, as liberdades individuais e as garantias constitucionais do que esta Europa de "ladrões e salteadores", para poder dizer que não obstante este mais concorda comigo. Porque este mais está aí para admitir a existência do menos.

    Eu conheci gente que nunca perdeu a liberdade em ditadura, simplesmente porque desejavam ser livres custasse o que custasse. E muitos entraram nas cadeias e morreram por isso mesmo. Conquistaram com perseguições e sangue aquilo que agora pretendem retirar nesta Europa, tendo começado por coagir as pessoas através da culpabilização, fazendo-as crer que elas eram responsáveis pelas políticas do gastar mais e do produzir menos. Significa isto que, associado ao acima referido, ainda fizeram jogadas baixas à moda bilderberguiana. E em Portugal até se afirmava que os portugueses tinham de se fazer à vida, como se estes nunca o tivessem feito. É este tipo de arrogância que se vê nos ignorantes.

    E o crime é mais grave porque reside no facto de terem havido profetas que, há mais ou menos 30 anos, avisavam para os perigos de uma economia de casino. E foi Jacques Delors quem fez este papel de profeta.

    Eu não sou dos que entende que a minha liberdade deve ser comprada com a miséria dos outros.

    Os discursos pacificadores só têm sentido se forem proferidos conjuntamente com a prática da Justiça. Sem Justiça não há paz. E já vou lá acima continuar com este raciocínio no seu mais recente post.
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    Pedro Correia 15.05.2014

    A Europa não vive em economia de casino, meu caro. A Europa enfrenta um problema sério de estagnação económica: várias das suas parcelas mostram-se incapazes de equilibrar receitas e despesas. Este quadro condiciona, como é óbvio, as políticas de redistribuição.
    Há duas formas de solucionar isto: com mais Europa ou com menos Europa. Você acha que a Europa é o problema; eu acho que a Europa é a solução.
    Aqui divergimos. Não subscrevo a tese de Portugal como 'jangada de pedra' à deriva pelos oceanos.
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    Vento 15.05.2014

    A Europa viveu uma economia de casino que conduziu a uma recessão económica. Neste momento vive-se o mix destas duas realidades. E tenho vindo a demonstrar que a questão das receitas e despesas tem vindo a ser agravada por jogadas de casino para se poder alimentar uma falsa dívida também. Dívida esta, como já referi, não quer ser admitida como responsabilidade de todos.

    Neste momento a redistribuição é feita de forma gritante e obscena. Pois são precisamente aqueles que jogavam à roleta com as políticas desenhadas que pretendem ser ressarcidos primeiramente dessas verbas que muitos outros em nada contribuiram para que elas aí estivessem. E os que "contribuiram", os que adquiriram casas, foram forçados pelas políticas a endividarem-se.

    Mais uma vez afirmo, em nenhum de meus comentários encontrará uma só vírgula contra a Europa, mas sim contra a Europa da prostituição. Isto é, contra a apropriação desta por parte de gangues políticos e económicos.
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    Pedro Correia 15.05.2014

    Por falar em economia de casino, meu caro, remeto-lhe com todo o gosto esta sugestão de leitura:
    http://www.bbc.com/news/world-europe-27101228
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    Vento 15.05.2014

    Obrigado Pedro,

    já conhecia essa notícia. Há muitos anos, falando com um beirão muito conhecido na política nacional e do jornalismo em Portugal, ouvi-o dizer que a solução para o problema na zona centro de Portugal, em particular na região da Serra da Estrela, em ambas encostas, passaria por decretar esta parte como zona de jogo. Tinha ele em mente também o desenvolvimento turístico que deixasse fortes receitas às comunidades locais. Isto ainda não foi decretado, e é sabido a situação em que se encontram as populações dessas regiões contíguas: desde Castelo Branco, passando pelo Fundão, Covilhã, Guarda, Seia, Sabugueiro (refiro-me à região da encosta das Penhas da Saúde e das Penhas Douradas).
    Vá-se lá saber sem tentar.
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    Pedro Correia 16.05.2014

    É curioso que o puritano e austero Putin proíbe o jogo em quase toda a vasta Rússia mas prepara-se para legalizá-lo na recém-anexada Crimeia. Devia haver limites para o despudor. Mas pelos vistos não há.
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