De V. a 15.02.2019 às 01:15
Ou seja, se percebi bem tudo o que ponha em causa as verdades estabelecidas pela esquerda e a malta fixe — e se oponha ao multiculturalismo e ao enxovalhamento permanente dos valores ocidentais, à desvalorização da única cultura que fez o mundo evoluir para estados democráticos com separação de poderes (os liberais europeus e não os "liberals" americanos — cuidado com a forma como se utiliza o conceito deste lado do Atlântico) e não tiver pachorra para ter de gramar com gente que odeia a Europa mas vive confortável no modo de vida ocidental e não têm de andar a comer pó em cima de um camelo; odeiam a economia livre mas não dispensam os computadores e os telemóveis para partilhar videos de trogloditas a cortar o pescoço a jornalistas ingleses estúpidos que se vão meter no meio deles — e todos os que não são os burgueses de esquerda que querem ser ricos e comprar apartamentos para alugar e trabalhar para o Estado e o Estado controlar tudo inclusivamente, desde tirar o sal aos croquetes, perguntar aos miúdos com 9 anos se têm a certeza de que não são gays, até à merda dos provérbios que se podem dizer e das cantigas que se podem cantar — todos os que não são essa gente complexada e imbecil formada no sectarismo ideológico do ensino público, são uns fachos e uns trolls com quem não se pode conversar.
De Costa a 15.02.2019 às 09:07
Será assim, pelo menos por arrastamento (ou seja, como um dano colateral aceite - se não mesmo desejado, por afectar gente que na melhor hipóteses se vai ainda tolerando - pela esquerda que insiste nos dogmas da sua superioridade moral, da sua posse do regime e dos infinitos e nunca expiados pecados do ocidente).
Veja-se aliás a caracterização cuidadosa dos males e dos maus do mundo: mas com não mais do que uma quase(?) contrariada referência muito superficial, genérica e bem secundária a "árabes e islamitas".
É a verdade a que temos direito (célebre máxima) nos nossos dias.
Costa
Acho piada que seja a esquerda sempre a culpada de tudo quando vista pelos olhos da direita. E a direita a culpada quando vista pelos olhos da esquerda.
Penso que a maior parte dos trolls serão de direita porque é nesse lado que normalmente se concentram os bilionários que estão dispostos a gastar rios de dinheiro para fazer avanaçar as suas agendas independentemente dos métodos. Mas não é só. Putin é dos maiores culpados disto (não o vejo como de esquerda, mas muita esquerda continua a defendê-lo, por isso vai na onda). Maduro faz o mesmo constantemente na Venezuela. Cuba fá-lo há décadas com ou sem redes sociais. E a China (outro país que é nominalmente de esquerda) também controla essa comunicação.
Aquilo que é indiscutível é que, em alguns aspectos, existe uma verdade dos factos que é inegável, mesmo que possa ser sempre refinada.
Como se costuma dizer, toda a gente tem direito à sua opinião, mas não aos seus factos.
De Costa a 15.02.2019 às 13:33
O que me parece (e poderei estar profundamente errado) é que há em regra uma francamente maior tolerância, por parte de quem faz e conduz opinião, para com a esquerda do que para com a direita. Isto é: muito mais cedo no seu radicalismo uma opinião tida como de direita é publicamente tomada como inaceitável do que uma posição dita de esquerda. Aliás, parece que basta algo não ser catalogável como "de esquerda" para sem mais ser fácil e pejorativamente "de direita".
Há evidentemente um ponto a partir do qual o horror é isso mesmo: horror. E chamar-lhe de direita ou de esquerda, fascismo ou comunismo, em nada o altera. Ou não devia alterar.
Mas veja - o exemplo está cansado, bem sei, mas só se for pela repetição de uma verdade - que, ainda hoje, alguém elogiar entre outros Estaline ou Mao, e reclamar a sua herança política, é algo que - independentemente do que se pensa, do que se sabe e está factualmente demonstrado (os factos, cá está) -, não impede quem o faça de seguir a sua vida, e ser até (ainda e apesar de tudo) largamente escutado e intelectualmente respeitado. Pelo menos, não ser excessivamente incomodado.
Mas é impensável, creio, contar com igual bonomia das pessoas que "estão certas" se a invocação for de uma ditadura dita de direita, mesmo que com infinitamente menos sangue nas suas mãos. Aliás, veja-se a história recente entre nós, uma ditadura, um regime autoritário de direita, tende a ser de imediato e sem mais chamado de fascista. E a ser assim chamado por parte de quem tem obrigação de saber que no rigor dos conceitos, fora alguma estética - alguma apenas e por algum tempo - na sua exteriorização, nunca o foi. Essa obrigação e a de não ser intelectualmente desonesto.
A verdade é que me é concedida - como socialmente aceitável e até como verdade a difundir - muito maior margem de mentira e distorção se me anunciar de esquerda do que se me anunciar de direita. Posso andar tranquilo pela rua se fizer pública e reiterada profissão de fé na culpa infinita do Ocidente, do capitalismo, do conservadorismo católico; já não tanto se questionar com igual assertividade a intrínseca bondade de se ser de esquerda, o resultado do que a esquerda concretizou, a tolerante magnanimidade do islamismo, ou uma dessas questões hoje chamadas "fracturantes" e incluída na agenda do que por cá temos como esquerda.
