José Luís Peixoto: «Tenho medo de mim»
Quem fala assim... (26)
«É fundamental transgredir os limites. Aquilo que julgamos impossível diminui-nos, ri-se de nós»
José Luís Peixoto, um dos escritores portugueses mais celebrados nestas duas primeiras décadas do século XXI, fala um pouco como escreve. Com frases pausadas, que por vezes são verdadeiros aforismos, e um peculiar sentido de humor, talvez surpreendente para alguns. Tive ocasião de perceber isso quando o interroguei ao telefone. O resultado é este que podem (re)ler.
Tem medo de quê?
De mim.
Gostaria de viver num hotel?
Não, apesar de actualmente já costumar passar grande parte do meu tempo em hotéis. Caminhar à noite no corredor de um hotel pode ser uma experiência muito solitária. Ao fim de algum tempo, as miniaturas de sabonete acabam por perder o aroma. Pessoalmente, preferiria viver numa casa com jardim e netos.
A sua bebida preferida?
Prefiro sumo de laranja. Não entendo esse hábito muito divulgado entre nós de beber álcool socialmente.
Porquê?
Eu, nas raras vezes em que bebo álcool, é para me embebedar.
Tem alguma pedra no sapato?
Uso botas. As pedras têm muita dificuldade em entrar.
A propósito: que número calça?
43.
Que livro anda a ler?
Os Detectives Selvagens, de Roberto Bolaño, entre alguns outros.
Costuma ter muitos livros à cabeceira?
Tenho sempre livros a rodear-me completamente. Por dentro e por fora.
A sua personagem de ficção favorita?
Lena Grove, de A Luz de Agosto, de William Faulkner.
Rir é sempre o melhor remédio?
Depende da maleita. Em casos de pedra nos rins, duvido que resulte.
A despropósito: lembra-se da última vez em que chorou?
Foi no fim de semana passado. Chorei de felicidade.
Confesse lá: gosta mais de conduzir ou de ser conduzido?
Gosto de andar de mão dada, como namorados.
É bom transgredir os limites?
É fundamental transgredir os limites. Aquilo que julgamos impossível diminui-nos, ri-se de nós.
Qual é o seu prato preferido?
Sushi.
Qual é o pecado capital que pratica com mais frequência?
O pecado capital que pratico com mais frequência é a luxúria. Ainda assim, acho que não a pratico com a frequência desejável.
A sua cor preferida?
Fúcsia.
Porquê?
Por causa do nome.
Costuma cantar no duche?
Sim.
Onde mais?
Também no trânsito e, ao telefone, com as pessoas que costumam ligar com regularidade a oferecer promoções.
E a música da sua vida?
Here I go again, dos Whitesnake. E mais umas mil.
Há quem sugira que o hino nacional deve ser alterado. Qual é a sua opinião nesta matéria?
Preferia que o hino nacional me sugerisse uma alteração a mim.
Com que figura pública gostaria de jantar esta noite?
Gostaria de jantar com Barack Obama, obviamente.
As aparências são capazes de nos iludir?
É o que me aparenta.
O que é que um verdadeiro cavalheiro nunca faz?
Um verdadeiro cavalheiro nunca responde a perguntas sobre o seu cavalheirismo, insinuando-se implicitamente como um verdadeiro cavalheiro.
Qual é a peça de vestuário que prefere?
Piercing no mamilo.
Qual é o seu maior sonho?
É grande. Dura à volta de umas três horas.
E o maior pesadelo?
O pesadelo é ainda maior do que o sonho. Às vezes, depois de acordar, ainda continua.
O que consegue irritá-lo profundamente?
Irritam-me as pessoas que ficam a olhar no momento em que se está a pôr o pin do multibanco. Afinal, porque é que o fazem? Vão-nos assaltar a seguir ou é mera curiosidade? É algo que me ultrapassa.
Qual a melhor forma de relaxar?
Um abraço.
O que faria se fosse milionário?
Se fosse milionário pensava em coisas que não penso agora e teria, com certeza, muito mais preocupações do que tenho hoje.
Casamentos gay: de acordo?
É um pedido?
Olhe que não... Mudando de assunto: uma mulher bonita?
A minha.
Acredita no paraíso?
Sim. O paraíso é como uma lâmpada que tem mau contacto. Acende e apaga. Às vezes pode ficar acesa durante muito tempo. Outras vezes apaga-se e parece que nunca mais se vai acender.
Tem um lema?
Não tenho um lema, tenho vários.
Entrevista publicada no Diário de Notícias (6 de Fevereiro de 2010)