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Delito de Opinião

Quotidiano

Maria Dulce Fernandes, 17.08.22

5:45h: O despertador toca e eu, qual cãozinho respondendo ao reflexo condicionado do princípio da torradeira, salto imediatamente da cama. Já me conheço há tempo demais para saber que se me dou mais “aqueles” 5 minutos, então é uma tragédia. Arrasto-me às necessidades matinais e ao duche, ao que se seguem os medicamentos da manhã, para controlar algumas das maleitas causadas pela PDI, e depois é o ritual de betumar a fachada, para a aparência ser pelo menos razoavelmente agradável à vista.

Começo pela aplicação do hidratante; ida à cozinha para tomar um Danacol; aplicação do fond de teint anti-age; nova ida à cozinha tomar um expresso. Lápis corrector, pincel n.º 1 para disfarçar as rugas finas, pincel n.º 2 para mascarar o código de barras que desponta do lábio superior, lápis branco, lápis preto, sombras numa palete de rosa pastel para efeito fumée, masquera, dois ou três toques de pinça para que os pelos aramados de uma barba branca que desponta no queixo não magoe ninguém que eu tenha de cumprimentar, apesar de ser muito pouco ou nada beijoqueira. Segue-se o blush, o batom e o gloss.

Meia dúzia de escovadelas no cabelo de cabeça para baixo e mais meia dúzia depois dum arremesso violento do pescoço para trás. Tem dias em que o cabelo parece um ninho de ratos e faz-se o possível para domar com laca as pontas teimosas, deixando-o consequentemente com uma textura de autêntico capacete de protecção. Três borrifos de perfume et voilà, eis-me pronta para entrar em cena e enfrentar as feras.

De Inverno, ainda consigo aparentar alguma jovialidade e frescura, mas no Verão, naqueles dias em que o calor aperta tanto que nos embaça os pensamentos, a artificialidade exposta ao pico do termómetro tem tendência para derreter, transpirando óleo pelos poros e alterando a conseguida fisionomia agradável, para uma Marie Antoinette depois de decapitada.

Tem dias que quando olho para o espelho logo de manhã, fico com vontade de fugir ao ritual. Bolas, nem sempre há pachorra! Mas lá cumpro o meu rito quotidiano, porque fui educada na fé cristã e não quero quebrar o mandamento n.º 5 , assustar  alguém  e incorrer num dos 7 pecados mortais. 

2 comentários

  • Sei como é. Acordo Maria das Dores e só uma boa meia hora depois de andarilhar de um lado para o outro, encontro a Maria Dulce.
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