Não pense que defendo a violência caceteira, física ou escrita; de carro incendiado na avenida (ou pior), ou de teclado no sofá a debitar ódio e demagogia maniqueísta e simplista. Rejeito-a. Condeno-a. Mas condeno-a vinda de um ou outro dos lados. E nisso parece-me que estamos de acordo.
Acontece-me é não achar "piada" a que ainda hoje haja uma violência em regra apresentada como boa, pelo menos desculpabilizada, romantizada até, e outra que ainda antes de sequer o ser, de se esboçar - ainda antes - já está a ser demonizada. Ambas foram (mas, e para além da contextualização, nem por isso me sinto para sempre obrigado a pagar pelos actos dos meus antepassados), são e serão condenáveis. Sejam em nome do mais vil capitalismo sem freios, em nome das vanguardas que se acham dotadas da missão messiânica de salvar os proletários e as minorias de todo o mundo, em nome do deus de cada um.
Costa
Confesso que quando comecei a ler o seu comentário ia começar com "olhe que isso depende de quem lê e daquilo que temos a tendência de recordar", mas depois você falou em Estaline e abrandei.
Tem toda a razão: as apologias de Estaline ou Lenine são muito mais toleradas que as de fascistas. Lenine é um caso específico. Provavelmente teria sido outro Estaline, menos bestial se igualmente brutal, mas morreu excessivamente cedo para isso. A memória da ideologia mantém-no vivo e dá tolerância.
Estaline sobrevive em parte por ter sido um dos vencedores da II Guerra Mundial. Se imaginássemos que os nazis e fascistas tivessem vencido a IIGM e o mundo nos 70 anos seguintes tivesse acabado por evoluir pacificamente para democracia, talvez esse mundo fosse mais tolerante para com Hitler ou Mussolini. Não sabemos, é apenas uma suposição. Sabemos que Estaline sai vencedor do conflito e por ter sido menos bestial que Hitler.
Um facínora que não sobrevive em nenhuma circunstância é Pol Pot. Não conheci um comunista que o defendesse realmente.
Há talvez um outro elemento (já falei desse assunto noutras alturas) que deve ser considerado nessas discussões: o fascismo é uma ideologi que parte da exclusão de todos os outros em favor de uns poucos. O comunismo segue pelo caminho oposto: parte da exclusão de uns poucos em favor das massas. Isto são os pontos de partida, note, nada a ver com as aplicações ou consequências. Mas tais pontos de partida ajudam os totalitarismos de esquerda a serem mais tolerados. A ideologia inicial é "boa" porque é inclusiva e propõe a igualdade (que a priori é vista como um bem). A ideologia inicial do fascismo é "má" (eu aqui poderia retirar as aspas) porque propõe a exclusão dos outros em favor de um (pequeno) grupo.
É a minha avaliação e valeria a pena pensar no assunto com mais profundidade (já deve ter havido muito quem o tenha feito). Ler Arendt ajudará.
Como escrevi para o V., o Costa e eu discordamos muitas vezes em termos ideológicos, mas penso que não neste aspecto: a violência, seja de que tipo for, deve ser confrontada e evitada. E a cordialidade é a melhor forma de se ser civilizado.
Abraço.
De Costa a 15.02.2019 às 15:41
Grato pelas suas palavras. Provavelmente discordaríamos também nessa diferença essencial que invoca entre fascismo e comunismo. Creio que ambas se apresentavam como de massas (das massas contra o privilégio; e com elas assim o nazismo). E ambas se concretizaram (e uma se concretiza ainda) na formação de uma elite acima do credo professado e da massa diluída numa igualdade forçada e sufocante. Uma elite não exactamente despojada de apegos materiais, nem muito apegada a valores de justiça, exemplo, estoicismo e frugalidade).
E manifestavam-se na mobilização das massas. Mobilização massiva, gigantesca, frequente, rigorosamente coreografada, sem descurar alguma dose de regular violência revolucionária e onde o partido absorvia o estado. E, já agora, como então chamar fascista a um regime que tirando o "dia da Raça" (o dez de Junho), fundamentalmente um feriado estival, e a ocasional (porque foram raras) recepção ao venerando dirigente regressado de uma visita ao estrangeiro, ou ao império, às colónias ou províncias ultramarinas (isso e a paz de 1945), nutria verdadeiro horror às multidões, professava o "viver habitualmente", entre o adro da igreja e a casa do povo, conformado, "pobre mas honrado", agradecendo à providência o dom de ser pobre, e que fora dos momentos eleitorais fazia praticamente desaparecer a UN e a ANP?
Noutra coisa, contudo, estamos de acordo (e quis invocá-la no meu comentário anterior, não o tendo feito por recear parecer deplorá-la): as coisas são hoje classificadas como são, porque vivemos desde 1945 sob uma justiça dos vencedores. Como são todas as justiças e como todas as justiças - porque feitas pelos homens - imperfeita: justiça, mais do que Justiça.
