Referendo, república, democracia e monarquia
Há dias defendi que a abdicação de Juan Carlos abre uma oportunidade para a realização de um referendo em Espanha sobre a sua forma de organização política. Alguns leitores sugeriram, a propósito, que também em Portugal devíamos ter referendo. Quem defende esta posição parece partir do pressuposto que república e monarquia têm o mesmo ponto de partida. Que, de uma certa forma, são soluções simétricas. Ora, parece-me que não é bem assim. Escolher quem representa o povo regular e periodicamente em eleições é bem diferente de ter o povo representado por quem ostenta o direito originário a um trono. Se quisermos ser realistas, amigos monárquicos, a comparação nem deveria ser entre república e monarquia, mas sim entre democracia e monarquia. Porque o que é realmente diferenciador é a distância que vai entre eleição e sucessão. A legitimidade que se renova periodicamente numa situação e na outra... não. Outro argumento utilizado em defesa da monarquia está relacionado com factos como a república, neste caso esta nossa, ter cometido três bancarrotas em cerca de quarenta anos. Aqui, novamente, o pressuposto está errado. A comparação fundamental diz respeito, repito, ao ponto de partida (exactamente, eleição vs sucessão) e não ao ponto de chegada. Que a(s) nossa(s) e as outras república(s) estão cheias de maus exemplos, insucessos e líderes pouco recomendáveis? É tão verdadeiro como dizer que a(s) nossa(s) monarquia(s) e as outras estão cheias de exemplos de corruptos, ociosos, imbecis e putanheiros. Quer tudo isto dizer, então, que é disparatada a proposta de referendo sobre a nossa actual forma de governo? Penso que não. Assim como o fim de 39 anos de reinado constituem o momento certo para permitir aos cidadãos que se pronunciem em Espanha, quarenta anos desta fase de república também são tempo suficiente para possamos debater e decidir a nossa forma de organização política. Todavia, estava capaz de jurar pelos pêlos pretéritos e futuros do bigode de D. Duarte de Bragança que os próprios monárquicos defendem, neste momento, o referendo com pouca convicção. Mas, em todo o caso, que se faça. E não pretendo terminar sem esclaracer que não tenho qualquer má vontade especial contra reis e tal. Simpatizo mais com uns do que com outros, é certo. Em geral, prefiro os de ouros aos de espadas.