Isto dito (e nem quero colocar a hipótese que formulou; mesmo que potencialmente muito interessante em termos de debate de história alternativa), felizmente venceu esta.
Costa
Claro que é uma hipótese apenas académica ou contrafactual. 100% de acordo.
E penso que a nossa conversa demonstra como ter um debate entre pessoas com posições divergentes mas com respeito pelos pontos de vista um do outro.
Grato também eu por isso.
De Anónimo a 15.02.2019 às 17:37
Estaline merece todas e mais algumas críticas, mas não me esqueço que, com ele no comando, o Exército Vermelho matou 5 milhões de nazis. E aí eu estou eternamente agradecido ao Exército Vermelho.
De Costa a 16.02.2019 às 17:54
Cinco milhões de nazis, escreve... Matou, sim, alemães. Como Hitler matou comunistas, mas matou sobretudo russos (soviéticos, seja). Uns e outros vinculados, não o esqueçamos, e até pouco antes, a famoso - mas convenientemente esquecido (a tal justiça dos vencedores a operar) - pacto.
Matou alguns, muitos, nazis. Mas matou sim cinco milhões - ou o número que quiser - de alemães, lançados na guerra, e nas misérias que esta traz, por decisões em que não foram ouvidos. Alemães, isso, mais que nazis. Recrutados que não voluntários. Civis, muitos civis, também. Matou e violou - ou em seu nome o fizeram - quem, como muitos dos que directamente mataram e violaram, não foi tido nem achado.
Dir-me-á que eram de facto todos nazis, cerebralmente lavados, fanáticos merecedores do pior. Todos? E do outro lado, não se poderá apontar o mesmo, a mesma fanatização? E do outro lado, eram então todos - todos os muitos milhões que morreram - quadros comunistas, solidamente doutrinados e profundamente certos da justeza do que faziam? Todos dispostos, romântica e convictamente a pagar esse preço. Não havia povo - povo aos milhões - lançado sem mais na carnificina? Povo, civil ou militar, embrutecido de medo, apenas a tentar sair dali vivo. Ou nesse embrutecimento capaz de fazer o pior, do puro sadismo, sobre quem lhes caía nas mãos.
O horrível, mesmo quando imposto por razões a que não se pode virar a cara, não deixa de ser horrível. Curiosa visão da História, a sua, tão convenientemente simples. Curioso júbilo com a morte, a morte aos milhões, o seu.
Costa
De V. a 15.02.2019 às 23:02
Quando se vê escrito "islamistas" (uma palavra que não existe e que é um caso de wishful thinking criado por jornalistas — na esperança de que nem todos islamitas defendam a destruição de tudo o que não seja o islão) sabemos que é alguém que escreve no Público ou que, muito pior, andou a lê-lo.
De Anónimo a 16.02.2019 às 16:32
"V." critica o Público. Então "V." importa-se de explicar que tipo de jornais lê? É que não me parece que o que "V." lê seja credível.
De V. a 16.02.2019 às 18:05
Eu não leio jornais — não acredito nesse tipo de conhecimento. Quando muito leio as crónicas dos articulistas que comprovadamente odeiam o regime ainda mais do que eu. Zezinhos a alinhar na patifaria, dispenso bem.
Caro V., não me referi a si (embora tenhamos frequentemente opiniões divergentes) no meu texto. Mas o seu comentário é um exemplo de como não se tem uma discussão construtiva e útil.
Dois pontos: os trolls não são apenas de direita. Também os há de esquerda. Note que falei de Maduro, que não me parece ser conotado com a direita. E Putin, que é adorado por muita da esquerda (nem percebo porquê, deve ser pavloviano) é responsável por muitos trolls que andam na net.
Uma nota sobre a ciência. Não é de esquerda nem de direita. É o que é. Por vezes está certa, por vezes errada. A sua maior virtude é, no seu cômputo geral, nunca estar convencida que é a verdade final. Você estará a pensar em ciência "de esquerda" talvez por causa da alterações climáticas. Mas pode pensar em ciência "de direita" no lado da genética e como a ciência tem demonstrado a enorme influência que os genes têm nas pessoas (na sua inteligência, nos seus comportamentos, etc). Há não muito tempo, este conceito era tabu para uma esquerda que falaria num "homem novo".
Tenha as posições que tiver, os trolls e os suínos que refiro são aqueles que recusam as evidências e não debatem nada, apenas gritam na net e tentam sufocar a discussão com volume e mentiras.
Não é o seu caso. Não caia na armadilha, peço-lhe.
De V. a 15.02.2019 às 23:22
Grato pelo esclarecimento — mas confesso que não tomei nenhuma parte do texto como dirigida para mim. Fiz umas observações que me parecem gerais e eventualmente com algumas generalizações.
Quanto à ciência estamos de acordo — mas há leituras e condicionamentos ideológicos em torno das ciências... Por exemplo essa questão das alterações climáticas demonstra bem que os pequenos "elos perdidos" e incertezas determinantes são ignoradas para construir teorias absolutistas onde normalmente o culpado é a América.